A vaca espacial que ainda dá leite

Quando em 1987 Ric Priestley criou o universo de Warhammer 40K para a Games Workshop, como versão futurista de Warhammer Fantasy Battle, nunca imaginou, decerto, que o seu universo ultrapassasse em termos de popularidade o franchise original. E é claro, que grande parte desta massificação de 40k se deve às adaptações a videojogos de alguns dos seus produtos.

Space Hulk, o videojogo de 1993, um dos marcos históricos dos jogos de real-time tactical, foi também uma das primeiras adaptações do universo de Warhammer 40K. Baseado no jogo de tabuleiro do mesmo nome, de 1989, e que se apresenta como um dos primeiros spin-offs do franchise, este jogo de tabuleiro, para dois jogadores, centrava a sua acção na exploração do Space Hulk, um destroço de uma nave gigantesca que os Space Marines Terminators são enviados para investigar. Numa adição de um flavour mais próximo da série Aliens, este destroço está povoado por criaturas selvagens de quatro braços chamadas Genestealers, que matam qualquer entidade que não pertença à sua raça e que correspondem à outra facção do jogo. Os Space Marines, controlados por um dos jogadores, têm de conseguir sobreviver às hordas de Genestealers controlados pelo adversário. Uma pequena adenda permitia porém que o jogo fosse jogado a solo, ficando o jogador a controlar os Marines a digladiar-se contra o tabuleiro que controlava os Genestealers.

Não há ninguém que acenda uma luzinha por favor?

Não há ninguém que acenda uma luzinha por favor?

 

Passados 20 anos desde o lançamento (e sucesso) de Space Hulk, eis que em 2013 surge em exclusivo para PC um novo jogo, também de seu nome Space Hulk, pelo estúdio Full Control. O jogo não promete ser muito mais do que o jogo de tabuleiro no qual se inspirou. Aliás, em extremo, este novo remake não é mais do que a transposição directa de todas as regras e jogabilidade do board game, adaptado a videojogo, com subsequentes animações e enredo que “colem” as diversas missões.

Em modo single player conduzimos os nossos Blood Angels Space Marines pelos corredores do Space Hulk, em missões que podem ir desde o extermínio total de Genestealers, à simples sobrevivência ou à captação de dado objectivo. Tudo isto em cenários idênticos ao jogo de tabuleiro, com corredores cuja largura permitem apenas a presença de um Space Marine, em configurações labirínticas que expõem os nossos personagens em todas as direcções. Devido à fiel transposição das regras do jogo de tabuleiro, os nossos personagens têm pontos de acção limitados, e apesar dos seus corpos geneticamente alterados, os Terminators são muito, muito lentos a movimentarem-se. Dos quatro pontos de acção base em cada turno, dois são gastos apenas a virar a direcção para onde o Terminator está a olhar. Por sua vez, os Genestealers são rápidos, cobrem maior número de quadrículas de cenário em cada turno, e são completamente fatais no corpo-a-corpo. Esta gestão táctica ao controlarmos os Space Marines acaba por ser aliciante no início, mas assim que encontramos a forma padrão de proteger a nossa equipa com o posicionamento-chave, o jogo passa a ser um passeio no parque. Especialmente porque nem as missões, nem os cenários e configurações dos níveis, nem os personagens e habilidades que dispõem diferem muito, sendo possível “quebrarmos” por completo a jogabilidade das missões single player, que por sua vez têm uma longevidade relativamente curta. Basta-nos colocar dois Terminators em Overwatch (a capacidade de ficar de vigia e atacar assim que um inimigo se aproxima) em pontos-chave de intersecções e dizimamos por completo as ágeis hordas de Genestealers.

AIII! MATAREM-ME!!!

AIII! MATAREM-ME!!!

 

Assim como o jogo de tabuleiro original, também Space Hulk está notoriamente criado para a vertente multijogador. Dispondo de um modo Hotseat, em que dois jogadores partilham o mesmo computador e combatem entre si, controlando cada uma das facções, em cenários aleatórios. O nível de oposição que só outro jogador pode trazer, confere a Space Hulk o seu verdadeiro sentido, ultrapassando a monotonia que o modo single player carrega, e aproximando-se verdadeiramente do objecto que emula: o jogo de tabuleiro original.

Ainda assim, parece-me que o valor de custo do jogo, neste momento 27,99€, é excessivo para o conteúdo que dispõe. Compreendendo que o filão de Warhammer abarca consigo uma legião de fãs ávida por adquirir todos os objectos relacionados com a série, a relação qualidade/preço está notoriamente descompensada. Apesar da modelação dos Space Marines e dos Genestealers, assim como do ambiente do próprio jogo captarem o conceito original, a repetição exaustiva de animações, a repetitividade das missões, o notoriamente curto modo de história e a falta de valor de rejogabilidade acabam por denotar o exagero do preço de custo do jogo. Aliando a isso o facto que ao ser “quebrada” a jogabilidade, sentimos que estamos numa espécie de piloto automático a fazer as missões, e que os lançamentos de dado – esse factor aleatório tão próprio do jogo de tabuleiro, e que definem a nossa eficácia nos ataques – são traduzidos em nada, ficando remetidos para a animação de ataque dos Space Marines.

Sendo eu próprio um fã de jogos de tabuleiro, ressinto-me com a falta de originalidade nas transposições de tabuleiro para computador, levando-me muitas vezes a perguntar se a mera tradução de um meio para outro não desvirtua o próprio conceito. Porque mais do que tudo, o que esperamos quando compramos e jogamos um board game difere, e muito, das nossas expectativas em relação a um videojogo. E o nicho de abrangência deste Space Hulk acaba por resumir-se aos fãs da série, ou, a fãs do jogo de tabuleiro original. Muito dificilmente servirá como “porta-de-entrada” ao franchise como o foi Warhammer 40,000: Dawn of War.

Space_Hulke_2013_03

Bom dia! Tem um minuto para falar sobre o Senhor?

 

O melhor: a fidelidade ao universo e ao jogo de tabuleiro; o factor táctico em especial no modo multijogador.

O pior: a relativa circunscrição do jogo; o facto de responder apenas a um nicho de mercado; a monotonia a que obriga os jogadores, e a falta de modding.

Space Hulk cai no erro de ser um jogo excessivamente circunscrito a fãs de jogos de tabuleiro e mais do que tudo, a seguidores do universo 40K. Os seus criadores não souberam pegar nas afinadas mecânicas de jogabilidade do board game que lhe deu origem e transportá-las para outra realidade, criando um outro objecto com valências que não se ficam pela mera tradução em videojogo do conceito de Space Hulk. Apesar de trazer algumas horas de diversão, em especial se jogado a dois, acaba por ser excessivamente caro para o conteúdo que entrega. Especialmente numa fase em que por esse preço podemos comprar outros jogos do mesmo género mas que trazem muito mais valor ao dinheiro pago por eles.

5.5Sobre as análises e sistema de classificação

Space Hulk é um exclusivo PC