Quando uma grande marca ou uma grande editora professa publicamente o seu amor pelos pequenos criadores, não é de espantar que seja olhada com desconfiança e que acreditemos que tudo não passe de um aproveitamento mediático. No final de Agosto o Rubber Chicken esteve presente na Gamescom numa sessão dedicada aos pequenos jogos da PlayStation Network promovida pela Sony, e foi com grande surpresa que assistimos a uma relação que para além de ser profissional, é também pessoal e emocional. “Nós adoramos os indies” parecia ser ali uma realidade para além do marketing e desde esse dia que temos estado a entrevistar separadamente cada um dos muitos criadores presentes, para uma futura grande reportagem sobre esta relação.
Quisemos no entanto ouvir também o lado da Sony e foi nesse sentido que entrevistámos Alex Lee, produtor executivo da Sony Computer Entertainment America, e o responsável por descobrir criadores e projectos independentes e ajudá-los ao longo do processo de desenvolvimento.
Rubber Chicken: Como é que tudo isto começou? Nós já assistimos a projectos arriscados no passado como PaRappa The Rapper, Fantavision, Vib-Ribbon ou até Flow. Mas a partir do lançamento de Flower, parece que a curva de aposta em jogos indie mais arriscados disparou. Isto só pode ser estratégia.
Alex Lee: Antes de mais obrigado pelo convite para falar sobre este tema. Não posso falar por toda a PlayStation, mas na nossa equipa estamos sempre à procura de conteúdo que possa brilhar. Embora saibamos quanto arriscado um título pode ser, essa noção é separada da defesa do conteúdo do jogo. Nós tentamos ajudar a serem criados jogos que queremos jogar também e que podem demonstrar a versatilidade das nossas plataformas. Os jogos indie são muitas vezes inovadores de uma forma fantástica, e quando adicionamos a isso os serviços que podemos prestar aos criadores o resultado é um casamento perfeito.
Rubber Chicken: Como é que vocês abordam os criadores? São eles que vão ter com vocês ou são vocês que os procuram? Os eventos como o Indiecade ou o IGF são importantes para esse conhecimento?
Alex Lee: Acontece de várias formas. Nós tentamos assistir a vários eventos onde nos apresentam equipas e onde também são elas que se aproximam de nós. Os sucessos que os criadores tiveram no passado permitem-nos identificar pessoas que criam bons conteúdos mas isso nem sempre é essencial. Por exemplo, frequentemente assistimos a eventos em universidades com pessoas que estão a criar o seu primeiro jogo.
Dentro da PlayStation conseguimos passar apresentações às pessoas certas que podem estar interessadas em determinado projecto. Todas as pessoas da minha equipa podem estar disponíveis para representar um determinado jogo e a saber encaminhá-lo para os departamentos da empresa que podem ajudar. Embora eu por exemplo esteja envolvido nos jogos first party, é frequente falar e trocar informações com todas as pessoas nas áreas de desenvolvimento que estão com relações de trabalho com criadores third party.
Rubber Chicken: Como é que vocês ganham a confiança de um criador? É um processo difícil de iniciar? Quer dizer, vocês podem ser olhados como os “homens de fato” da corporação poderosa.
Alex Lee: A verdade é que mesmo eu sendo um dos “fatos na sala”, eu também sou um criador. Publiquei mais de 20 títulos como engenheiro de software e como director de desenvolvimento, por isso muitas vezes posso falar directamente com os criadores e entender os problemas com os quais eles necessitam de ajuda. Mas a confiança é algo que se tem de ganhar, por isso respeitamos a relação e tentamos ajudar de todas as formas possíveis. Quando começamos a ter pequenas vitórias na resolução de problemas, a confiança aumenta.
Rubber Chicken: E o contrário… como é que vocês confiam no criador? Vocês estão a lidar com equipas muito pequenas e há uma grande chance de terem atrasos ou falhas (como numa equipa de três pessoas, duas delas antagonizarem-se).
Alex Lee: Não é diferente. É tudo acerca de comunicação aberta e de uma tentativa de entreajuda. Como estamos envolvidos e ajudamos em todas as fases não há grandes surpresas ao longo do processo.
Rubber Chicken: Ao que parece o marketing olhou para o vosso trabalho e decidiu: isto é uma boa mensagem. Porque acham que isto está a acontecer? São números de vendas, é a forma como a marca se quer posicionar? Podem comentar a relação entre a vossa equipa e o topo da pirâmide na PlayStation?
Alex Lee: A nossa equipa sempre trabalhou da mesma forma. Só que agora temos um nome para isso (indies). Não é diferente agora do que sempre foi quando procuramos os conteúdos jogáveis mais novos e mais frescos, tentando depois ajudar. O que mudou hoje em dia é que os objectivos desses pequenos criadores mudaram. Hoje em dia não querem crescer para grandes companhias e ficam contentes por se manterem pequenos, ajudados por novas ferramentas e por middleware. Para nós não há mudança. Mas se a marca nos vê como uma boa estratégia, melhor para nós que podemos ajudar mais projectos.
Rubber Chicken: Quantas pessoas estão na vossa equipa e qual é o vosso processo de trabalho?
Alex Lee: Nós somos cerca de 20 pessoas e todos trabalhamos com as equipas individuais que estão a fazer os jogos. Cada um de nós tenta representar títulos da melhor forma que consegue e não há uma fórmula única ou mágica para fazer isto.
Cada equipa de desenvolvimento tem a sua forma diferente de trabalhar e nós apoiamos e fomentamos isso, tentando ajudar onde precisam de nós. Isto pode ser de várias formas como suporte para a criação de assets, controlo de qualidade, localização, sonoplastia ou até mesmo ajuda no desenho de jogo caso nos solicitem. A Sony tem um grande número de recursos disponíveis e tentamos fazer o casamento deles com as necessidades particulares de cada criador e de cada projecto.
Rubber Chicken: Qual é a maior ajuda que vocês acham que dão aos criadores? Richard Hoggs (criador de Hohokum) disse-nos por exemplo que era um processo quase de gestação, de acompanhamento de um filho, e que muitas vezes eram vocês próprios que os incentivavam a arriscar mais.
Alex Lee: Como eu disse, nós tentamos identificar onde podemos ser necessários e não forçar a nossa ajuda em todo o processo. Uma equipa de dois criadores pode por exemplo não ter capacidade de acesso a coisas como controlo de qualidade ou produção musical. Mas pode ter total capacidade de criação narrativa ou de mecânicas, e nesses casos a nossa equipa não intervém. Outras vezes quando um criador tem medo de estar a ser demasiado arriscado nós incentivamos esse risco e ele acaba por se sentir mais seguro na tentativa de inovar.
Rubber Chicken: Ainda faz sentido falar de indies actualmente? É uma definição baseada em capacidade financeira ou é mais que isso?
Alex Lee: O grupo ao qual pertenço pode não ser considerado indie. Como first party estamos a suportar as equipas a um ponto em que as pessoas já se questionam se ainda é indie. O ponto chave é que estamos a possibilitar a equipa e não a tentar forçar as nossas práticas na mesma. Não estamos a torná-los empregados da Sony. Estamos é a tentar dar poder às suas ideias e visão especial e a ajudá-los a entregar aos jogadores o que eles pretendem criar com essa etiqueta indie. A ideia original mantém-se intacta ao longo de todo o processo, e isso também é o que define um projecto indie.
Rubber Chicken: Por último, podem partilhar connosco alguma história favorita surgida nestas relações?
Alex Lee: Nós adoramos ver as pessoas a conseguirem alcançar a sua ambição e a criarem finalmente as coisas nas quais estavam a trabalhar há muito tempo. Eu tenho gostado especialmente de ver jogos feitos por pessoas que eu conhecia na indústria dos AAA e que decidiram trabalhar sozinhas na sua paixão. Não há nada melhor do que ver estes títulos lançados nas nossas plataformas ou com um trailer numa das nossas grandes conferência e saber que ajudámos o jogo a chegar ali. Comentários como o do Richard de sermos quase maternais são muito recompensadores para nós.
Rubber Chicken: Alex, obrigado pelo seu tempo e continuem o bom trabalho. Vocês tiveram um criador com lágrimas nos olhos no vosso evento enquanto vos agradecia o processo de suporte (Shadow of the Beast), e isso é algo que não se consegue num comunicado de imprensa ou numa mensagem pré-formatada pelo marketing, por isso vocês devem estar a fazer algo muito bem feito. Parabéns e mais uma vez obrigado.