Muito mais do que abracadabra.

Quando tínhamos 12 anos, de que forma aproveitávamos os últimos dias das nossas saborosas férias antes de voltarmos às carteiras da escola na companhia da Tabuada e dos livros do Papu? Iamos para a rua jogar ao berlinde, brincar às escondidas, à apanhada e ao mata. Atávamos  um lençol pelos ombros e correndo rua abaixo de braços abertos, imaginávamos ser um dos nossos super-heróis preferidos. Enfim, cada um de nós brincava e fantasiava à sua maneira. Jerry Hazelnut; não é muito diferente de nós. Só lhe restam dois dias de férias antes de regressar à escola e ele quer aproveita-los bem. Jerry sonha tornar-se um mágico e como tal as suas brincadeiras de criança incluem o fazer de conta que é mágico. Porém Jerry está longe de imaginar que as suas brincadeiras de quintal o vão levar a embarcar na mais fantástica e marcante viagem da sua vida. E com ele, vamos também nós.

Tudo começa quando um misterioso coelho, de formas humanas e uns enormes olhos vermelhos, ouve o desejo de Jerry e o leva para o fantástico mundo de Mousewood, para o fazer de seu aprendiz. Jerry aceita o desafio, mas só se voltar a tempo da hora do Jantar. O misterioso Coelho assim o promete.

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Misterioso…misterioso este coelhinho.

 

Tendo em conta o recente historial da Daedalic Entertainment, com a trilogia Deponia cheia de sarcasmo e humor negro, estava bastante curiosa relativamente à mais recente aventura point and click desta produtora. Imaginava que em The Night of the Rabbit, andaríamos de varinha mágica e pós de perlimpimpim, a dar espectáculos de magia e a pregar partidas. Isto poderá ser um recalcamento relativamente Deponia e o seu tão idiota Rufus, mas a realidade é que a Daedalic Entertainment muda de registo com este The Nigt of the Rabbit, comprometendo-se a entregar-nos uma espécie de conto de fadas, onde conceitos como Amor, Amizade, Coragem, União e Sacrifício estarão bem presentes. The Night of the Rabbit será assim uma espécie de viagem introspectiva e de aprendizagem, tanto para o jogador mais jovem, na faixa etária do protagonista Jerry Hazelnut, como para nós adultos, adeptos de aventuras point and click.

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Todos a apreciar a beleza da aurora boreal.

 

Mousewood é um mundo de magia e fantasia, um mundo que todos nós conhecemos dos livros de estórias. Um mundo em miniatura, onde habitam ratinhos que dançam, corujas sábias, coelhos rabugentos e mal humorados, esquilinhas que compram a ultima pochete da moda, sapos que distribuem correio e anões que trabalham na escuridão da floresta. Logo que iniciamos a nossa aventura dando corpo a Jerry, perdemo-nos por completo com os pormenores de Mousewood, explorando cada secção e recolhendo itens para o nosso inventário. E começa tudo o que já é usual neste género de jogos, peça a peça e com o uso da lógica vamos avançando.

Os puzzles de The Night of the Rabbit, não são muito fáceis, em parte pela falta de lógica e nexo que muitos apresentam, levando-nos a ficar encalhados no desenvolvimento da acção. Jerry tem um journal, onde vai anotando os objectivos que tem que ir alcançando, o que poderá ajudar um pouquinho nesta questão. Há também uma dica, que consiste em falar telepaticamente com o Coelho (o nosso mestre) que nos indica novamente o objectivo. Contudo nenhum dos dois é verdadeiramente eficaz no que se diz ser um sistema de dicas. Uma adição de valor, é uma moeda mágica que Jerry transporta sempre consigo e que ao usá-la de determinada forma, mostra a Jerry todos os objectos do cenário, com os quais ele pode interagir.

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Eu até sei o que ele andou a fazer com a mão.

 

Nas horas iniciais do jogo, Jerry parece passar por uma bateria de testes. Vamos resolvendo uma série de puzzles que nos vão levar a explorar Mousewood e conhecer os seus habitantes, até ao pormenor. Só nas horas finais é que Jerry começa a aprender os feitiços, que consistem em falar com estátuas, fazer crescer plantas e criar raios de esperança. A dinâmica de uso destes feitiços poderia ter sido melhor aproveitada na resolução de puzzles, pois são apenas usados esporadicamente. E tal como de inicio vamos remoendo numa série de puzzles, também a estória de The Nigth of the Rabbit, está muito mastigada. A parte inicial do jogo conta-nos pouco sobre o que realmente Jerry está ali a fazer, o que é Mousewood ou quem é realmente aquele coelho misterioso, para nas horas finais as coisas ficarem dramaticamente intensas, acabando por compensar o tempo inicialmente investido. No entanto estas explicações e emoções deviam estar melhor distribuídas, pois alguns jogadores se não se encantarem inicialmente pela exploração de Mousewood, rapidamente se vão embora, devido à lenta progressão na narrativa.

Como já vem sendo cortesia da Daedalic, mais uma vez todo o grafismo de The Night of the Rabbit é em 2D, desenhado à mão e está absolutamente fabuloso. A juntar a isto temos a excelente música, em especial a que toca repetidamente no menu inicial. Interiorizamos de tal forma a sua melodia, que dias após terminar o jogo ainda a conseguimos ouvir “no nosso coração”. O voice acting é também muito credível e todos os habitantes de Mousewood também o são, pela sua personalidade e carisma.

Jê Avelano vai à Ratolândia, consigo leva um traque podre e vai falar com a Rata Dançarina.

Pela primeira vez a Daedalic introduziu legendagem em português do Brasil. A tradução foi feita à letra e por isso vamos encontrar coisas bastante caricatas, como o que referi na frase acima, que poderia muito bem ser proferida pelo narrador da nossa estória. É uma iniciativa de louvar, no entanto recomenda-se cautela, pois se jogarem com esta legendagem poderão experienciar alguma confusão na resolução de puzzles, devido à tradução à letra de alguns dos itens que usamos.

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Cá está o traque podre.

E esta é a rata dançarina. uuuuh

E esta é a rata dançarina, uuuh

 

O melhor: Visual 2D desenhado à mão; Voice acting bastante credível; Banda sonora; O misto de emoções que a narrativa nos consegue transmitir; Mousewood cheia de vida.

O pior: Falta de um sistema eficaz de dicas; Puzzles por vezes sem lógica.

No género point and click é difícil de inovar. Tem uma fórmula muito própria, e Night of the Rabitt respeita muito bem essa fórmula, dando-nos uma fábula que não esqueceremos. Não é um jogo perfeito e tem as suas falhas, mas ainda assim é um candidato a melhor point and click do momento. Se com Deponia a Daedalic surpreendia com a sua capacidade de execução de uma aventura deste género, com Night of The Rabbit, não restam dúvidas do seu empenhamento e qualidade. Entre o sonho e a realidade, uma espécie de Alice no País das Maravilhas, The Night of the Rabbit é um jogo encantado.

 

(Análise da versão PC; também disponível para MAC)