Levar Portugal à vitória, não só a jogar à bola.
Civilization, a obra-prima de Sid Meier, é sem dúvida um dos marcos dos jogos de estratégia. E esta importância que tem, reflecte-se nas legiões que seguem de perto, cada lançamento, cada expansão, cada add-on do colosso da Firaxis.
Ao contrário da maioria dos jogos de estratégia mais famosos, como Starcraft e Age of Empires, que se centram na gestão em tempo real do campo de batalha, e a pressão das decisões instantâneas, a mecânica de Civilization, por turnos, aproxima-o mais do desenrolar típico de um jogo de tabuleiro, mais ponderado e cauteloso (o que facilmente justifica a sua rápida adaptação a boardgame). Mas não só na utilização de um jogo por turnos se distingue Civilization dos restantes: a sua complexidade e multi-capacidade de abordagem levou, naturalmente, a um afastar de jogadores mais casuais de jogos de estratégia, habituados a estratégias mais simplistas de “tank rush e meia-bola para a frente”.
A estranheza de analisar uma expansão é sempre a mesma: comumente as companhias publicam expansões para aumentar o tempo de jogabilidade de um título, ou para prolongar um filão que está a ter sucesso, ou para tentar salvar um jogo com um mau impacto no mercado, ou simplesmente, para obter um valor acrescentado a um produto que necessita de continuar a ser lucrativo. E depois há o caso de Brave New World, quase inédito, que afina e reinventa mecânicas, introduz novo conteúdo e transforma um jogo muito bom em algo mais. Civilization V é, de base, um dos grandes jogos de estratégia da actualidade. Soube inteligentemente observar os seus vinte anos de história e adaptar características e mecânicas aos tempos actuais, soube auscultar a comunidade e perceber qual o seu imput, e ao mesmo tempo, criar novas mecânicas que trouxessem outra profundidade, e outras possibilidades, aos seus jogadores.
Uma delas, que não sendo nova, foi reinventada: a vitória cultural. Apesar de relativamente bem-recebida, a comunidade acabou por perceber que em Civ V a viabilidade deste tipo de caminho era pouco estimulante ou pouco proveitoso na maioria dos casos, e extremamente passiva, para ser equacionada como rota ao sucesso. Em Brave New World toda a mecânica cultural foi repensada, e mais do que tudo, repensada ao extremo com outro nível de aproximações estratégicas. À medida que a nossa civilização avança no tempo (e na sua evolução), é possível, através da construção de edifícios-chave e investigações tecnológicas, que Grandes Personalidades nasçam no nosso território, e que estas mesmas Personalidades (sejam Artistas, Músicos, Escritores, etc) possam criar as suas obras-primas nas nossas cidades, que as utilizarão como baluarte cultural da nossa civilização, e a partir da Era Industrial, como grande força de fomento do Turismo. O Turismo, a nova “equação” deste Brave New World, serve como força cultural ofensiva, e a exploração deste elemento é simples: se uma civilização alcança um desenvolvimento cultural tal, que todas as restantes a vêem como local preferencial de turismo, significa que essa civilização obteve o domínio artístico-intelectual sobre todas as outras, ditando assim as linhas de pensamento vigentes e as tendências culturais. E em termos de jogabilidade, a vitória, pela comprovada supremacia cultural civilizacional.
Como bom português que sou, os primeiros jogos que fiz foi com uma das novas civilizações introduzidas em Brave New World: Portugal, liderado por Maria I. Como habitual em Civ, em que cada civilização tem os seus próprios pontos fortes, Portugal tem maior rendimento (em ouro) ao criar rotas comerciais diversificadas, para além de sermos os únicos a construir Naus e a ter acesso a Feitorias. As rotas comerciais, outra inovação/afinação deste BNW, conduz por um lado a uma mecânica de gestão comercial entre outras civilizações e cidades-estado (elementos inicialmente neutros, também introduzidas nesta expansão), e mais tarde, com a criação do Congresso Mundial (posteriormente apelidado de Nações Unidas), estas trocas comerciais e o decorrente clima de boa-ligação com os restantes estados (e os jogos de poder conduzidos pelas novas unidades espiãs: os Diplomatas, traduzem-se em delegados) ao Congresso, e a nossa eleição como líderes do mesmo é um elemento de vitória: a via diplomática.
Admito que esta mecânica, ou via diplomática, seja, ao contrário da minha personalidade na vida real, uma das poucas, que pela minha forma de jogar Civ V, será difícil de alcançar. Admito também que tenho algum prazer em ser o traidor barato que desenvolve boas ligações com as civilizações vizinhas, para, de forma calculista, cercá-las com as minhas forças militares e cilindrá-las. E se os cem primeiros turnos são importantes para percebermos qual o caminho que vamos seguir, visto que em Civ não existe uma forma padrão para jogar com dada civilização. Por exemplo, com os Portugueses, que de base são vocacionados para as trocas comerciais e expansão marítima, alcancei duas vitórias distintas: uma bélica, num mapa constituído por duas grandes ilhas, em que cedo percebi que a força naval portuguesa teria sucesso versus as cidades costeiras dos meus adversários, e uma vitória cultural, em que DaVinci, Rafael, Dante, entre outros, nasceram em Lisboa, onde construí também a Torre de Pisa e a Grande Biblioteca, tornando Portugal, com o avançar das eras, como a maior potência cultural do mundo. Mais ou menos o que aconteceria na realidade se a bimbalhice e quilos de Fanny influíssem na balança cultural do mundo moderno.
As outras duas inovações são a escolha de Ideologia e a subsequente árvore de bónus que recebemos e a Arquelogia, a partir da Era Industrial, sendo que o ponto curioso desta mecânica é a transformação de locais de batalha dos primeiros tempos da nossa civilização, em locais de escavação arquelógica e consequente avanço cultural/turístico.
Com toda esta afinação de mecânicas, Brave New World, traz-nos, entre outros elementos, nove novas civilizações, em que apesar do meu vincado patriotismo e a minha constante vontade de jogar com Portugal, é com Veneza e a sua incapacidade de construir novas cidades que são apresentadas as mecânicas e decorrente adaptação de jogabilidade mais profundas. Para além das batalhas em modo skirmish, que constituem grande parte do valor do próprio jogo, BNW traz-nos dois cenários pré-definidos: a tumultuosa expansão colonialista em África no final do Séc. XIX e a Guerra Civil Americana.
O melhor: a complexidade do jogo, a extrema afinação das mecâncias, as múltiplas possibilidades de vitória, o valor quase infinito de rejogabilidade.
O pior: algumas mecânicas/vias difíceis de dominar à primeira vista, o estado algo críptico dos nossos conselheiros e da enciclopédia interna do jogo.
Brave New World é um caso raro de uma expansão que é muito mais do que apenas isso: mas é sim um elemento de excelência, de reflexão amadurecida sobre um jogo com 3 anos de idade, e com outra expansão – Gods and Kings – de menor relevância que este BNW. É um daqueles exemplos que Sid Meier quis, com este último conteúdo para Civ V, deixar o jogo mais afinado, mais polido, mais perto do ideal de jogo de estratégia por turnos que todos querem jogar. É um daqueles casos em que um óptimo jogo, como o é Civilization V, se transforma num jogo soberbo, numa prova de humildade de reconhecimento de que mecânicas criadas podem ser sempre alvo de trabalho e evolução.
Sobre as análises e sistema de classificação
Sid Meier’s Civilization V: Brave New World é um jogo PC e MAC