South Park esteve perto de se tornar responsável pela minha ida ao hospital. Sabem quando rir demasiado se torna perigoso porque já não conseguem respirar? Foi isso que me aconteceu quando assisti no cinema pela primeira vez a South Park: Bigger, Longer & Uncut e à sequência em que Terrance e Phillip cantam Uncle Fucker. A mestria da utilização de flatulência nessa sequência é um momento máximo na evolução e história do humor cinematográfico.
O grande problema, desde que a série estreou em 1997, e sempre que tentaram adaptar esta ao universo dos videojogos foi como passar este humor para a interactividade sem o tornar imposto (gratuito será sempre). Isto é, embora qualquer peido faça rir no ecrã, para que este provoque lágrimas o ritmo e tempo do peido com a acção do protagonista em causa têm de ser afinados ao pormenor (há sempre uma primeira vez para tudo na escrita de uma antevisão…)
Quando somos nós a controlar os personagens o humor frequentemente perde-se. Daí que em cerca de meia dezena de adaptações às quais South Park foi exposto na área jogável, nenhuma conseguiu manter a essência humorística, agressiva e genial da série. Isto é, nenhuma, até hoje. South Park: The Stick of Truth representa a primeira adaptação das aventuras de Cartman e companhia que resulta com um comando nas mãos. Qual foi o segredo? Tornar o jogo num RPG e entregar a série nas mãos da Obsidian Entertainment (de Neverwinter Nights ou Fallout: New Vegas) pois o estúdio percebeu finalmente como traduzir o estilo da série para mecânicas de jogo.
Tudo se resume ao combate por turnos. É certo que está disponível toda a cidade de South Park como mapa de jogo e que praticamente todos os personagens têm aqui espaço na narrativa, mas foi a aposta neste sistema de combate que se revelou a mais acertada. Isto porque a combinação de ataques e defesas foi o que permitiu introduzir nas mecânicas as piadas de uma forma funcional, mantendo-lhes a frescura e diversão mesmo depois de vários usos, mas que se torna recompensadora pois resulta num ataque bem sucedido ou mal sucedido, numa defesa mal ou bem conseguida, isto é, mecânicas de jogo que são necessárias e que não existem apenas para transmitir a piada.
Na apresentação a que assistimos na Gamescom, a Ubisoft mostrou-nos uma sequência em que os nossos heróis chegam finalmente ao final do Giggling Donkey, um género de final do arco-íris onde deverá estar o mítico Stick of Truth, mas que é na realidade uma casa normalíssima que no seu interior alberga um bar recheado de miúdos com más escolhas na vida. Um desses miúdos é um bardo de muletas e é com ele que disputámos a primeira de todas as batalhas. Logo no início, entre os ataques e defesas com as hordas de “minions” (miúdos de South Park mascarados), o bardo vai cantando canções ao longo da batalha com momentos de humor deliciosos, mas é, como dissemos, nos ataques que reina a melhor disposição.
Das dezenas de ataques a que assistimos estes incluíam ficar com a mão junto ao rabo enquanto se enche a mesma de flatulência e a partir daí disparar uma bola de fogo ao inimigo; jogar com o inimigo um jogo de Pedra, Papel, Tesoura mas que acaba por ser Pedra, Papel e joelhada nas partes baixas; uma buzinadela de estádio na cara do inimigo para que este fique temporariamente em modo “congelado”; ou embrulharmo-nos por completo em papel de prata para fazer “deflect” de um ataque. Como já devem estar a compreender, todas as boas mecânicas que estamos habituados no combate por turnos foram aqui transformadas em piada.
O interface de escolha de ataques e defesas é extremamente intuitivo, com um sistema de roda de opções e o sistema de inventário e armamento está montado como se fosse uma rede social, o que o torna simples mas ao mesmo tempo repleto de opções, cada uma mais irracional que a próxima. Na demonstração a que assistimos foi escolhido como arma para Cartman uma vibroblade (palavra suave para duplo dildo vibrador) e o armamento foi um vestido de mulher viking acabado de sair de uma ópera.
Numa era de gráficos de nova geração, o cenário 2D/3D no qual apenas nos podemos deslocar um pouco na profundidade e em que o resto é em side-scroller faz parecer que o jogo não está trabalhado mas isto é um curioso efeito psicológico daquilo a que estamos habituados a jogar, uma vez que o jogo está a ser totalmente fiel ao estilo artístico de South Park.
Um RPG, uma vez que é um género baseado em muita narrativa e diálogo, foi uma opção certa para conseguir passar as sequências animadas de South Park mantendo o ritmo necessário ao humor peculiar da série, mas foi a inclusão de um combate por turnos que genialmente transformou as piadas em mecânicas de jogo que são recompensadoras, necessárias, e que ao mesmo tempo fazem rir. South Park: The Stick of Truth prova que é sempre possível adaptar qualquer série ou qualquer filme a um jogo, independentemente do nível de drama, seriedade, ausência da mesma ou escatologia. Basta que um estúdio saiba fazer o casamento perfeito entre uma mecânica de jogo e o estilo e mensagem da série ou do filme. A Obsidian, conseguiu.