Um jogo de cabeça perdida

Quando se abre o pano, literalmente, para dar inicio à história de Puppeteer, espera-nos a maior façanha artística e estilística de todos os anos de catálogo da PlayStation 3. Porém, infelizmente, este é um jogo que nunca consegue alcançar o seu potencial e que tropeça constantemente na necessidade de chamar a atenção para o que consegue alcançar. Pelo caminho fica a promessa de uma obra-prima que nunca chega a acontecer.

Puppeteer reúne várias influências tanto orientais como ocidentais. Visualmente, o jogo é claramente inspirado nos teatros de marionetas orientais misturando traços do teatro de sombras de vários países asiáticos, com elementos do Bunraku Japonês ou das marionetas aquáticas Vietnamitas. A forma deslumbrante como estes elementos são apresentados, e a forma como os cenários mudam entre si, é um exercício de genialidade e algo que nenhum jogo até hoje conseguiu igualar ao nível artístico. Porém, todo este fascinante edifício visual perde frequentemente o fascínio e a razão para tal é simplesmente o cansaço.

Ser ou não ser, ou ser demasiado...

Ser ou não ser, ou ser demasiado…

 

O cansaço é algo que tanto o ambiente cenográfico como a narrativa de Puppeteer provocam. Ambos os elementos não dão descanso e durante mais de 10 horas são ininterruptos. Embora o estúdio Japan Studio nos queira passar uma narrativa baseada nos clássicos infantis e nas fábulas ocidentais, esquece aquilo que tornou estas histórias universais e intemporais: estrutura narrativa, com variações, com altos e baixos, com momentos fortes e momentos mais fracos. Puppeteer está sempre lá em cima, sempre no clímax, sempre na apoteose, e isso acaba por tornar o deslumbrante em algo que aborrece. Puppeteer passa 90 por cento do tempo a mostrar-nos o que sabe fazer, o que consegue fazer, e muito pouco tempo preocupado com aquilo que deveria ser.

A história do pequeno e valente boneco Kutaro, cuja cabeça foi roubada pelo rei urso, tem tudo para proporcionar um grande jogo pois conduz à mecânica de podermos coleccionar 100 cabeças alternativas ao longo do jogo. Porém, essas cabeças não servem para mais do que desbloquear zonas de bónus. Perde-se aqui um enorme potencial de jogo naquilo que poderia ser uma mecânica memorável. Sem aproveitar as suas potencialidades, Puppeteer acaba por ser um jogo de plataformas com uma jogabilidade extremamente repetitiva e nem sempre bem afinada. Existem quatro cabeças guerreiras especiais que desbloqueamos ao longo da aventura e que permitem fazer algo mais do que saltar, como atirar bombas, reflectir raios ou disparos, ou puxar objectos.  No entanto, raramente estas capacidades são usadas de uma forma criativa. Até a melhor ideia do jogo, umas tesouras que nos permitem avançar enquanto vamos cortando objectos no ar, rapidamente se tornam uma mecânica cansativa e muitas vezes denunciam falta de polimento.

Puppeteer

 

Esta falta de polimento está presente em quase todas as mecânicas de jogo. Nos saltos maiores entre estruturas elásticas, no comportamento das tesouras, no posicionamento de inimigos que nos obriga muitas vezes a sofrer dano por maior que seja a nossa destreza. Tudo funciona, mas falta-lhe ser mais afinado e, principalmente, mais recompensador. Por outro lado, os níveis baseiam-se numa enorme variedade de temáticas: dos castelos medievais, aos barcos de pirata, passando pelas florestas assombradas, mas quase sempre se estendem demasiado repetindo a jogabilidade ao longo do nível, por vezes até à exaustão. Puppeteer está demasiado preocupado em contar a sua história e mostrar a sua mestria técnica na transição de elementos do cenário, e muito menos com o acto de jogar. É frequente um nível de 30 minutos de duração conter 10 minutos em que nada podemos fazer senão assistir à história no ecrã.

Infelizmente, esta mecânica de troca de elementos no cenário nunca é usada ao mesmo tempo que a jogabilidade, perdendo-se assim uma gigantesca oportunidade de tornar este num jogo memorável. Curiosamente, esta substituição de uma jogabilidade divertida pela narrativa poderia ser minimizada por uma história bem contada, mas Puppeteer esforça-se demasiado, com horas e horas de narração e diálogos, mas que nunca conseguem ir mais além que o banal, e com a piada que procura constantemente e que não tem. No fim, quando o pano cai finalmente, o que fica é um enorme novelo de história enrolado no cérebro sem momentos que nos tenham marcado.

Puppeteer

 

O melhor deste jogo para além do deslumbre visual são as lutas no final de cada nível, a maior parte delas muito bem desenhadas e estruturadas com vários sub-níveis como nos melhores clássicos do passado, se bem que quase sempre previsíveis. Pena é que as óptimas ideias destas lutas com os “animais chefe” não se espalhem ao longo do resto do jogo. A zona do Western a meio do quarto acto, a melhor de todo o jogo, mostra claramente o grande título que Puppeteer poderia ter sido. Estas zonas maravilhosas são uma lufada de ar fresco na jogabilidade desinspirada das restantes.

No final, na última hora de jogo, Puppeteer começa a conseguir encaixar todas as suas mecânicas num bom jogo de plataformas e a frustração que isso provoca é enorme, pois para trás ficaram muitas horas de desperdício, de ausência de variações de dificuldade; de atributos de Kutaro que são esquecidos durante longos períodos de jogo. Quando o público, que constantemente vocalizou o seu espanto e diversão ao longo das várias horas e acontecimentos de Puppeteer, aplaude o final da história pouco nos apetece voltar a recomeçar.

Puppeteer

 

A melhor forma de jogar Puppeteer é em modo cooperativo. Kutaro, seja em modo singular ou em cooperação, está sempre acompanhado de outra personagem que alterna entre um gato com o poder da levitação e uma princesa transformada em pequena fada. Controláveis com o analógico direito, estes personagens secundários permitem interagir com elementos do cenário que não só proporcionam alguns dos momentos mais divertidos do jogo, como desbloqueiam as muitas cabeças disponíveis. Se estiver um jogador apenas preocupado com estes acompanhantes será muito mais fácil e divertido desbloquear por completo todas as cabeças. Se a segunda jogadora ou jogador utilizar o comando PlayStation Move em alternativa ao controlo tradicional será ainda mais recompensador pois rapidamente aponta e desloca os personagens no cenário, podendo não só mais facilmente descobrir os segredos do nível como também devolver-nos rapidamente a cabeça sempre que a perdemos, o que conduz à nossa “morte” e recomeço.

Não existe no entanto grande compensação nos desbloqueio destas cabeças pois elas apenas nos permitem aceder a níveis de bónus adicionais nos quais as mecânicas toscas de controlo de salto não tornam fácil a tarefa de conseguir completá-los mas com a agravante de uma vez conquistados nada nos atribuírem.

Puppeteer

 

O melhor: A impressionante direcção artística sem par em qualquer outro videojogo ou sistema; Jogar em cooperativo com um comando Move; A maior parte das lutas finais; A experiência fantástica de jogar num televisor 3D.

O pior: Mecânicas repetitivas e nem sempre polidas; O jogo não pára narrativamente tornando-se cansativo e até aborrecido; Desenho de níveis maioritariamente desinspirado.

Puppeteer é o maior feito artístico e estilístico de toda a história da PlayStation 3 mas, infelizmente acompanhado por uma jogabilidade repetitiva e uma narrativa fatigante, torna-se um jogo que falha em atingir o enorme potencial que tinha. Jogado a dois pode ser a sua faceta mais divertida, mas o desenho de nível desinspirado e uma jogabilidade que não recebe a atenção devida faz com que passemos metade do jogo a assistir ao enamoramento do estúdio com a mestria artística e a esquecerem-se de dar ao jogador solitário aquilo que ele mais deseja: jogar.

 

(Puppeteer é um exclusivo PlayStation 3)