Fala com a mão…
Uma moeda pelos teus pensamentos é a oferta que fazemos frequentemente aos nossos amigos ou às pessoas que amamos quando aparentam estar connosco apenas no plano físico, mas noutro qualquer lugar distante no plano mental. Normalmente a resposta a esta oferta é um sorriso e o relato daquilo em que se pensava. Como seria se a resposta fosse a oferta do pensamento sobre a forma de um autocolante? Seria Stick it to the Man.
Stick it to the Man é um sucessor espiritual das aventuras gráficas tradicionais. Aqui, como nas suas inspirações, a acção também se faz da procura de objectos numa situação insólita para serem usados noutra situação insólita e resolver dessa forma um problema que aflige os personagens (insólitos). A evolução que se faz aqui ao género é que todos os objectos que usamos são autocolantes que são pensados pelos vários personagens sobre a forma de um balão e que depois podem ser colados noutros locais ou até em pensamentos vazios, tudo graças à particularidade do nosso protagonista: ter um braço de esparguete cor-de-rosa a sair-lhe da cabeça.
O mundo de Ray é um universo feito de papel e autocolantes, e é essa mistura estética entre caderneta de cromos e livro pop-up que empresta a Stick it to the Man um toque de personalidade que o torna único. O traço de ilustração imaginado por Klaus Lyngeled, que transportou o jogo na cabeça durante vários anos, deforma os cenários e os personagens já de si mentalmente instáveis, e é a companhia perfeita para o delicioso humor de Ryan North, escritor de Adventure Time, que nos arranca gargalhadas constantes ao longo desta aventura.
Ray é o estereótipo do personagem falhado que se terá de tornar herói para salvar a sua namorada mas, mais importante, salvar-se a si próprio. É que Ray fez a questionável decisão de aceitar um trabalho a testar capacetes e quando apanhou na cabeça com um peso maior do que poderia suportar o resultado foi um pequeno coma, uma enorme dor de cabeça, e a habitual mão de esparguete a sair-lhe da cabeça. Esta mão que o leva literalmente ao hospício é a mesma que lhe permite entrar no cérebro dos outros personagens para ouvir os seus pensamentos naquela que é a mecânica principal de Stick it to the Man.
A mão e o braço de esparguete, controláveis pelo analógico direito, podem colar-se ao cérebro dos personagens para aceder aos seus diálogos internos. É desta forma que descobrimos o que os outros necessitam ou como podemos contornar obstáculos e atingir objectivos. Muitas vezes os pensamentos traduzem-se em autocolantes que ficam num balão de pensamento e que podem ser descolados com a nossa mão “pega-monstro”. Estes pensamentos transformados objectos podem então ser depois usados noutros locais e colados noutros balões vazios, em partes do cenário visíveis ou que se podem também eles descolar, ou mesmo combinados num pensamento maior.
A mão tem no entanto outras capacidades como ajudar-nos a deslocar entre os cenários através de pins estrategicamente colocados e aos quais nos podemos agarrar para rapidamente alternarmos entre salas ou entre plataformas a diferentes alturas. Espalhados por estes cenários estão agentes ao serviço do The Man, um sombrio personagem que quer algo que nós possuímos, e enfermeiras que nos tentam trazer de volta ao hospício. Esses antagonistas resultam em pequenas secções de puzzle nas quais temos de abordar o cenário de forma furtiva. A nossa mão permite nessas área descolar pensamentos de sono ou da nossa cara de alguns inimigos e colá-los a outros para que adormeçam ou se tornem o alvo a abater. O único problema é que o controlo com o analógico nem sempre resulta no alvo que queremos e muitas vezes faremos acções por engano como puxarmo-nos para perto de um inimigo quando estávamos a tentar colar-lhe um pensamento na cara.
O melhor de Stick it to the Man são os seus personagens, cada um mais sui generis que o próximo. Aqui podemos contar com uma falsa mulher barbuda (com cola e pêlo de cão a mais), um coelho que é o maior inimigo imaginário, uma baleia morta cujo único pensamento é o de odiar as segundas-feiras, um pato que acredita que o seu granejo é uma obra de arte e, claro, zombies. São dezenas as personagens de Stick it to the Man e muitas delas são memoráveis. Aceder aos pensamentos de cada um destes loucos à sua maneira provoca frequentemente o riso e faz com que esta seja uma aventura curta mas que termina com um sorriso na cara.
No entanto, Stick it to the Man é também uma oportunidade perdida. Os puzzles são demasiado fáceis e o jogo não aproveita para levar mais longe a mecânica que criou. Numa determinada secção temos que juntar três pensamentos diferentes no mesmo balão para elaborar um serviço de chá pronto a servir, e isso torna-se num novo e único autocolante. Esta mecânica praticamente não volta a ser aproveitada ao longo do jogo e poderia ter dado novas camadas de complexidade à aventura.
O que também joga pelo seguro é a banda sonora com um estilo jazz mas que se repete constantemente. Existem ainda alguns problemas a nível de câmara nas secções furtivas e que não nos deixam ver e planear a melhor abordagem.
O melhor: O humor e os pensamentos das dezenas de personagens; as mecânicas de descolar e colar pensamentos; O estilo artístico de todos os elementos; A passagem entre áreas do cenário utilizando a mão.
O pior: Demasiado fácil o que o torna curto; Potencial dos autocolantes não é aproveitado ao máximo; Problemas de posicionamento de câmara nas secções furtivas; Música desinspirada.
Stick it to the Man é um sucessor espiritual das tradicionais aventuras gráficas e uma forma original e fresca de abordar o género. Aceder aos pensamentos das dezenas de personagens memoráveis provoca constantemente a gargalhada e a mecânica de descolar pensamentos e colá-los como autocolantes novamente para resolver problemas é inovadora e viciante. No entanto, esta aventura poderia levado esta mecânica muito mais longe e proporcionar um nível maior de complexidade e de desafio. Se o tivesse feito, nunca mais conseguiriam tirar este jogo da nossa cabeça. Nem com uma mão de esparguete cor-de-rosa.
(Versão analisada: PlayStation 3; também disponível para PS Vita.)
Comments (1)
Boa análise, tudo bem relatado ao pormenor para quem se venha a interessar por este jogo.
Infelizmente este não é o meu género de jogo, mas gostei de ler a análise. Bom trabalho!