Loading na neve

Uma das séries que marcou o inicio da geração que chega agora ao fim, Lost Planet foi a tentativa da Capcom em lançar uma nova franchise de acção/aventura na terceira pessoa. Infelizmente, a franquia nunca se estabeleceu verdadeiramente. Lost Planet 3 surge como uma tentativa em recuperar a série de um mal recebido segundo capítulo, e as mudanças foram claras, não só de estúdio de produção, mas também em termos de jogabilidade.

Desde os primeiros minutos são claras as influências que moldaram o desenvolvimento do título, que no fundo são tão díspares como extremamente reconhecíveis a qualquer jogador que tenha acompanhado minimamente o percurso do shooter na terceira pessoa durante os últimos 10 anos. Em termos de ambiente narrativo e estética de jogo, Lost Planet 3 consegue ser o jogo que Alien gostava, ou pelo menos poderia ter sido. E apesar de ficar muitos pontos atrás da experiência óptima que um título Alien deve ser, acaba por ser difícil de esconder as claras influências desta saga sci-fi na estrutura do jogo.

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Lost Planet 3 segue então a história de Jim Peyton, um faz-tudo que abandonou a sua família no planeta Terra, em severa crise energética, para simultaneamente explorar fontes de energia alternativas e forjar um futuro melhor para a sua família. Que é com quem diz, ganhar o seu. A história, não fugindo muito do manual de cliches para aventuras no espaço, acaba por soar bastante realista. A demanda de Peyton é semelhante a de tantos outros, que todos conhecemos, que procuram um futuro melhor trabalhando longe da sua família. O foco narrativo sobre Peyton e a sua solidão, as saudades de casa, as mensagens gravadas que troca com a esposa e o filho recém-nascido, e a “nova” família no planeta E.D.N. III, são um dos pilares que suportam a envolvência que nos leva a jogar.

 

The Mech blues

O segundo pilar, é a presença do Rig, o antecessor dos VS Mechs dos capítulos anteriores. Sendo uma prequela em que supostamente a humanidade pisa pela primeira vez o planeta em missão colonial, o Rig não é militarizado. Equipado de uma broca, gancho e maçarico, a função é a de auxiliar os colonos na exploração do planeta em busca da cobiçada energia, que parece estar estreitamente ligada à espécie alienígena Akrid. Este facto contribui ainda mais para a sensação de que, a vivência do jogador no planeta se centra no trabalho de exploração de um planeta desconhecido, apesar de muito desse trabalho envolver tiroteios contra Akrid.

Os melhores momentos de jogo são, sem dúvida, aos comandos do Rig, que a perspectiva de primeira pessoa toma conta da acção. Não só caminhar pelo planeta a caminho de missões, como a resolver pequenos puzzles com o auxilio do pequeno Mech, é aqui que sentimos muita da envolvência que se exigia da exploração num suposto mundo-aberto. Um destaque ainda para o facto do Rig ter um sistema de som, com uma compilação de músicas  feita pela esposa de Peyton, cuja foto enfeita o cockpit da máquina, em permanente lembrança da família distante. O leitor de músicas, de sonoridade blues, transforma as caminhas pelo planeta inóspito em algo memorável e consegue transmitir exactamente a sensação de nostalgia, saudade mas também motivação, que sentiríamos na pele de Peyton.

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Mas é quando falamos de mundo-aberto, que os aspectos negativos de Lost Planet 3 começam a via à tona do gelo. Com uma missão principal, e dezenas de outras secundárias e opcionais, o jogo procura levar-nos a explorar o planeta, ao estilo RPG. O problema é que as áreas de jogo são extremamente pequenas, com pouco espaço exploratório e pejadas de loadings. Isto leva a que o simples facto de termos de ver um ecrã de loading vezes e vezes sem conta, nos faça esquecer as missões secundárias, perdendo-se o ímpeto exploratório que o jogo tanto procura. Os ambiente contribuem também para esta sensação fechada que um jogo de suposto mundo-aberto nunca deveria de ter. Com algumas áreas a mostrar do que o motor Unreal é capaz, demasiadas vezes estamos perante fundos que mais parecem paisagens (pinturas) inanimadas, do que propriamente o horizonte de um planeta em constante turbulência.

Também o combate na terceira pessoa, aspecto chave presente em todo o jogo, acaba por não ter a qualidade que se exige actualmente. Não sendo disfuncional, apresenta claras falhas de polimento e problemas de câmara. As mecânicas tipo estão todas lá, mira na segunda pessoa e cover-system convencional, com o modelo da personagem Peyton a mostrar claramente as influências Gears of War na sua fisionomia e movimentos. Lost Planet 3 vai beber a vários jogo da praxe. Pode dizer-se que em termos mecânicos lhe falta personalidade, compensada pelo foco na história de Jim Peyton e pela jogabilidade no Rig.

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Um jogo em potência

Outra pedra no sapato de Peyton, são as batalhas com bosses. Maiores que a vida, como convém, mas extremamente repetitivas e frustrantes, ao ponto do desespero. Tanto em terra como a cavalo no Rig, as batalhas com bosses acabam por ser demasiado semelhantes, e a generosa quantidade de vida que têm, torna estes momentos de jogo num exercício de repetição, à velha escola. Valha-nos os momentos em que o boss fica em glitch, à mercê dos nossos ataques, uma situação que nos ocorreu em pelo menos duas ocasiões distintas. Os problemas de polimento são também visíveis ao nível das rotinas de alguns inimigos, com o jogo a apresentar-se bastante rudimentar no que diz respeito à vida artificial dos NPC, principalmente os companheiros de Peyton, que mais parecem manequins à deriva por ali, com o ocasional glitch a tornar tudo ainda menos credível.

Em termos de polimento, Lost Planet 3 fica no meio termo, e talvez seja essa a melhor forma de classificar este terceiro esforço da Capcom. Pena, porque existe “qualquer coisa” no jogo, uma centelha de personalidade e de diversidade em alguns momentos, que auguram algo mais do que um shooter na terceira pessoa de cumprir calendário. E essa impressão está presente em todo o jogo, a de que Lost Planet 3 podia ser muito mais do que é, podia até ser memorável. Infelizmente, os seus aspectos entusiasmantes são ofuscados pela falta de polimento, pela repetição e momentos frustrantes e pela sensação de estarmos demasiado presos num ambiente que se queria exploratório. Essa exploração tem fortes raízes na mecânica “Metroid” de desbloqueamento de áreas por upgrades funcionais ao Rig, mas o jogo nunca consegue tirar completo partido desta mecânica pelos constrangimentos de espaço nas áreas do mapa, nos loading frequentes e na utilização mais situacional dos upgrades do Rig.

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A praxe dita ainda, que tenha de existir modos multijogador, e Lost Planet 3 não pôde deixar de os apresentar. Tem alguma variedade de modos e acaba por ser surpreendentemente divertido e funcional, com um sistema de upgrades esférico que não deixa de ser interessante. O principal problema com que nos deparamos, foi mesmo a dificuldade em encontrar outros jogadores online, e isso não deixa de ser preocupante paraquem procura algum divertimento multijogador. Em todo o caso, esta parcela de jogo não é suficiente para justificar um investimento sério em Lost Planet 3. Com a tremenda variedade de jogos com componente online, acaba por ser uma batalha inglória.

O melhor: A jogabilidade com o Rig; mecânica “Metroid” bem pensada e fundida com os aspectos narrativos do jogo; banda sonora de qualidade; o foco narrativo sobre a vivência da personagem, e a sensação de isolamento e deslumbramento num mundo inóspito, que consegue criar.

O pior: Inconsistente em termos de polimento a todos os níveis; problemas de câmara e mecânica de combate com problemas de afinação; batalhas com bosses repetitivas e frustrantes; não consegue motivar à realização das missões secundárias; falso mundo-aberto, com áreas pequenas e loading frequentes.

Lost Planet 3 alinha a série numa direcção narrativa clara, e focada sobre um personagem, que acaba por trazer maior envolvência ao jogo, e convida ao investimento por parte do jogador. Os momentos de jogabilidade com o Rig são onde o título brilha, com uma mecânica exploratória e de upgrades que funciona, mas que fica muito aquém do seu potencial. E é isto que sentimos ao jogar o terceiro capítulo da série da Capcom, que poderia ter sido muito mais do que é, que apresenta mecânicas interessantes e constitui um passo na direcção certa, mas que todo o potencial nunca se concretiza num jogo verdadeiramente memorável. Repetição, momentos frustrantes, falhas de polimento a vários níveis e principalmente a quantidade de loadings, são alguns dos pontos que mancham um jogo que poderia ter brilhado. Os ambientes gelados de E.D.N. III convidam à exploração, mas esse ímpeto é quebrado pelas limitações que apresenta sobre o jogador. Existe “jogo” em Lost Planet 3, e é provável que tirem partido e até satisfação de o jogar. Mas o facto de não concretizar o seu potencial acaba por tornar toda a experiência muito morna. E no gelo, o calor é sempre mais que bem vindo.

 

Analisada versão Playstation 3, também disponível para Xbox 360 e Windows.