Phil Fish, o criador do jogo FEZ, um dos jogos independentes mais aclamados pelo público e pela critica no ano  passado, anunciou que desistiu de criar FEZ 2 e que está de saída da indústria dos videojogos. Qual a razão? Aparentemente o cansaço com a crítica.

Isso não seria suficiente para que eu sentisse a necessidade de escrever um artigo de opinião. Afinal, por alguma razão surgiu a palavra trolling na internet e qualquer criador, personalidade, ou qualquer desconhecido chamado ao palco, que se exponha está sujeito a ser aclamado ou linchado na praça pública. Para quem ainda se lembra da Pepa e da sua mala, é muito fácil servir de veículo canalizador de ódio nestes caminhos digitais.

Mas aqui existe um factor mais importante de analisar que é o papel que os media tiveram no jornalismo de videojogos nos últimos anos, principalmente com a explosão do online na cobertura dos mesmos. Como afirmou Robert Florence no Twitter, após as mensagens de Fish: “A negatividade tornou-se uma moeda corrente quando o Zero Punctuation começou, e tudo se tornou azedo. A web está cheia de homens a gritar para câmaras”.

Annoyed-Gamer

 

O Zero Punctuation é um de muitos exemplos de um estilo de jornalismo/opinião que se baseou no ataque sátiro e que conquistou a web, e que só seria possível neste meio. Mas a questão pertinente que se levanta é qual a validade dos meios jornalísticos online quando estes rants fazem parte da sua programação que também quer ser respeitada? O Annoyed Gamer pertence ao GameTrailers, e muitos dos rants de Jim Sterling pertencem ao Escapist que depois querem também ter uma atitude séria como meio que cobre os videojogos. Onde é que ficamos afinal?

O que aqui me conduz, a estas linhas de opinião e reflexão que são minhas, pessoais, e não representam uma posição do Rubber Chicken como um todo sobre o tema, foi o facto de o que levou Phil Fish à exaustão ter sido um acumular destes comportamentos de alguns media e que culminou com a explosão final a partir de um rant do Annoyed Gamer. A partir deste caso que foi a polémica da semana podemos continuar para uma análise mais profunda do que a web trouxe ao jornalismo.

Todos sabemos que Phil Fish não é uma personalidade fácil. É alguém que não pensa nas consequências antes de falar ou escrever, alguém que insulta facilmente se o tiver que fazer, um criador sem papas na língua quando tem de apontar o dedo ao que considera errado. Porém, goste-se ou não da postura, Phil Fish é um exímio criador como foi comprovado por FEZ, um jogo que deveria constar de qualquer manual de Game Design. Mas o que atrai a atenção da internet e dos media é a personalidade difícil de Fish, um género de acidente de comboio que vamos assistindo em câmara lenta, cada vez que alguém começa uma picardia com ele no Twitter. E isso, os media adoram. A última, com o Annoyed Gamer, levou-o a abandonar, para já, a sua carreira de criador.

Phil-Fish

 

Nunca me passaria pela cabeça escrever um artigo para defender Phil. Eu, pessoalmente, gosto do estilo. Como afirmou Cliff Bleszinski num tweet: “A indústria precisa de pessoas que falem como tu, com o coração antes do cérebro, porque já estou cansado de declarações aprovadas pelas Relações Públicas.” Porém, admito que é inconsequente e violento demais. A única coisa que me poderia atrair é ele dizer aquilo que mais ninguém se atreve a afirmar, aquele que fala do elefante na sala, numa indústria em que se escreve com pantufas nos pés.

Mas o caso de Fish e o cancelamento de FEZ 2 é apenas um ponto de partida para nós todos pensarmos bem naquilo que é escrever ou falar publicamente sobre jogos. Da mesma forma que os comentários e respostas de Fish são tantas vezes condenáveis, a verdade é que do lado de quem faz a cobertura dos mesmos passam-se constantemente barreiras que seriam inimagináveis noutros lados.

Neste caso em particular, a crítica do Annoyed Gamer partiu do facto de Phil Fish (e também Johnatan Blow) não terem respondido ao pedido para comentarem os últimos rumores que iria ser possível publicar pessoalmente na Xbox One. A partir daí, Marcus Beer partiu para o ataque ao afirmar que ambos eram criadores mimados e “fucking hipsters” (entre outras ofensas fortes) que tinham o dever de comentar os recentes desenvolvimentos da Microsoft. Tudo isto porque não quiseram comentar rumores, como se o rumor passasse a assumir a importância de notícia.

Imagine-se que um qualquer escritor se recusa a comentar uma recente fusão entre duas editoras; que um político não pretende comentar uma medida do Governo; ou que um presidente de uma empresa não quer prestar declarações sobre a eminente falência da sua companhia. Agora imaginem que qualquer jornal ou revista os acusam de ser meninos mimados com a mania que se acham demasiado importantes para comentar. É absurdo certo? No entanto, em alguns locais isso seria perfeitamente possível: nos blogues, onde reina a opinião livre e onde os códigos de ética do jornalismo raramente se aplicam. Grande parte daqueles que são considerados hoje as autoridades jornalística sobre videojogos são sites que começaram muitas vezes por ser blogues, criados por gamers e não por jornalistas (onde o Rubber Chicken obviamente se incluí).

O Destructoid começou como um blogue para que os seus fundadores conseguissem ir à E3. Hoje é um dos maiores sites.

O Destructoid começou como um blogue para que os seus fundadores conseguissem ir à E3. Hoje é um dos maiores sites.

 

O crescimento dos blogues a sites e posteriormente a media principais trouxe consigo vários factores positivos mas também muitos pontos negativos que acabaram por contaminar as publicações impressas. E muitos vícios que já ninguém questiona. O maior problema de todos foi a guerra pelos clicks.

A guerra pelos cliques conduziu ao deteriorar do nosso meio. Actualmente abunda o rumor em praticamente todos os sites, e a velocidade deu lugar à qualidade. Do enorme número de blogues e sites que aparecem, a estratégia da maioria é a da agregação rápida. Estar constantemente atento ao twitter e aos outros sites de referência para o mais depressa possível traduzir e noticiar o que alguém referiu. Sem, obviamente, qualquer tempo (ou vontade) de verificar a informação.

A isto junta-se muitas vezes o estrelato de algumas figuras do online como Greg Miller, Jim Sterling, Annoyed Gammer entre muitos outros, que passam a fazer um culto da pessoa numa forma cada vez mais exagerada de comunicar sobre jogos. Nada disto seria problemático se apenas mantivessem este registo, só que no entanto depois vão também escrever artigos sérios ou análises. Não se pode estar dentro e fora de água ao mesmo tempo. Seria como se o João Baião saltasse aos gritos nos programas da tarde e depois à noite fosse ao telejornal comentar as notícias do dia.

O jornalismo de videojogos já trazia consigo alguns problemas desde o tempo em que era só imprensa. É mais que sabido que são as editoras e as distribuidoras que pagam as viagens e alojamentos cada vez que um jornalista vai ao estrangeiro cobrir um jogo. É mais do que sabido que (em algo que é eticamente muito questionável) alguns jornalistas vão à E3 e a outras feiras pagos por uma editora, onde devem fazer a cobertura de todas. É mais do que sabido que existe demasiada adoração aos heróis que fazem os jogos, como se quem escrevesse fossem fãs e não jornalistas, tão bem espelhado nas entrevistas em que o jornalista tira e publica uma fotografia abraçado ao criador. E tudo o que nem sequer se questiona, como um jornalista estar num vídeo com uma tshirt de um determinado jogo ou com figuras de franchises atrás de si, são coisas que sempre me incomodaram. É como se visse uma jornalista a cobrir o congresso do PSD vestida com uma tshirt do Bloco de Esquerda.

doritosgate

 

Como escreveu Leigh Alexander “Todos esses heróis, esses criadores famosos, aos quais nós obedientemente acenamos a cabeça e transcrevemos (…) Mesmo com todas as queixas, acabamos por passar sem perguntas as mensagens do marketing, na expectativa de vir a conseguir aquele jogo, aquela viagem, aquele exclusivo que aumente as visitas”.

É certo que ainda existem bons exemplos. Mesmo no online. Stephen Totilo, Brian Crecente, Tom Bramwell entre outros tentam manter o culto da sua personalidade afastado dos seus textos e podem-se intitular com todo o direito, jornalistas. Por outro lado, o Eurogamer.net e outros começam a afirmar quando as despesas são pagas para cobrir um jogo, como aconteceu recentemente na entrevista que Tom fez a Ken Levine em Boston (ver o parágrafo final do artigo). Os meios não têm condições financeiras para empreender estas viagens, e isto é algo que se passa em quase todas as indústrias como no jornalismo de viagens, de automóveis, etc. Mas é importante que isso esteja referido, para que o leitor sinta uma transparência por parte de quem escreve. O mais curioso é que referir e não omitir, acaba por dar mais liberdade a quem escreve e também mais imparcialidade.

Mas estes são casos que fazem a diferença e não os que dia após dia têm mais atenção e destaque. O destaque vai para o rant, para o título tablóide, para uma adoração por vezes cega dos jogos e dos criadores. E a postura que se tem perante e a forma como se trata a informação conduzem directamente ao tipo de leitor que nos visita. Quando se coloca em primeiro lugar a velocidade em detrimento da qualidade vamos receber a visita, como já se escreveu, “de grande parte da internet tóxica na nossa sala de estar”.

Y U No Grow Up?

Y U No Grow Up?

 

Sinceramente, hoje em dia estou cada vez menos preocupado em receber primeiro um jogo, em ver primeiro um vídeo ou saber de algo antes dos outros, do que em procurar diariamente novas e melhores formas de escrever sobre esta indústria.

O caso Phil Fish rebentou devido a dois criadores se terem chateado com a insistência para comentarem rumores. Mais do que tentarmos procurar qual é o lado que tem razão, aquilo que devemos fazer é olhar para o que nos conduziu a este ponto em que a especulação assume o papel principal na informação e aquilo que estamos a perder com esse protagonismo. Quando assumo estas preocupações com outros, muitas vezes recebo a resposta que este é um meio de entretenimento e que não estamos a cobrir actualidade politica ou de sociedade. Mas mesmo assim nós sabemos fazer melhor. Sabemos ter uma postura inteligente e critica sobre os assuntos que conhecemos e devemos ter a obrigação de não nos tornar apenas mensageiros obedientes de cada comunicado de imprensa. O melhor entretenimento é aquele que nos ensina algo no final. Nós temos esse poder nas mãos. Entreter, mas também ir mais além. Que o façamos então.