A voar… mas baixinho

Não existe ninguém nas últimas 8 décadas que não tenha crescido com a magia da Disney. Todos teremos as nossas memórias do primeiro filme que fomos ver ao cinema, e numa grande percentagem dos casos, esse filme era uma animação criada pelos estúdios da Walt Disney Pictures. Apesar de muitos desses filmes que constroem a nossa imaginação não serem histórias originais, mas sim adaptações de contos clássicos, a Disney sempre soube atribuir uma vertente mística às suas histórias, assumindo as suas produções para sempre como parte do imaginário colectivo da Humanidade. Com a evolução da tecnologia, a animação tradicional foi dando lugar ao CGI, tendo o seu último e derradeiro fôlego com “A Princesa e o Sapo”. A desinspiração pareceu também tomar conta dos estúdios na última década, longe da qualidade gigantesca e o reconhecimento estabelecido das suas produções dos anos 90, como “Aladdin” e “O Rei Leão”. Estes dois a terem inclusivamente grandes adaptações a videojogo, que conseguiram ultrapassar a barreira da mera adaptação e criar um objecto que vive por si só, sem necessitar do filme para subsistir, criando por isso dois dos melhores jogos de plataformas da 4ª geração de consolas.

Depois do sucesso comercial de “Cars”, em que carros antropomórficos desempenham os papéis principais, um spin off da série planeado para venda directa em DVD acabou por ter lançamento em cinema contra as expectativas originais. “Planes” é essa sequela de um franchise que aponta mais para as potencialidades de venda de merchandise do que propriamente perpetuar a magia criada por Walt Disney, e que tenta também continuar a boa aceitação que a série “mãe” obteve da parte do público e das bilheteiras. O protagonista é Dusty, um avião pulverizador que sonha em tornar-se um avião de corridas, em que todo o enredo deste caminho do personagem pelo seu sonho não é mais do que uma espécie de “Volta ao Mundo” competitivo, nas quais várias localizações do nosso planeta são apenas cenários para etapas dessa mesma competição.

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Já percebes de agricultura! Agora podes ir jogar Farming Simulator 2013!

 

Com adaptações exclusivas para as consolas da Nintendo (Wii, Wii U, DS e 3DS), com ligeiras diferenças entre cada uma das versões, Disney Planes parece à primeira vista um Ace Combat excessivamente simplificado, bebendo de séries clássicas de simuladores de aviões como influência para as diversas mecânicas de controlo. Um jogo que está notoriamente apontado para o mercado infantil, mas que se excede nessa percepção e atinge o quase-emburrecimento a que o mercado nos tem habituado em videojogos infantis, remetendo o nível de desafio e dificuldade para níveis muito baixos. Planes acaba por ser mais uma representação clara da impossibilidade actual de perceber a distinção entre conteúdo e desafio nos videojogos para crianças. Os criadores têm de conceber objectos cujo conteúdo narrativo e gráfico seja passível de compreensão de uma criança mas com isso, não têm de afectar o desafio que o jogo impõe à própria criança. Nós, a geração que cresceu a jogar videojogos desde muito pequenos, e que possivelmente ainda hoje não terminámos um ou outro jogo no qual passámos horas a jogar, somos a prova viva que o desafio imposto pelos videojogos é um estímulo importante ao crescimento e ao raciocínio, e um fácil exemplo que apenas com esforço, dedicação e capacidade de exponenciar a nossa curva de aprendizagem é possível alcançar um objectivo e ultrapassar possíveis obstáculos.

As missões de história, que apesar de possuírem conteúdo diferente nas versões de 3DS e Wii U, acabam por ser desinspiradas, repetitivas, limitar-se a objectivos menores e sem qualquer margem de diversão, como pintar celeiros e semear campos de trigo. O facto de que estamos sempre a trocar de personagens entre missões acaba por nos impedir um grande afeiçoamento a cada um deles, assim como o rápido desinteresse sobre a própria narrativa (se é que os diálogos introdutórios podem, de alguma forma, consubstanciar algum tipo de solidez de história). Não fossem as vozes dos actores originais do filme, como Val Kilmer, que dão algum sabor ao próprio jogo, e à segunda missão o nosso primeiro instinto era passar à frente todo e qualquer diálogo e seguir em frente para resolver os objectivos impostos.

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Em direcção ao Sol como o Ícaro? Nuh… deixa-me virar ali para o Entroncamento

 

Esgotado o modo de história (ou o interesse pelo mesmo, mas para isso gostaria de perceber quão rapidamente uma criança se consegue fartar dos objectivos aborrecidos que lhes são apresentados) existem ainda mais 3 modos de jogo que podem ser explorados: um modo de corridas, outro de desafios que envolvem atravessar anéis no ar ou disparar em x alvos num tempo limite (quase uma repetição do modo de história), um modo de rebentar balões (sim, aparentemente o brainstorm para criar este jogo envolveu criar uma série de modos em que a diferença de mecânica era quais elementos têm de ser atravessados pelo nosso avião) e um modo de exploração livre dos níveis. Planes acaba por ser um jogo extremamente curto e extremamente fácil, começando pelo facto de que não existe qualquer tipo de barra de vida ou penalização por embatermos no cenário ou por cairmos a pique em direcção ao chão. Não existe qualquer tipo de incentivo para tentar masterizar o controlo do avião sem ser atravessar anéis no ar, o que torna o jogo repetitivo e aborrecido.

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Anéis. Anéis. Anéis por todo o lado. Onde anda o Dr. Robotnik?

 

Mas há, porém, dois factores que impedem o jogo de ser uma desgraça total, e um deles são as mecânicas de voo. Com controlos e fluidez a relembrar uma versão Happy Meal do Ace Combat, a realidade é que a pilotagem e acrobacias funcionam realmente e dão o valor que o jogo necessitava para não ser um falhanço em todas as frentes. Por outro lado, a possibilidade que a Wii U traz em relação a um modo cooperativo, em que um jogador joga no ecrã do GamePad e outro na televisão, o que garante uma carga de diversão que apenas a interacção humana pode conferir, afastando por algum tempo o fantasma da monotonia que assombra o jogo desde os primeiros minutos de contacto.

O melhor: a qualidade dos controlos, em especial na Wii U com um Remote e um Nunchuk; o voice acting; o modo cooperativo na Wii U;

O pior: a repetitividade; a desinspiração em todo o jogo; o extremo facilitismo e emburrecimento presente no jogo.

Disney Planes é apenas forma de esticar por mais uma margem de lucro o filão da série Cars, sacrificando por isso a qualidade e originalidade do próprio jogo. O facto de ser também lançado para as consolas da geração anterior da Nintendo acabou por nivelar por baixo a qualidade gráfica, ressentindo-se isso muito especialmente na Wii U e na 3DS. Apesar da mediocridade do jogo, a versão da Wii U é ligeiramente superior, pelo maior leque de personagens disponíveis e pela capacidade de jogarmos o jogo com outra pessoa. De resto falta aos criadores perceberem que elaborar jogos para um público como o infantil não obriga ao facilitismo: as crianças devem e precisam de ser estimuladas, e devem ser tratados com o respeito intelectual que merecem. Os desafios não devem ser minorados, mas sim, encarados como ferramentas de desenvolvimento das próprias crianças. Ainda assim, Disney Planes será daqueles jogos que rapidamente vão ser esquecidos nas prateleiras de jogos, ao lado dos DVDs de demonstrações e CDs de mini-jogos gratuitos.

Versão de 3DS:

4.5

Versão de Wii U:

5Sobre as análises e sistema de classificação

Versões testadas: Wii U e 3DS. Também para Wii, DS, PC e Mac.