Se existe algo que os últimos meses provaram, com o caso da Microsoft, é que as jogadoras e jogadores podem vestir a camisola, defender com unhas e dentes uma marca, mas não são pessoas cegas. Há um limite para tudo, e se uma marca ou criador ultrapassar esse limite então enfrentam a crítica cerrada dos seus fãs e perdem até a dedicação dos mesmos.

Tim Schafer está muito perto de atingir esse limite. Com Broken Age (originalmente chamado Double Fine Adventure) Schafer trouxe a uma campanha de Kickstarter, há cerca de um ano, um conceito impensável até então: o dos milhões em financiamento pelos fãs. O famoso criador de aventuras gráficas pediu aos fãs 400 mil dólares para voltar a fazer uma das suas antigas criações (embora tenha dito que queria fazer regressar o género que na realidade já regressou há uns anos) e os fãs responderam com quase 3 milhões e meio de dólares.

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Não é de admirar se olharmos para as criações de Tim Schafer. Tanto na Lucas Arts como na Double Fine o mítico criador não tem um jogo mau. De Full Throttle a Psychonauts, a quantidade de bons jogos no currículo de Tim é impressionante. Foi aliás com Grim Fandango que Schafer criou aquele que ficou para a história como o pináculo das aventuras gráficas e, curiosamente, aquele que afundou o género por ter custado muito mais do que rendeu.

A história parece repetir-se. No último update sobre o estado do projecto, Schafer informou os backers que o jogo cresceu muito mais do que o esperado e que nem os 3,5 milhões (aos quais se junta mais de um 1 milhão de lucros na venda do Humble Bundle) são suficientes para acabar um jogo que começou por pedir 400 mil euros.

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A solução? Algumas estiveram em cima da mesa mas foram rejeitadas pela equipa, incluíndo fazer outro Kickstarter ou então só lançar o jogo em Julho de 2014 (a primeira metade, ou episódio), visto que precisava de muito mais tempo de desenvolvimento. A solução encontrada é confusa. A ideia é então cortar alguns elementos do jogo e em Janeiro de 2014 lançar uma versão menos polida do primeiro acto. Depois, em Julho de 2014 sairá a versão polida e final desse acto. Com isto, podem começar a cobrar no Steam por um pré-lançamento, uma das novas possibilidades da loja online, e financiar o resto do jogo.

O problema aqui é que prometem lançar a segunda parte (e segunda metade do jogo) poucos meses depois em Abril e Maio de 2014. Mas qual segunda parte? A segunda parte menos polida? Depois sai a segunda parte polida em 2015?

As críticas não se fizeram esperar e até Tim Schafer que tem um enorme crédito por parte dos fãs pisou em terreno demasiado pantanoso, uma vez que não se chega à frente e usa o dinheiro do próprio estúdio, alegando que isso não chega (mas quanto mais cresceu o jogo? Quantos mais milhões de desenvolvimento). O facto de ter recentemente lançado outro Kickstarter por afirmar que uma das equipas do estúdio já estava despachada de Broken Age também não ajudou.

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A revolta só não é maior porque, como já referimos, o criador nunca lançou um jogo que não fosse bom e se teve mais olhos que barriga então muitos esperam agora que o resultado final seja algo que mostre uma enorme visão. Mas a partir de agora fica a dúvida se o projecto acabará a tempo e horas, e fica uma muito má impressão por estarem a ser lançadas versões provisórias e versões finais.

Seja uma Xbox, seja um Final Fantasy ou seja um Tim Schafer, existe uma linha que separa os fãs da cegueira. Muitas vezes, as marcas e os criadores enchem de tal maneira o ego que perdem a noção do momento em que pisam essa linha. Broken Age e a Double Fine estão muito perto de não só pisar a linha como passar para além dela, e perder todo o capital de fãs acumulado ao longo dos anos. A única esperança são os 10 episódios do excelente documentário que está a ser filmado ao mesmo tempo da produção do jogo e que nos estão a mostrar um jogo muito prometedor a mexer. Resta esperar.