Tivemos a oportunidade de passar um par de horas com a mais recente obra da Quantic Dream. Muitos anos se passaram desde que Fahrenheit (Indigo Prophecy) mostrou uma forma diferente de jogar, com a cinematografia ao serviço da jogabilidade. Um título que apesar de não conseguir manter o mesmo fulgor narrativo e frescura ao longo de toda a campanha, ainda assim se tornou num sucesso de culto, muito à semelhança de outro jogo do estúdio, mais desconhecido mas não menos importante. Falo de Omikron: The Nomad Soul.

David Cage tem ao longo dos anos de argumentista e director de videojogos, gerado muito correr de tinta, concretamente pela forma como defende a importância da tecnologia ao serviço da qualidade de um jogo, enquanto catalisador da ligação emocional entre o jogador e as personagens ou narrativa. Emoção. A palavra de ordem que o senhor Cage tem bradado como estandarte da nova geração Playstation. Em Beyond: Two Souls, emoção é sinónimo de quantidade de polígonos, de perfeição de modelos 3D e da representação vocal e corporal dos actores que compõem o rol da super-produção da Sony.

Beyond-Two-Souls

 

Ellen Page e Willem Dafoe são as óbvias super-estrelas do jogo, e a sua semelhança com os modelos de Jodie Holmes e Nathan Dawkins é clara e reconhecível. A sua representação vocal é, como não poderia deixar de ser, acima da média e contribui muito para a envolvência que o jogo tenta criar durante cada uma das setpieces jogáveis que a demo a que tivemos acesso nos apresenta.

Beyond: Two Souls é um jogo que assenta grandemente sobre a narrativa, sobre a história e o seu desenrolar, e tal torna qualquer antevisão ou análise num esforço de contenção de forma a não estragar a experiência. Este facto também é representativo de um dos principais problemas que o jogo parece, à partida, apresentar: as limitações na interacção entre o jogador e a história que se desenrola no ecrã. Ainda é cedo para afirmar se este título oferece menos em termos de interacção do que Heavy Rain, apesar de serem em tudo bastante parecidos. Beyond aparenta ser mais simplista no que diz respeito as interacções do jogador com o cenário, e também nos diálogos entre as personagens. Em grande parte das cenas jogáveis da demo, a interacção resumia-se à utilização do analógico direito, para além do movimento da personagem com o analógico esquerdo. O titulo assenta ainda a sua jogabilidade sobre os quicktime events, que se têm mantido e crescido enquanto mecânica de jogo desde do seu estabelecimento em Fahrenheit.

A grande novidade de Beyond: Two Souls em termos de mecânica é a mudança da acção para a perspectiva da primeira pessoa, quando controlamos Aiden, a entidade que “vive” em Jodie. Em determinamos momentos da acção, temos a possibilidade de libertar Aiden e interagir com o mundo enquanto Jodie fica parada em transe, estando as duas entidades ligadas entre si por um cordão espectral que nos impede de afastar demasiado. Uma solução engenhosa ao serviço da história, mas principalmente ao serviço da jogabilidade e do controlo sobre as acções do jogador. Muito jogos já exploraram e bem a temática do controlo mental sobre objectos e possessão de outras personagens, mas Beyond: Two Souls consegue fazê-lo de forma engenhosa e que resulta extremamente bem. Algumas das cenas que tivemos oportunidade de jogar estão bastante bem conseguidas, apesar de alguma familiaridade em termos narrativos, mas que uma forma geral conseguem dar “gozo” jogar. E isto é o que mais nos importa.

 

Os episódios da demonstração representam vários momentos da vida de Jodie, desde tenra idade até a idade jovem-adulta, e são jogados de forma não-linear. Uma Jodie contemplativa e em estado incerto é-nos apresentada no início da experiência, sendo essas memórias apresentadas como âncora ou guia através do qual iremos desvendar a história de Jodie, da entidade Aiden e das suas vivências e percurso. Não sabemos se esta será a forma como a narrativa será apresentada na versão final, mas de uma forma geral, resulta.

Ao longo da demonstração, tivemos a oportunidade de controlar Jodie em situações tão diversas como perseguições, conversas, brincadeiras de criança, exames telecinéticos, tiroteios, treinos militares ou simplesmente a conviver com outras personagens. Parece clara a busca da Quantic Dream pela diversidade do gameplay, mas algumas secções não resultam tão bem como outras. As secções furtivas ou de tiroteio, por exemplo, deixaram algo a desejar pela sua simplicidade de controlo. Não que fossem secções de tiroteio com mecânica de shooter, mas antes com mecânica de quicktime event.

Em termos técnicos, tiramos o chapéu à Quantic Dream. Não estamos convencidos de que a quantidade de polígonos é condição para que tenhamos uma experiência emocional rica, mas Beyond: Two Souls é um jogo visualmente impressionante. Grafismo polido e efeitos visuais de topo mostram bem o que se pode fazer com um orçamento milionário, e o resultado está a vista. Também no som o jogo não desilude, com uma banda sonora de qualidade.

Beyond: Two Souls tem muito de Heavy Rain, mas parece também se distanciar por boas e más razões. Mas ainda é cedo para dizer se a nova obra de David Cage conseguirá prender o coração e a mente dos jogadores. A demo a que tivemos acesso deixou-nos uma certeza: queremos jogar mais, queremos jogar tudo.

 

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