Um dia do predador, outro dia do coelho.

Está desvendado o mistério da origem do Super Meat Boy criado por Edmund McMillen: o personagem não é mais do que a versão esfolada deste Kung Fu Rabbit.

Originalmente lançado para Android e iOS, KFR é um jogo de plataformas que muito pouco tem de artes marciais. Jogamos na pele (trocadilho intencional, porque debaixo da pelagem volto a afirmar está o Super Meat Boy) de um coelho mestre de Kung Fu que vê o seu dojo invadido pelo Mal Universal, e os seus discípulos capturados por criaturas gosmentas assemelhadas a alcatrão antropomórfico. E cabe-nos a nós em 80 níveis (mais 80 versões hardcore dos mesmos níveis) a tarefa de resgatar os pobres coelhos.

Na curta duração de cada nível (não esquecendo que a versão original foi criada para smartphones, o que justifica a rapidez quase casual de cada um) temos não só de encontrar o final do cenário (materializado na forma de um coelho-discípulo) mas também apanhar 3 cenouras normais mais 1 dourada. As cenouras assumem um duplo papel em KFR: o de apelar ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo coleccionista em cada um de nós, e por outro, como moeda para aquisição de upgrades e equipamentos no dojo. Esta tentativa de customização do personagem, apesar de contar com objectos curiosos com nomes épicos, acaba por pecar por falta de balanceamento. Perante a impossibilidade de equipar mais do que um upgrade de cada vez, o retorno que o Sumo de Cenoura (que aumenta a velocidade e a altura do salto do personagem) é incomensurável quando comparado com os restantes equipamentos disponíveis.

Estica-te pá!

Estica-te pá!

 

O visual é talvez a grande pérola de Kung Fu Rabbit: o ambiente asiático com um tratamento de uma suavidade e transparência semelhantes a uma aguarela, enaltecem e muito cada design de nível e a a “fofura” imensa do personagem principal torna-o extremamente apelativo para qualquer jogador ou jogadora, do mais casual ao mais hardcore.

A dificuldade do jogo acompanha progressivamente a curva de aprendizagem do mesmo, sendo que a partir de uma certa fase do jogo cada salto e cada local de “aterragem” tem de ser calculado ao pixel. A rapidez de resposta do nosso coelho é acima da média apenas se tivermos o Sumo de Cenoura equipado, o que atenua drasticamente a dificuldade de cada salto e cada plataforma/obstáculo. Apesar da aparente simplicidade do jogo, preparem-se para morrer. MUITO!

Em suma, tudo o que tiver a cor preta em cada nível vai matar o nosso protagonista: sejam as criaturas negras apenas derrotáveis com um toque na zona azul que representa o seu calcanhar de Aquiles, ou através de equipamentos comprados no dojo), árvores de alcatrão, gotas de gosma negra que caiem do tecto, ou poças de negrume que nos desejam engolir. Um pequeno passo em falso e zumba, estamos a repetir o cenário. Tudo nos quer matar, em níveis extremamente hostis para o nosso leporídeo, onde a tarefa de sobrevivência pode ser erroneamente subestimada pela simplicidade dos comandos que relembram os velhos platformers da consola de 8 bits da Nintendo.

Shhh! Be vewy vewy quiet. I'm hunting...Wabbits?

Shhh! Be vewy vewy quiet. I’m hunting…Wabbits?

 

As semelhanças com o aclamado Super Meat Boy funcionam mais em prejuízo de Kung Fu Rabbit do que em seu benefício: a qualidade daquele, com a sua dificuldade doentia e quase sádica, e a sua impressionante diversidade entre capítulos acabam por projectar sobre este jogo uma sombra demasiado pesada para ser ignorada. É que apesar das relativas diferenças entre níveis e mundos, os elementos que compõem os obstáculos (e o próprio cenário) acabam por ser repetidos ad nauseam. Sendo que parte da dificuldade de KFR é acrescida pela tentativa de ignorar a música repetitiva que acompanha o jogo inteiro.

Chamem o Ministério das Obras Públicas! Há alcatrão por todo o lado!!

Chamem o Ministério das Obras Públicas! Há alcatrão por todo o lado!!

 

O melhor: O visual; A dificuldade crescente e o desafio por si trazido; A simplicidade de mecânicas e controlos.

O pior: Ser um Super Meat Boy mais pobre, mais suave, mais fácil, mais repetitivo e mais casual; O sistema de upgrades ser relativamente inócuo e desnivelado.

Kung Fu Rabbit pode não ser original mas apresenta-nos um visual interessante que ornamenta um jogo cuja dificuldade e necessidade de coleccionismo de todas as cenouras acena de leve a jogadores mais completionists, conferindo-lhe algumas horas de saltos falhados e frustrações, e com uma grande dose de divertimento. Apesar de não ter o seu nome vincado na história dos videojogos, Kung Fu Rabbit traz o desafio e o divertimento que justificam a sua aquisição, tanto para jogadores mais casuais que desejam lentamente atravessar todos os níveis, como para os jogadores mais hardcore que querem coleccionar todas e mais algumas cenouras que puderem encontrar. Só é pena ser (moderadamente) mais fácil para quem já jogou a versão esfolada deste coelho.

 

6.5

Sobre as análises e sistema de classificação

(versão analisada: Wii U. Também disponível em Android e iOS)