A melhor guerra de bolso

Killer App. Em tempos este termo serviu para identificar jogos que vendiam sistemas; exclusivos que muito mais do que induzir à escolha entre uma consola ou outra, conduziam à compra de um sistema só para poder jogar aquele jogo. Ao longo dos tempos as killer apps trouxeram ao hardware até os desconhecidos não só da plataforma como do próprio meio: os que não querem saber da máquina, os que querem jogar o jogo. Tetris no Gameboy, Tomb Raider na PlayStation original, Halo na primeira Xbox ou Wii Sports na Wii são alguns dos exemplos máximos deste género de título. Actualmente, com uma segmentação de mercado gigantesca, com dezenas de ecossistemas e plataformas, já não sabemos se fará sentido falar neste tipo de jogos e aplicações. Se ainda fizer sentido falar nesses termos então, sem qualquer margem para dúvida, Killzone: Mercenary é a Killer App da PS Vita.

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A Guerrilla Games é desde Killzone 2 responsável pela demonstração tecnológica das capacidades das máquinas da Sony. Killzone 2 foi o responsável por mostrar o que a PlayStation 3 seria capaz; Killzone: Shadowfall está a fazer o mesmo pela PS4; Mercenary era apontado como o showcase da PS Vita. Porém, em todas as primeiras apresentações pairava sempre a dúvida se aquilo que o estúdio apresentava não era somente fumo e espelhos a fingirem jogabilidade em tempo real. A resposta foi sempre dada com o lançamento dos títulos e com a entrega aos jogadores do que fora prometido. Agora, mais uma vez, a Guerrilla entrega esta qualidade e coloca nas mãos (literalmente) de quem possui uma PS Vita, a melhor e mais impressionante experiência FPS que já se experimentou numa consola portátil.

Killzone: Mercenary é um jogo visualmente impressionante praticamente de uma ponta a outra. A tecnologia que está a ser usada para conseguir atingir esta qualidade é curiosa, com o jogo a comprimir e descomprimir os elementos mais distantes conforme a necessidade. Não há elementos a serem desenhados à distância em Mercenary, a aparecerem do nada, pois estes estão sempre presentes no mapa. O que o jogo faz é uma maior compressão das texturas quando não estão próximas e vai fazendo esta gestão em tempo real. Isto nem sempre é subtil, e frequentemente assistimos a esta técnica a acontecer, mas a mesma nunca estraga a experiência de jogo. Algumas explosões e efeitos de vapor denunciam mais a compressão e uma ou outra área ganha ruído visual, mas isso só acontece em secções de jogo em que os cenários e mapas de são muitas vezes maiores do que o habitual para uma portátil e em que a Guerrilla está a abrir as goelas à consola.

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De Mercenary não se espere no entanto grande inovação. A história do jogo é banal, como têm sido aliás as histórias de toda a série, e os cenários de jogo fazem parte do habitual cliché de um shooter futurista. Killzone não prima pela originalidade, nem pela reinvenção do género. Killzone prima sim por fazer tudo de uma forma extraordinariamente sólida e extremamente afinada, repleta de atenção ao detalhe. Os cenários podem ser os mercados, os laboratórios, o edifício em ruínas ou o bloco de detenção a que estamos habituados, mas todos eles estão construídos com uma enorme atenção aos pormenores, sem repetição de elementos e sem áreas despidas de estruturas, e com um desenho de nível que premeia abordagens diferentes. Killzone consegue ser tão aberto como claustrofóbico durante o combate, e isto deve-se exclusivamente ao desenho cuidado de cada área de jogo, tanto na campanha como nos mapas de multijogador.

A maior solidez de todas reside porém na experiência das mecânicas. Mercenary é um shooter aperfeiçoado, o resultado de um desbaste que reúne o melhor do que foi conseguido durante a evolução da série. Desde o momento em que nos apresentam os elaborados briefings da próxima missão, com mapas de satélite e esquemáticos em 3D a sucederem-se enquanto os personagens avançam a narrativa, até sermos colocados no mapa de jogo, Killzone é uma máquina precisa onde nada falha.

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Os manípulos analógicos funcionam na perfeição, assim como todo o sistema de controlo que atinge um balanço perfeito entre controlo com botões e controlos com sensores. A Guerrilla dá-nos a possibilidade de desligar quase todas as funcionalidades activadas por sensores de toque ou movimento, e substitui-las apenas por controlos tradicionais, mas o equilíbrio está em não ter que decidir por um dos esquemas mas sim em misturar o melhor dos dois, naquele que é o casamento perfeito de sistemas de controlo de forma não intrusiva.

Por exemplo, o analógico direito seguido de um dos botões de ombro é perfeito para dirigir a mira a um inimigo, tal como estaríamos habituados em qualquer outro FPS, mas o tiro certeiro na cabeça é muito mais fácil de conseguir se depois usarmos os sensores de movimento da consola para ajustarmos a mira ao pormenor. Também a forma como podemos mudar as armas na parte lateral do ecrã ou seleccionar o tipo de granada pode ser feita apenas com botões, mas a sua implementação por toque está tão perfeita que acabamos por querer utilizar esse sistema de comando. Algumas mecânicas utilizam obrigatoriamente o sistema de toque, como o hacking ou as armas especiais, porém nunca nos cansamos de as usar pelo gozo que proporcionam: os ataques corpo a corpo aos inimigos, o disparo dos nossos mísseis pessoais ou os ataques vindos do céu que são extremamente recompensadores com este novo sistema de controlo. A liberdade de escolha de métodos de controlo é bem-vinda, mas arriscamos antever que a grande maioria das jogadoras e jogadores vai utilizar com vontade os dois simultaneamente.

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O combate é extremamente intenso, o que faz uma boa ligação com a narrativa do jogo. Killzone: Mercenary coloca-nos na pele do mercenário a contracto Arran Darren, ao qual não interessa qual dos lados vence a guerra entre Helgast e ISA. Aos mercenários apenas interessa que a guerra exista, pois isso significa trabalho e eles trabalham para o lado que pagar mais. Daí que podemos acabar a lutar contra qualquer tipo de inimigo de qualquer facção, embora todos eles sejam de uma enorme agressividade e carreguem constantemente para cima de nós. Em Mercenary de nada nos serve ficar atrás do sistema de cobertura a abater inimigos um a um. Eles não nos deixam estar quietos muito tempo e vêm ao nosso encontro rapidamente, ou flanqueiam-nos, o que mantém um ritmo intenso constante de batalha ao longo da campanha.

No entanto, Killzone permite-nos escolher qual a abordagem que queremos ter ao campo de batalha, pois muitas vezes é possível aniquilar áreas inteiras de forma furtiva e silenciosa. Esta característica de jogo proporciona um combate mais estratégico e calmo se for essa a preferência na forma de jogar e abordar o mapa. Os cenários estão também dessa forma desenhados para proporcionarem diferentes estratégias de intervenção, como por exemplo a possibilidade de avançar por caminhos alternativos como atacando de forma furtiva as salas a partir do cimo de clarabóias, ou a investir de frente e utilizando os muitos locais de cobertura do mapa.

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A selecção de armas em Mercenary é imensa mas é na forma como as podemos adquirir e comprar que reside a diferença. Espalhados pelo mapa estão caixotes de armamento que comunicam directamente com o nosso contacto no mercado negro. Podemos, como é habitual no género, carregar os nossos loadouts com uma arma principal, uma secundária, armadura e granadas, e em cada uma dessa opções temos uma escolha diversa de armamento que pode ser comprado com os créditos que vamos ganhando sempre que matamos um inimigo, descobrimos informações ou terminamos uma área.

Mas a grande ideia aqui é que temos sempre de pagar qualquer valor para trocarmos para uma arma que já comprámos antes. Isto não só justifica a capacidade de trocarmos de arma a meio do mapa (pagamos o valor de entrega), como também nos obriga a gerir eficazmente a utilização de cada uma, o que inevitavelmente conduz a preferências. Para que no entanto não fiquem armas por experimentar, alguns dos contratos dos quais escrevemos mais adiante no texto, têm de ser efectuados obrigatoriamente com uma arma em particular.

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O melhor nas armas são as tecnologias especiais, as Van-Guards. Estas peças de tecnologia de ponta permitem alguns dos momentos mais recompensadores de Killzone: Mercenary, e é por isso que são também das mais dispendiosas e difíceis de comprar. Temos por exemplo o Vultur, um drone que nos revela os inimigos por entre paredes; ou o Sky Fury que nos permite lançar ataques devastadores a partir do espaço; assim como o Mantys Engine, uma mistura entre Drone e “cadeira de dentista” cujas pinças metálicas perfuram o cérebro dos inimigos de forma furtiva; ou ainda o Porcupine, um divertido sistema de rockets montado no nosso ombro. Estes são apenas quatro das oito aquisições possíveis e que vos vão garantir muitas horas de variedade.

Killzone: Mercenary tem uma campanha relativamente curta que pode ser terminada em cerca de 8 horas na dificuldade média, mas é um dos jogos com mais valor de regresso tanto numa portátil como também numa consola maior. Todas as áreas de jogo, todos os cenários, podem ser repetidos não só em 3 níveis de dificuldade mas também com 3 tipos de contractos diferentes: Precisão, Furtivo, ou Demolição. Cada um destes contractos adiciona quatro a cinco objectivos que devem ser completados em cada área e, preparem-se, não são nada fáceis: Desde terminar uma área em tempo recorde, a executar 4 inimigos corpo a corpo em sucessão, ou a atravessar de forma furtiva zonas repletas de inimigos, o mais difícil em ultrapassar estes cenários alternativos é que não podemos falhar nenhum dos objectivos. Se isso acontecer, recomeçamos do último checkpoint. Se alguém se aventurar a completar todos estes contratos, mesmo em modo fácil, tem jogo para muitas dezenas de horas.

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O que vai também descarregar várias vezes a bateria das vossas consolas é o excelente modo multiplayer. Os habituais modos Deathmatch e Team Deathmatch (Warfare e Guerrilla Warfare) não trazem nada de novo, antes pelo contrário porque estão limitados a 8 jogadores no mapa. Onde Killzone: Mercenary brilha é no modo Warzone. Este modo está dividido em fases de jogo distintas ao longo de cada sessão de 20 minutos. Começamos por exemplo com uma fase de body count (justamente o que o nome indica), para passarmos de seguida para uma secção de interrogatório em que importa não disparar a matar mas sim tentar apenas ferir para depois interrogar, incluindo também fases em que temos que assegurar o controlo de Van-Guards lançados no mapa.

Por si só, este modo Warzone já seria suficiente para introduzir variedade, mas com a inclusão e utilização de Van-Guards, o multiplayer ganha outra dimensão. Lembrem-se que com o Vultur podemos ver os inimigos pelas paredes; que com o Sky Fury podemos obrigar todos a abrigarem-se enquanto bombardeamos o exterior; ou que com o Porcupine somos um ameaçador lança-rockets humano a correr pelo mapa. Juntem a isto a estratégia de atirar para as pernas para ferir e interrogar para dessa forma revelar todos os inimigos no mapa, e a diversidade passa a premiar a estratégia. Killzone: Mercenary não proporciona só a melhor experiência FPS multijogador numa portátil, mas sim uma das mais originais em qualquer FPS, desde que tenhamos em conta a limitação tecnológica do número de jogadores em simultâneo.

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O melhor: Visualmente deslumbrante, por vez inacreditável numa consola portátil; A enorme solidez e o equilíbrio perfeito de todas as mecânicas de jogo; A estratégia que permite a utilização de armas especiais Van-Guard no modo multiplayer; O casamento perfeito entre controlo tradicional e controlo por sensores de toque e movimento.

O pior: Mapas multijogador limitados tecnologicamente a 8 jogadores; Alguma compressão exagerada quando a Guerrilla vai para além das capacidades da consola; Estória banal; Péssima localização portuguesa nas vozes, completamente díspares do tom e estilo do jogo.

Killzone: Mercenary é a Killer App da PS Vita, um jogo que por si só justifica a aquisição da consola. A Guerrilla Cambridge veio mostrar de forma brilhante tanto ao nível tecnológico como na solidez de todas as mecânicas de jogo utilizadas em Mercenary, que esta consola portátil pode receber qualquer género de jogo da geração actual de consolas sem que tenham de ser feitas muitas concessões. Visualmente deslumbrante, Killzone: Mercenary é a melhor experiência FPS de sempre numa consola portátil, tanto na campanha alargada a muitas dezenas de horas com os contratos, como naquele que é um dos multiplayer mais inventivos, se bem que limitado a oito jogadores. Escreve-se muito que a PS Vita é a morada portátil dos Indies. A Guerrilla acabou de torná-la a morada portátil dos shooters.

 

(Killzone: Mercenary é um exclusivo PS Vita)