Consolas pequenas que correm jogos Android não tiram o sono a Andrew House, a Satoru Iwata ou a Phil Harrison. Todos eles sabem que estes dispositivos não são uma concorrência real e que quem os procura são entusiastas que não traduzem as tendências de mercado.

Aquilo que realmente tira o sono a estes senhores e os acorda com suores frios a meio da noite, é aquela maçã já mordida. No passado, as consolas batiam-se umas com as outras mas todas elas conseguiam margem de mercado para vender, o PC era um lugar de experiências de topo para um grupo mais pequeno de adeptos com máquinas dispendiosas, e a jogabilidade nos browsers e nos telemóveis resumia-se a experiências de jogo mais toscas relativamente às outras experiências (como por exemplo Runescape). Todos sabiam o seu lugar e o mundo, para as marcas tradicionais dos videojogos, era um lugar feliz.

Porém, dois anúncios separados por ano e meio vieram ser tão desruptivos como Neo na Matriz. A 9 de Janeiro de 2007, Steve Jobs sorri para o mundo enquanto mostra o iPhone na mão, e a 9 de Julho de 2008 anuncia que todos os criadores vão ter a possibilidade de levar a sua aplicação a todas as pessoas que possuírem um dispositivo iOS. Nasceu assim a App Store e a partir daí o mundo dos jogos nunca mais foi o mesmo. As grandes editoras perceberam a atracção e o vício que experiências mais casuais estavam a proporcionar e como isso se revelava nas horas de jogo acumuladas tanto de jogadores já habituados como de quem não costumava jogar. Sucedeu-se a partir desse ponto uma rápida avalanche de mudanças de paradigma no comportamento do público dos videojogos: o mobile contaminou as redes sociais, o free-to-play, as monetizações e hoje em dia não existe um gigante que não tenha grande ou a maior parte do seu investimento nestes modelos de negócio.

iPhone Top Games

 

Actualmente, a 3DS e a PS Vita são o exemplo de consolas que já não lutam apenas entre si. A 3DS teve um primeiro ano miserável até o catálogo conseguir disparar as vendas, a PS Vita ainda espera pelo seu momento de viragem. Actualmente, combatem com os tablets e smarthphones, curiosamente dispositivos quase sempre muito mais caros que as consolas portáteis, mas com milhões de ofertas gratuitas ou abaixo de um euro.

O anúncio da nova PS Vita TV, na nossa opinião, é uma medida assustada com a nuvem mais negra que paira sobre a divisão portátil da Sony e da Nintendo: A Apple TV. O dispositivo de 100 euros da Apple é uma forma de trazer os conteúdos da loja iTunes de uma forma fácil para os televisores da sala, sejam eles filmes, séries ou música. Com aplicações nativas para os dispositivos iOS da marca e com ligação facilitada aos portáteis, permitem um ecossistema Apple em casa de fácil utilização para fazer streaming do ecrã do nosso iPad no televisor, aceder aos serviços vídeo como o Netflix ou o Hulu, ou simplesmente mostrar no televisor em Full HD as nossas fotografias e vídeos das férias usando a rede wireless e o nosso portátil.

PS Vita TV

 

Qual é então a nuvem negra? A partir de dia 18 deste mês o novo iOS7 vai permitir o emparelhamento de controladores de jogo ao iPhone e ao iPad. Se a Apple lança um controlador de jogos para a Apple TV mais uma versão especializada da store, é uma questão de semanas até estar repleta de jogos.

É esta zona ainda “livre” do mercado que a PS Vita TV vem tentar ocupar antes que a Apple a torne mais um monopólio onde domina a concorrência. A PS Vita TV é o hardware interno de uma PS Vita normal encaixado numa pequena caixa de 10 por 6 cms, à qual foi retirado tudo o que não era necessário: botões, analógicos, ecrãs, sensores de movimento, entre outros. Isto permitiu reduzir o preço para os mesmos 100 euros (previsão) da Apple TV e oferecer algumas das funcionalidades da concorrente. Com lançamento a 14 de Novembro no Japão é uma questão de tempo até ser comercializado na Europa e Estados Unidos.

A PS Vita TV é compatível com os comandos da PlayStation 3 e da PS4 (uma vez que permitirá o streaming) e dessa forma também compatível com alguns dos jogos já existentes no catálogo da Vita (excepto os que dependem exclusivamente de comandos de toque ou movimento), com os clássicos PS One e PlayStation 2 adquiridos por via digital. Obviamente, uma vez que possui as mesmas capacidades de streaming e comunicação com a PS4, quando os jogos PlayStation 3 forem disponibilizados em cloud gaming através da plataforma tecnológica GAIKAI, a PS Vita TV vai seguramente ser mais uma alternativa para jogar o catálogo da consola actual.

PS Vita TV

 

Para além destas capacidades de jogo e de reunir um hardware impressionante numa pequena caixa de 100 euros, o dispositivo vai permitir o uso de aplicações como o Netflix, HBO Go e todos os outros sistemas de streaming de filmes, séries e música que a Sony queira implementar e disponibilizar. Mas a característica que faz a diferença é o facto de tal como na Vita, a PS Vita TV poder ser ligada a outro televisor para controlar em streaming uma PS4. Isto significa que podemos estar a jogar no televisor da sala e depois passar para o quarto e continuar a jogar o mesmo jogo nesse televisor, sem ter que deslocar a consola de local.

O que isto quer dizer é que do ponto de vista comercial a PS Vita é uma das coisas mais acertadas que a Sony fez nos últimos tempos. As nossas dúvidas prendem-se apenas com dois factores. O primeiro, menos importante, é o nome. A Sony pode estar a introduzir confusão nos consumidores ao colocar o nome de Vita no dispositivo e quem sabe até a cortar mercado à portátil. Outro nome que mantivesse o dispositivo no ecossistema PlayStation mas sem utilizar o nome de outra consola teria sido mais acertado. O segundo factor de dúvida, muito mais importante, é como é que o catálogo da Vita TV aguenta a partir do momento em que a App Store da Apple TV arrancar? O que nos leva mais uma vez ao eterno conselho que já aqui deixámos várias vezes: a Sony tem de investir fortemente no incentivo à criação de mais títulos PS Mobile tanto na Vita como na Vita TV.