Bola no pé, dragão no ar

Já que eu e o Cristiano Ronaldo temos a mesma idade (ele é menos de 1 mês mais velho que eu) acredito piamente que as imagens épicas do Captain Tsubasa nas manhãs da RTP2 nos tenham influenciado, ainda que de formas distintas. A ele, pela perseverança e empenho que o protagonista demonstrou em toda a série na senda de se tornar o melhor jogador de futebol do Mundo, e a mim pela percepção de que ser escolhido depois das raparigas em qualquer jogo em que participasse era sinal de que me deveria dedicar a qualquer outra coisa, de preferência algo em que a minha subsistência não estivesse intimamente ligada com pontapear objectos esféricos para dentro de balizas.

A realidade é que esta influência exercida pela série de manga de Yōichi Takahashi – e em especial a sua adaptação e difusão em formato anime – acabou por ser o grande bastião mundial de séries relacionadas com o desporto e, tendo o seu auge de sucesso no final dos anos 80: a transposição do franchise para os videojogos foi o caminho expectável a prosseguir. Contrariando os jogos de futebol típicos, Captain Tsubasa para NES afirmava-se como um Sport-RPG, em que sequências de “combate” por turnos surgiam quando dois jogadores se cruzavam, o que demonstra, como veremos, que a inspiração nos jogos (e no conceito do manga de Tsubasa) é a grande base desta série de sucesso da Level-5.

O empate significa derrota. Game Over. Kaput!

O empate significa derrota. Game Over. Kaput!

 

Este Inazuma Eleven 3 foi o primeiro contacto que tive com a série. Até então pouco ou nada conhecia desta revitalização do interesse nipónico na temática do futebol, mas cedo percebi que o sucesso da série nas suas 3 frentes (manga, anime e videojogos) é unânime. Ao contrário do que estamos habituados, o protagonista não é um super ponta-de-lança que consegue marcar golos com remates em chamas, mas sim um guarda-redes chamado Mark Evans (Endou Mamoru no original) e que dispõe de habilidades quasi-divinas de utilizar a “Mão de Deus” (boa piada caros argumentistas da Level-5) para defender quase todos os remates à sua baliza.

Há-que perceber a priori que todo o exagero a que Tsubasa nos habituou assemelha-se ao realismo de uma transmissão em directo da SporTV quando comparado com o que os rapazes (e raparigas) de Inazuma Eleven conseguem fazer. Desde remates que transformam a bola em Dragões em chamas, a guarda-redes que invocam pequenas singularidades para atrair as bolas rematadas para a nulificação da força da gravidades, até defesas centrais que invocam paredes de rocha em todo o comprimento da sua baliza. Não querendo entrar em discussões se qualquer destas habilidades questiona as leis do futebol, porque nunca se sabe em que apito dourado sopra o juiz da partida, a realidade é que esta aura over-the-top the Inazuma Eleven faz-nos esboçar um sorriso pelo extremismo dos seus exageros.

InazumaEleven3

Totalmente justo. E dentro das leis do futebol!

 

Sendo um (quase) típico J-RPG é comum que grande parte do jogo envolva exploração, aquisição de equipamento e livros de movimentos, leveling up, centenas de interacções com NPCs (muitas delas para nada) e claro, combates aleatórios. Mas a particularidade destes combates aleatórios, ao contrário dos jogos ditos grandes, em que controlamos uma equipa de 11, é que com apenas os 4 elementos com que estamos a explorar os mapas é que entramos em “combate” (leia-se jogo). Conceptualmente estes encontros aleatórios não são mais do que grupos de 4 rapazes e raparigas que nos encontram no meio da rua e nos desafiam para um jogo, cujas regras de vitória oscilam entre ser o primeiro a marcar golo até não perder a posse de bola durante 15 segundos. O caricato da situação é imaginarmos pequenos gangues de jogadores de futebol de rua a abordarem pessoas aleatórias para desafios de bola rápidos. E ou aceitam ou…vai haver chatice.

E dizem que em Tsubasa os jogadores se moviam a 180 Km/h. Amadores!

E dizem que em Tsubasa os jogadores se moviam a 180 Km/h. Amadores!

 

Os jogos de futebol e as mecânicas associadas são o ponto fulcral deste Inazuma Eleven. Aliás, é possível que quase toda a gente que contacta com o jogo e que ultrapassa a estranheza inicial da jogabilidade (seja em exploração ou em partida de futebol, todos os movimentos são controlados através da caneta da 3DS) acabe por ficar viciada nos jogos de futebol de 11. Até porque em geral, nos jogos inseridos no modo história, temos quase sempre de dar a volta a um resultado negativo, ou seja, em cut-scene nos minutos iniciais costumamos sofrer 1 ou 2 golos, pelo que teremos de dar “corda aos sapatos” para recuperar.

À semelhança do velhinho Captain Tsubasa que lhe deu inspiração nas mecânicas, também em Inazuma Eleven a partida decorre em tempo “corrido” até que dois jogadores de equipas opostas se cruzem. Aí, ao bom estilo de RPG por turnos, temos sempre 2 possibilidades: a de fintar ou carregar se tivermos a bola; fazer um carrinho ou uma carga de ombro se formos os defensores; a de rematar em linha ou fazer chapéu se estivermos a atacar a grande área adversária; e de socar ou agarrar a bola se formos o guarda-redes. A terceira hipótese é a utilização de um movimento especial que gasta energia, ou no caso Technical Points. Esgotada esta barra o jogador não poderá fazer mais ataques especiais.

Uma das questões curiosas da mecânica deste Inazuma é que quase todas as interacções se cingem a fazermos bluff do adversário, ou seja, tendo em conta o número limitado de vezes que podemos utilizar ataques especiais, o que queremos fazer é obrigar o adversário a usar os seus TPs em situações inócuas. Claro que o caso muda de figura quando estamos à baliza: só conseguimos parar remates especiais com defesas especiais, e por isso temos de perceber quando é a melhor altura para utilizá-los, sob risco de ficarmos exauridos. Outra gestão importante a fazer durante os jogos é a condição física dos jogadores. Se correrem excessivamente entrarão em fadiga e arrastar-se-ão pelo campo. O que os penaliza no confronto directo com os adversários, visto que a cada interacção entre jogadores rivais existe um cálculo de quem ficará com a bola mediante a oposição de estatísticas (tal qual o típico RPG, em que valores de ataque e defesa são opostos para calcular quem “vence o duelo”) e o elemento natural dos jogadores (num sistema de forças e fraquezas muito semelhante ao de Pokémon por exemplo). A movimentação da nossa equipa em campo depende muito de linhas que traçamos e que permitem aos nossos jogadores anteciparem-se para recepções de bola, desmarcarem-se ou interceptarem passes dos adversários. Por breves instantes é possível sentirmos que somos uma espécie de José Mourinho das consolas portáteis.

O grande senão deste Inazuma Eleven acaba por ser a história. A narrativa, apesar de simples (fazemos parte da selecção japonesa de Iniciados no Campeonato do Mundo) é estendida com pequenas narrativas paralelas que acabam por atrasar o ritmo do próprio jogo. Quase todos os diálogos e interpretações (desde a construção dos personagens ao voice acting) são exagerados, e sobrevalorizados perante os elementos narrativos. Isso, e num tom mais pessoal, a reticência que tenho com as localizações de jogos. Desde a adaptação dos nomes dos personagens japoneses para nomes anglófonos, até à pronúncia exageradamente British dos jogadores de Raimon, que compõe Inazuma National, a selecção japonesa, e que quebra por completo a suspensão da descrença, especialmente quando os personagens se cruzam com a selecção Britânica.

A equilibrar a narrativa over-the-top estão as cut-scenes que são todas em anime (talvez retiradas da própria série?) e que nos relembram a imensa qualidade visual que a Level-5 nos habituou.

 

O melhor: a longevidade do jogo; as mecânicas viciantes de combate/jogo de futebol; o exagero cliché com laivos de Dragonball que vemos em campo; as cenas animadas.

O pior: o aborrecimento da narrativa e consequentes quebras de ritmo; a ocidentalização (excessiva) do jogo.

Inazuma Eleven é daqueles casos em que a nossa experiência com o jogo vai crescendo paralelamente à vontade de o jogar. O entusiasmo com que abraçamos cada equipa rival e o empenho demonstrado em combater ataques que de forma realista destruiriam estádios inteiros, mas que são o prato forte deste mundo e nos fazem acreditar que este Tsubasa meets Dragonball meets Shaolin Soccer é credível e viciante o suficiente para nos agarrar por 3 ou 4 dezenas de horas. Apesar da história simples e com momentos de fazer lembrar momentos de overracting de novelas portuguesas dos anos 80, Inazuma Eleven traz-nos uma volta curiosa ao modelo de RPG por turnos com esta “máscara” de futebol executada na perfeição.

 

reviewscore75

Sobre as análises e sistema de classificação

(Inazuma Eleven 3 é um exclusivo Nintendo 3DS)