Às vezes é preciso dar atenção aos pequenos no meio dos gigantes. Podem não ter tantos focos de luz, debitar tantos decibéis, ou contratar tantas modelos para nos sorrirem, mas é muitas vezes entre os pequenos que se encontram as ideias mais frescas. Quando me encontrei com Gene Mocsy na E3 2013, já nem no pequeno stand da Daedalic Entertainment tínhamos espaço, daí que foi num sofá e com o portátil no colo que Gene me mostrou alguns níveis e momentos da promissora aventura gráfica 1954: Alcatraz.
A apresentação informal começou com um pouco de história e geografia, onde fiquei a saber que da prisão de Alcatraz se pode ver a famosa Golden Gate Bridge de São Francisco (a versão em tamanho real da nossa Ponte 25 de Abril) que deve o seu nome ao estreito Golden Gate, uma saliência no continente Americano através da qual o Oceano Pacífico invade a cidade.
Foi na famosa cadeia de Alcatraz que alguns dos maiores criminosos dos Estados Unidos foram presos, incluindo Al Capone, naquela que era considerada a prisão impossível de fugir. É isso no entanto que um dos protagonistas do jogo está a tentar fazer. Joe, um personagem com ligações à máfia dos anos 50, recebeu 40 anos por roubo à mão armada mas não está disposto a abdicar da sua vida em liberdade junto da sua esposa Christine. A sua prioridade é conseguir fugir do Rochedo, mas tudo está contra si. Do outro lado do muro a sua mulher luta contra a falta de dinheiro e com as ameaças e chantagem da Máfia e de outros criminosos interessados em descobrir onde se encontra escondido o resultado do roubo.
Joe e Christine são as duas personagens controláveis nesta aventura gráfica onde vamos muitas vezes trocar entre ambas e tomar as decisões necessárias. Só que bem mais que uma simples aventura gráfica, 1954 Alcatraz é uma tentativa de criar e contar uma história adulta com decisões morais que tentam ir tão longe como na ficção literária ou cinematográfica. Joe e Christine podem ambos estar ameaçados nas “suas prisões” pelos criminosos interessados no ouro, mas os seus maiores inimigos são outros: a dúvida e a traição.
As decisões influenciam a história não linear, mas em questão pode estar a vontade que Christine tinha em ter sido pintora e que nunca o fez por causa do marido, ou pode estar a dúvida se a mulher ainda é de confiança quando Joe falar com ela ao telefone. Mais do que as prisões reais são as prisões da desconfiança entre um casal que pensava que se conhecia melhor, as maiores dificuldades que estes dois personagens enfrentam. As temáticas são de uma maturidade rara nos videojogos: ex-namorados, mentira, incerteza sobre o amor, relações homossexuais, corrupção e extorsão, são apenas alguns dos assuntos que vão estar presentes nos puzzles, diálogos e interacções.
Quando perguntei a Gene quais eram as inspirações de Alcatraz a resposta não podia ser melhor: filmes como Maltese Falcon e autores literários como Jack Kerouac e William Burroughs. Estas influências sentem-se nos diálogos e no estilo dos excelentes personagens modeladas em 3D e representadas em estilo Cel-shaded que incluem os companheiros de prisão, os gangsters, mas também um casal gay, as mulheres de um clube nocturno, um polícia corrupto que se aproveita do trabalho dos presos, uma amiga Beatnik, um padre assustador e muitos outros. Gene afirma que através da observação das relações, namoros e casamentos dos outros personagens vamos também aprender a tomar as decisões sobre a relação de Christine e Joe.
Existem múltiplas soluções para resolver os problemas e vários finais alternativos. Por exemplo, podemos decidir parar uma conversa entre um preso e o seu advogado começando uma discussão com a nossa mulher e lançado o caos na área das visitas, ou podemos decidir apenas cortar um cabo telefónico. Mas decidir cortar vai fazer com que não possamos usar essa faca no futuro. Essa mesma faca que pode ser usada noutra cena para matar um preso que come ao nosso lado, mas em que terminar com a sua vida conduz à nossa morte imediata por parte dos guardas. No entanto, sempre que morremos, voltamos um pouco atrás. Este sistema premeia a experimentação e a aprendizagem com os erros. As nossas decisões vão influenciando a história e o caminho da mesma.
Como todos os títulos da Daedalic, Alcatraz recorre ao trabalho incrível de ilustração de cenários, pelo qual o estúdio já é famoso. Os cenários, ruas, vielas, telhados e outros locais de São Francisco, desenhados e pintados à mão estão de uma enorme beleza e brilhantismo estético. O estúdio que está a reinventar as aventuras gráficas está agora com o trabalho diário de Alcatraz sobre a supervisão de Mocsy.
Numa das interacções que causou a morte de Joe, o jogo cortou para uma pequena sequência de Christine no funeral do marido antes de regressarmos à decisão errada que nos conduziu ao fim. Nesse pequeno momento aparece o delicioso texto: “a nossa mulher foi ao funeral, e nunca mais quis voltar a falar sobre nós”. Este sentimento de que não existem sempre finais felizes ou relações estereotipadas atravessa toda a nova aventura gráfica de Gene Mocsy e da parceria entre a sua Irrational Games e a Daedalic Entertainment, e promete ser um enorme passo em frente na maturidade narrativa do género. Com banda sonora do português Pedro Camacho, 1954: Alcatraz chega no final deste ano.