Fantasmas do passado
Há muitos anos atrás, enquanto jogava Medal of Honor: Allied Assault, tive uma epifania: a melhor forma de trazer ainda mais envolvência a excelente experiência que estou a ter, seria criar toda uma estrutura visual e auditiva em torno da acção do jogo. Mais efeitos sonoros, destruição, balas a raspar-me nos ouvidos, explosões junto de mim, mas de forma a que não afectem significativamente a jogabilidade; Só estão lá, mesmo para nos envolver em toda a acção. Agora que a tecnologia nos permite fazer isso mesmo, vejo o quão estava errado.
Call of Duty: Ghosts traz-nos mais de tudo. Uma campanha recheada de momentos de acção mirabolantes e recambolescos, mais modos multijogador, uma reconstrução do sistema de inventário “pick 10” do seu antecessor, mais perks, mais armas, um novo modo de esquadrões, customização de personagens e até Extraterrestres. Mas o que tiramos de toda esta “variedade” é uma re-utilização de tudo aquilo que já foi feito anteriormente, e não de forma especialmente brilhante. Ghosts tem como principal inimigo não o shooter da concorrência, mas a sua própria linhagem.
O modo singleplayer de Call of Duty: Ghosts é uma sombra do que a série outrora foi, muito por culpa da reduzida dificuldade, AI dos NPCs básica, e uma estrutura de progressão em que grande parte das vezes não é necessário disparar uma única bala para avançar. O velhinho Call of Duty 2 introduziu uma forma de progressão no terreno inovadora, a de avançar lentamente até determinado ponto do mapa de jogo sob fogo constante por parte dos inimigos. Quando outrora o clássico sistema de FPS era usado (ambiente complexo – eliminação de X inimigos – simplificação do ambiente – progressão), Call of Duty tornou esta progressão muito mais estratégica e intensa, com inimigos que não paravam de surgir, obrigando o jogador a lutar por cada pedaço de terreno.
Em Ghosts, este sistema é disfuncional, pelo menos em dificuldade padrão. Se em Black Ops II podíamos correr desenfreadamente até que o checkpoint fosse activado fazendo desaparecer os inimigos, em Ghosts podemos esperar até que os nossos NPCs façam o trabalho por nós. Especialmente nas secções em que usamos uma metralhadora montada num veículo controlado por IA, em que simplesmente podemos pousar o comando e esperar até ganhar. Poucas vezes sentimos a satisfação de progredir num campo de batalha, ou a liberdade de “jogar” o cenário e escolher a forma como abordamos os desafios. Ghosts tem a tendência em nos colocar ao controlo de artilharia pesada, jogando ao tiro-ao-alvo, ou em secções de tiroteio corriqueiras.
Com tanta acção e situações maiores que a vida que o jogo nos oferece, (incluindo batalhas de fogo debaixo de água, ou no vácuo do espaço), nunca a história passa de um exercício de futilidade. Saímos do bicho papão comunista, para o invasor hispânico saltador de fronteiras. Os “maus” são sul-americanos e destroem o mundo branco anglo-saxão protestante, não passando de uma casca vazia onde são depositados todas as motivações para o jogador progredir na estória. Mais estranho ainda, é o facto de todo o mundo parecer vazio de gente. Temos os tropas bons, e os tropas de cor mais escura que são maus. Os Ghosts vivem num mundo destruído, mas têm energia e recursos para dispor de armamento de alto gabarito, incluindo vaivéns espaciais.
E temos Riley, o cão. Usado como porta-estandarte do jogo, pela sua importância enquanto personagem com o qual o jogador iria estabelecer laços emocionais, tem em Ghosts uma contribuição muito ténue. É sub-utilizado e a sensação com que ficamos no fim é que ser um cão, um ouriço-cacheiro ou uma bola de voleibol com coentros a fazer de cabelo, ia dar ao mesmo.
Ao quilo é mais barato
O novo título da série cimenta a tendência que se tem vindo a estabelecer desde que a Treyarch começou a desenvolver títulos, a de criar duas linhas de jogo com diferenças significativas. Essas diferenças são mais evidentes na porção multiplayer de Ghosts, que oferece uma experiência multijogador que é inferior a Black Ops II. Se houve coisa que a Treyarch fez, foi trazer novo folgo às sessões de tiroteio online. Black Ops II surpreendeu com um novo sistema de inventário, scorestreaks e mapas de estrutura bastante funcional, com alguma variedade em termos de dimensão e desenhados de forma cuidada. Até no modo Zombies, foi clara a tentativa do estúdio em arriscar mais um pouco e trazer variedade. Call of Duty: Ghosts deita a perder muitos dos trunfos do seu antecessor. À superfície, parece trazer muito mais variedade à formula, com a inclusão de personagens customizaveis, uma incrível quantidade de perks e equipamento, um sistema de desbloqueamento de itens através de pontos, e novos modos de jogo. Mas a realidade é que , apesar de todo este conteúdo, nunca perdemos a sensação de estarmos a fazer essencialmente o mesmo que anteriormente, mas agora de forma bem mais confusa e deselegante.
O melhor exemplo é a criação de personagens, que procura trazer idiossincrasia à experiência de jogo, mas que falha redondamente em o fazer. Isto porque Ghosts é um jogo na primeira pessoa, e a única forma de realmente vermos o nosso personagem é nos menus, ou retorcido no ecrã de morte. Podemos ter o soldado mais aprimorado lá do bairro, que o resultado final em termos de satisfação pessoal, é o mesmo. Pelo contrário, os emblemas personalizados de Black Ops conseguiam exactamente o oposto, o de trazer tremenda satisfação por usarmos uma arma com as nossas cores, com o nosso símbolo. Era a nossa arma. Esta opção deixou de existir em Ghosts, bem como o League Play.
O sistema “pick ten” e os scorestreaks foram as melhores adições à série desde os modos de jogo Wager Match. Ghosts mantém o sistema de pacotes especializados de killstreaks, perde os “party modes” e oferece um sistema “pick ten” pouco elegante, e apesar de nos permitir fazer um loadout particular rapidamente, a mecânica de Squad Points obriga a que desbloquear todo o equipamento leve mais tempo. A aparente flexibilidade é na verdade uma forma de nos obrigar a fazer “grind” se queremos ter variedade. Os novos modos de jogo não passam de modos clássicos apaparicados sem real inovação, o que é visível pela distribuição de jogadores pelos modos clássicos TM, Domination e Kill Confirmed.
Em vias de Extinção
A surpresa chega-nos no modo de jogo original introduzido em Ghosts. Extinction é existencialmente um modo de hordas com objectivos, em que a nossa equipa necessita de progredir pelo mapa, enfrentando ondas de extraterrestres. É talvez a única adição que oferece inovação, e apesar de ser uma variação de Zombies, acaba por conseguir ter personalidade na dinâmica de jogo que oferece. Ganhamos dinheiro ao matar inimigos, que pode ser usado para adquirir armas espalhadas pelo cenário, ou activar armadilhas e usar armamento fixo. O resultado é uma luta pela sobrevivência em que finalmente sentimos a adrenalina e a diversão inerentes ao género, e que mostra que é pela diferença que Call of Duty tem de arriscar para não cair na banalidade. O pior, é a curta duração deste modo Extinction, mas que será certamente aumentada com os deliciosos pacotes de expansão que se avizinham. Apesar de ser a centelha de qualidade em Ghosts, não é suficiente para justificar o investimento.
O melhor: o modo Extinction.
O pior: a campanha; a reciclagem de conteúdo nos modos multijogador; desaproveitamento de alguns sistemas de jogo implementados em Black Ops II.
Call of Duty Ghosts recicla os sistema de jogo que já conhecemos, e oferece uma falsa variedade. A campanha é fraca, continuando a degradação em termos de força narrativa e experiência de jogo que a série outrora teve, e que se começou a perder em Modern Warfare 2. É preciso arriscar, e Ghosts pouco faz nesse sentido, com uma ressalva para o modo Extinction que oferece uma centelha de entusiasmo numa experiência de jogo que, com tanto a acontecer, nunca consegue dar um passo em frente. Se há coisa que começa a ser clara ao longo dos anos de Call of Duty, e com a saída dos criadores da série, é que as nossas esperanças devem estar junto da Treyarch. Ter uma série nas mãos de uma equipa de desenvolvimento sólida é preferível do que dividida em três partes, e este estúdio foi o responsável pelas injecções de inovação e risco, mesmo que que possa não ter sido bem sucedido ao nível da campanha. Ghosts é um fantasma do que a série outrora foi. Para o ano há mais.
Análise da versão Playstation 3.