O Papel Principal da Vita
A história da Media Molecule faz-se também ela de uma relação muito especial com as texturas agradáveis ao toque, apetecendo tocar e agarrar os elementos criados pelo estúdio desde o primeiro LittleBigPlanet. Os tecidos, os cartões, os feltros, os veludos ou a característica lã tricotada de Sackboy, tudo é elaborado com uma fisicalidade próxima das texturas que nos rodeiam no dia-a-dia quotidiano. Quero até acreditar que se os jogos da Media Molecule fossem peças de roupa, estas seriam certamente confecionadas em cachemira.
Embora não seja por isso uma surpresa que Tearaway, o novo exclusivo da PS Vita, seja um universo de jogo inteiramente construído com papel, o resultado é no entanto surpreendente, com uma execução que justifica a exclusividade da consola portátil da Sony e que só é possível na nesta.
A maior vitória de Tearaway não é no entanto o seu mundo habilmente desenhado e recortado em papel, mas a forte ligação entre o personagem e o jogador que é conseguida desde os primeiros momentos. Nós espreitamos, literalmente, todos os passos do nosso personagem, um mensageiro feito de papel, uma carta dobrada tornada antropomorfa graças a pernas, braços e um rosto que pode ser reconfigurado com outros elementos de papel. A câmara na parte frontal da Vita, apontada para nós, coloca a nossa imagem em tempo real num enorme sol do cenário. Enquanto nós observamos o sol, os diversos personagens da aventura referem-se a nós com um misto de espanto, admiração e receio, e o objectivo final do mensageiro é chegar até nós para entregar a mensagem. Na primeira vez que o mensageiro olha para nós sorri, e noutro momento após um enorme salto tenta sem sucesso tocar desesperadamente no nosso rosto. Muito já se escreveu sobre projectarmo-nos para os personagens, mas Tearaway é possivelmente um dos poucos jogos em que o personagem e nós somos duas entidades distintas a trabalhar para um fim comum, mas ambas presentes no interior do jogo.
A forma como a Media Molecule conseguiu edificar Tearaway totalmente em papel é uma conquista artística, um pormenorizado e impressionante trabalho de artesanato visual digno de figurar em qualquer volume sobre criação de mundos de jogo. Cascatas que são tiras de papel a tremer, ondas feitas de pedaços de papel que se enrolam e desenrolam, enormes flores e árvores cheias de ramificações de celulose, são apenas algumas das estruturas deste jogo onde não existe um único elemento, seja cenário, personagem ou objecto que não seja feito de papel. Até o vento é feito deste material.
Grande parte das estruturas do jogo foram feitas para ser tocadas e é aqui que a PS Vita se justifica como plataforma portátil única do jogo aproveitando todas as suas características para interagir com este título. A funcionalidade mais surpreendente é a de colocar os dedos no painel traseiro e ver representações em 3D fotorrealista da ponta dos nossos dedos a furarem pelo chão do jogo, e a serem usados para atacar inimigos ou para mover objectos do cenário. Mas embora “entrar” com as mãos no interior do jogo possa causar surpresa, a melhor mecânica desenhada é a de dobrar e desdobrar elementos do cenário. Estas áreas são identificadas com um brilho que nos lembra os cromos especiais e mais difíceis das primeiras páginas das cadernetas, com um aspecto metalizado e com impressões digitais a convidarem ao toque. Muitas das interacções com estes elementos do jogo envolvem desenrolar plataformas, deslizar paredes, ou soltar elementos, mas outras provocam o espanto quando reconfiguramos enormes secções do cenário, num genial desenho de nível.
O melhor é no entanto a forma como todas as funcionalidades se juntam, pois se existem elementos separados como tocar no painel traseiro para activar tambores que fazem o personagem saltar, ou momentos em que podemos tocar nos elementos, existem também secções que combinam todos estes elementos ao mesmo tempo, incluindo os sensores de movimento da consola. Estas secções de puzzles são alguns dos melhores momentos do jogo e a maior e grande falha de Tearaway é não possuir mais elementos deste género.
Outro dos problemas de Tearaway é o seu sistema de corte de figuras em pedaços de papel que precisava de muito mais afinação e de funcionalidades ausentes como a de poder alterar a ordem das folhas de papel. Isto porque muitos dos elementos do jogo podem ser reconfigurados com outros elementos de papel, disponíveis numa grande lista de recortes que podem ser comprados com papel virtual e que vamos apanhando ao longo da aventura. Noutros momentos, podemos ainda desenhar elementos que vão fazer parte do jogo, como decidir a forma e a cor dos flocos de neve que vão cair ao longo do cenário. Ferramentas de desenho e corte mais poderosas teriam sido bem-vindas.
A máquina fotográfica que o nosso personagem transporta permite ainda capturar as cores escondidas de várias formas e personagens que se encontram totalmente desprovidos de cor. Essas figuras são desbloqueadas, depois de fotografadas, e podem ser acedidas no site do jogo, onde podemos imprimir os objectos em papel juntamente com instruções detalhadas que nos permitem reconstruir no mundo real as figuras que fotografámos. Aconselhamos a utilização de um papel de gramagem elevada, e é importante não passar ao lado deste regressar às brincadeiras físicas e não virtuais de dobrar e colar papel.
Um dos momentos mais especiais do jogo é quando podemos utilizar fotografias tiradas com a PS Vita como texturas para os objectos. Fotografar uma manta de várias cores e ver os objectos feitos com estas texturas é um momento inesquecível.
Para a história geral dos videojogos fica a banda sonora de Tearaway, uma mescla perfeita de alternativa, músicas do mundo e Folk que pontua cada área de jogo de forma memorável. Parar discos de Vinil com os dedos para os voltar a soltar e relançar a música é um momento interactivo inesquecível.
O melhor: O mundo deslumbrante inteiramente elaborado com papel; As mecânicas de reconfigurar com o toque grandes áreas do cenário; A ligação emocional conseguida entre o personagem e o jogador; Uma das melhores bandas sonoras de um jogo; As secções de puzzle que combinam as várias funcionalidades da Vita.
O pior: Com os melhores puzzles em número reduzido, o jogo desperdiça um enorme potencial; Mecânicas de recorte pouco afinadas.
Tearaway é um dos melhores jogos da PS Vita, mas não alcança todo o seu enorme potencial. Concentrado na sua maravilhosa história do seu mundo de papel único, o jogo perde a oportunidade de introduzir um maior número dos seus fantásticos puzzles. O que fica é um universo de jogo que é uma conquista artística e a melhor utilização num jogo das capacidades exclusivas da consola portátil. No final da bela narrativa ficamos a desejar mais, mas o que recebemos é único. Tearaway coloca a Vita no bom caminho para assumir um papel principal.
(Tearaway é um exclusivo PS Vita)