(Des)encontro de irmãos
Quem me conhece no dia-a-dia, ou apenas através da leitura destas análises, sabe que se há algo que não me agrada muito é o facilitismo. Facilitismo esse que é consequência de várias factores: desde uma aparente corrente que protege as novas gerações das frustrações da tentativa-erro e de curvas de aprendizagem muito abruptas, passando pela quase efemeridade comercial que grande parte dos jogos têm hoje, a facilidade de grande parte dos jogos acabam por torná-los “dados adquiridos” para jogadores que vêem nos jogos não só um divertimento, mas também um desafio.
E se o meu Super Mario Bros 3, recebido aos 7 anos, garantiu pelo menos 5 meses de diversão de tentativa-erro, de exploração, de perder e começar de novo (lembrem-se que saves existiam apenas para pouquíssimos jogos), de melhorar, de aprender, o que sinto em muitos dos jogos que de uma maneira ou de outra me vêm parar às mãos é que a dificuldade está bastante facilitada e que a complexidade/desafio dos jogos vêm mascarados de achievements ou de completionism. E não me refiro à célebre dificuldade Nintendo-hard (do qual sou fã) dos quais Megaman e Double Dragon (os quais acabei ainda em cartucho) eram dois dos grandes exemplos.
Existe uma grande utopia em mim que acredita que a maioria dos jogadores não gosta que lhes peguem na mão e os levem a “dar uma volta pelo parque” enquanto jogam. Acredito que os jogadores gostem de se superar e de se surpreender com os desafios impostos pelos programadores e game designers, de se transcenderem naquilo que estão a fazer. E nesse aspecto, New Super Mario U, apesar de ser um bom jogo de plataformas, falha por completo. Depois de nos ver a morrer sucessivas vezes no mesmo nível dá-nos a possibilidade de receber um power up e passar o nível (literalmente) a correr. O que para a maioria dos jogadores veteranos vale exactamente o mesmo do que não jogar o jogo. Sempre que existe um obstáculo num jogo, ou uma “parte difícil”, eu quero sentir a satisfação de suceder ao ultrapassá-lo, não quero simplesmente passá-lo à frente. E claro que compreendo que tudo isto é resultado da triste conclusão que o sr. Iwata chegou: 90% dos novos “gamers” não conseguem passar o nível 1 do Super Mario Bros da NES.
New Super Luigi U não é um mero addon a Super Mario Bros U. Antes de mais, encaro-o como uma espécie de redenção. Como se os criativos da Nintendo, depois de décadas de criações que nos fizeram a todos partir a cabeça durante semanas e meses a evoluir a nossa destreza e reflexos para ultrapassar plataformas e sequências de inimigos aparentemente impossíveis, olhassem para as suas mais recentes criações (que relembro, apesar de alguma facilidade, são muito boas), tivessem olhado para o panorama indie, para casos como Super Meat Boy e Fez (notoriamente inspirados pelas suas próprias criações) e tivessem dito: “You wanted it hard? You’ll get it hard!” (nota 1: cogitação traduzida do japonês; nota 2: excluímos qualquer conotação sexual à exclamação). New Super Luigi U não é sequer um mero remake do seu jogo base: é um jogo completamente novo que se soube reinventar e trazer algo de novo.
Ponhamos os pratos na mesa: New Super Luigi U é um jogo difícil de se fazer em modo “sempre-em-frente”, ou seja, começar o nível e correr para a meta. É um jogo DIFICÍLIMO se quiserem obter todas as moedas que existem em cada um dos níveis. Cada um dos 80 níveis de NSLU é inteiramente novo quando comparado com NSMBU, apesar de mais curtos, e muito mais difíceis, com cada plataforma, obstáculo, inimigo, powerup, moeda, vida, a serem colocados de forma a que cada passo em falso signifique a nossa derrota.
Nada está facilitado, a começar pelo tempo reduzido que temos para completar cada nível. O já célebre som de tempo a esgotar é a forma como NSLU nos brinda ao início de cada nível (ou de cada vida), e temos exactamente 100 segundos para terminá-los. Os 100 segundos são, em si mesmos, uma sanguinária espada de dois gumes: por um lado, o som de falta de tempo impele-nos a tentar percorrer os níveis a correr, o que, contando com a extrema dificuldade do jogo significará apenas o apressar da nossa morte; por outro lado, o excesso de cautela vai levar-nos à “morte” mais frequente que tive: “tempo esgotado”. Neste meio termo entra a nossa destreza, os nossos reflexos e o nosso conhecimento do jogo encontra-se o sucesso para NSLU.
Com uma agravante: estamos a jogar com Luigi, com mecânicas de física inspiradas em Super Mario Bros 2 mas levadas ao extremo: apesar de saltarmos mais alto, também deslizamos mais, e temos um controlo mais difícil do personagem, das suas quedas, impulsos, travagens. Em resumo, os elementos que conduzem à nossa perda sucessiva de vidas: mecânicas de física (muito) mais difíceis de controlar, níveis mais curtos e muito mais cruéis e complexos e o tempo reduzido.
Em relação a saves ou checkpoints, o jogo retira um pouco da facilidade a que a maioria dos jogadores contemporâneos está habituado: não existem checkpoints a meio dos níveis, e os saves existem apenas depois de passarmos os castelos de cada mundo, o que significa que usar uma continuação (que por acaso, são ilimitadas) pode implicar um grande retrocesso no nosso progresso.
Os elementos de composição dos níveis, os inimigos e os bosses foram todos retirados do jogo base, mas sem qualquer prejuízo para NSLU: o que é bom, regra geral deve ser mantido e voltar a derrotar os Koopalings em HD, agora pelos pés (e mãos) do irmão (dito) menos carismático, é extremamente satisfatório. O início e o final de jogo são iguais a NSMBU com uma pequena diferença que tem levantado alguma especulação na internet: na cerimónia onde a Princesa Peach é raptada pelo Bowser, apenas é possível ver o chapéu de Mario, estando ele ausente de todo o jogo. Alguns jogadores pela internet falam sobre a possibilidade deste NSLU ser uma espécie de realidade alternativa onde Mario morreu e é Luigi o herói do Reino Cogumelo, funcionando o chapéu na cerimónia como uma homenagem póstuma ao grande canalizador da história da Humanidade. Afinal estamos no Ano do Luigi não é? Ou será que estas especulações extrapolam o ambiente típico dos platformers 2D da Nintendo?
Apesar da extrema dificuldade do jogo resta ainda uma pequena farpa de facilitismo em NSLU: a inclusão do Coelharápio, um personagem que é imune a todo o dano de obstáculos e inimigos, sendo apenas vulnerável a abismos. Ainda assim, o personagem está disponível apenas em modo cooperativo, e obrigatório se estiverem a jogar com 4 ou mais jogadores. É no entanto indicado para aquele vosso amigo (quase todos os grupos de amigos têm um) que é um belíssimo cepo no que diz respeito a reflexos e decisões de instante, e que prejudica o vosso gameplay colectivo.
O melhor: A dificuldade e a longevidade que ela pode representar; Novas mecânicas de física num jogo já muito rodado; O facto de todos os 80 níveis serem originais
O pior: A frustração que muitos jogadores podem ter perante este nível de dificuldade; As boss fights serem exactamente iguais ao jogo base.
Pela coragem demonstrada pela Nintendo em ir contra a sua própria corrente, New Super Luigi U é um jogo apontado para jogadores veteranos, fiéis aos jogos de plataformas 2D de Mario, mas que estariam muitos deles em risco de se aborrecer com a crescente facilidade dos últimos títulos. O desafio de NSLU tem diversas camadas, sendo que a primeira camada – e aparentemente mais acessível – é terminar o jogo, a segundo é afirmar-se que se controla o personagem na perfeição e por último, colher todas as moedas em cada nível e desbloquear o acesso à Estrela Superestrada. Apenas com versão digital disponível, mas com edição de retalho a caminho, New Super Luigi U é o jogo de plataformas obrigatório para todos os jogadores veteranos de Mario que querem relembrar as frustrações e ansiedades que levaram a muitas unhas roídas, nos seus tempos de infância. Sempre que fizerem pausa, quase que é perceptível, se semicerrarem os olhos, verem uma pequena marca-de-água que nos diz: “This game received a Nintendo-Hard seal of approval”.
Sobre as análises e sistema de classificação
(New Super Luigi U é um exclusivo Nintendo Wii U)