O meu sistema digestivo relembrava-me a cada instante da privação de comida a que tem sido submetido. Consequências da azáfama de cobrir um evento que não dorme. Ainda a ignorar o meu medo profundo de aviões sento-me ao comando da aeronave, com a consola de controlo à minha frente. Há algo em toda a situação que me fez sentir um Ted Striker do filme “Airplane!”, muito provavelmente a minha sensação de estar a suar em bica enquanto segurava o manche e olhava para a pista número 3 do Aeroporto da Portela.

airsim1_Meo xlparty

 

Enquanto ouvia o motor no nariz da aeronave a arrancar recebia as indicações do instrutor, sentado de forma confiante no banco do co-piloto. Apesar da calma dele eu sabia que ia despenhar o ligeiro CESSNA (avião de passageiros), e a probabilidade de o fazer ainda no início da viagem trouxe-me à memória que esse início é sobrevoar Camarate. Coloquei os pés nos pedais e foi aí que os meus automatismos de condutor de automóvel deflagraram: tentei carregar no acelerador mas a lógica de um avião é completamente diferente. A aceleração é feita manualmente e os pedais servem para direccionar o avião, tal como um volante num automóvel. E enquanto o meu cérebro apreendia isto o instrutor acelerou o avião e desengatou o travão de mão, e lá íamos nós, pela pista 3 da Portela –  um corredor que parecia infinito e inversamente proporcional ao meu pavor. Atingidos os 60 nós de velocidade lá puxei para mim as mãos tensas que seguravam o manche e o nariz do avião levantou: estava a sobrevoar Camarate, com os grandes subúrbios de Loures a ficarem cada vez mais pequenos com a elevação em altitude. Olhava por todo o cockpit: todos aqueles instrumentos e parafernália faziam-me lembrar o primeiro contacto com o interface de um MMORPG, ou seja, não tinha mesmo ideia do que fazia o quê.

A ideia deste baptismo de voo era simples: sobrevoar Almada e voltar para trás para aterrar. Há um sentido de presença num universo sandbox quando podemos pilotar um avião: podemos ir aonde nos apetecer, e fazer o que nos aprouver, o que inclui, em extremo, manobras ilegais. Tais como voar por baixo da Ponte 25 de Abril. É aquela vontade que nos sobrepuja, igual à que temos quando pisamos as terras de Tamriel pela primeira vez: a ilegalidade de bater num guarda é rapidamente ignorada em detrimento da vontade de o fazer. Voar por baixo da Ponte e imaginar-nos a pilotar um Spitfire desviando-se de saraivadas de balas de Focke-Wulfs é uma extrapolação simples e rápida de fazer. Mas a realidade era bem mais simples: segundo o código penal incorria agora sobre a possibilidade de perder a minha licença de voo. O que, pessoalmente, não me faz grande abalo: nunca tive licença de vôo, portanto é verdade: estão a ler um relato que só por si começou numa ilegalidade, levantei um CESSNA da Portela sem estar habilitado para tal.

airsim2_meo xlparty

 

Era então tempo de voltar para trás, e tentar aterrar na Base Aérea do Montijo, onde decerto a Polícia Aérea me esperava, e à minha indisciplina de vôo, que não terminou de vez quando quase colidi com as rodas do CESSNA nos cabos de sustentação da Ponte. Parece mentira, mas é a mais real das verdades. Tanto eu como o instrutor tememos pela integridade do avião, mas parece que a velha máxima que nos diz que “a sorte protege os audazes” se cumpriu (sendo que audazes é muita das vezes sinónimo de corajosamente estúpidos).

Com o Estuário como pano de fundo segui a luz vermelha da pista do Montijo nas trevas da noite Lisboeta. Com o instrutor a relembrar-me da necessidade de me alinhar com a pista, a adrenalina e o entusiasmo de estar a chegar a terra firme fez-me ignorar (erroneamente) a sensibilidade que os pedais têm e a minha pilotagem ad lib quase nos fez despenhar. Chegámos a terra firme literalmente, com a pista ao nosso lado e uma grande nuvem de pó que nos cobria no campo de terra batida que ladeia a pista de aterragem. E lá fora nem Polícias Aéreos, nem vivalma, apenas o silêncio trazido pelo Tejo e pela noite.

…mas acima de tudo, a inexistência de quaisquer repercursões deve-se ao facto de que esta minha aventura se desenrolou no conforto e realismo do simulador de vôo trazido da Flightires para a MEO XL Party pela AirSim. Tendo como base uma série de jogos desenvolvido pela Microsoft, o Flight Simulator, infelizmente abandonado o desenvolvimento de novos jogos pela gigante americana, tem na comunidade de seguidores e desenvolvedores a título pessoal a capacidade de se ir mantendo viva até aos dias de hoje, no qual o simulador de Lisboa é um bom exemplo: uma “expansão” totalmente criada por utilizadores e que simula de forma fidedigna as redondezas aéreas da capital.

airsim3_meo xlparty

 

E é claro que é este tipo de experiência que se espera num evento como a MEO XL Party: a possibilidade de conhecermos algumas tecnologias que nem sempre estão ao de fácil acesso a qualquer um. Um simulador de voo com o realismo e o cuidado de afinação como o que estava exposto é um desses casos. Isso e aliado à paciência do pessoal do AirSim que nos tentam transmitir on-the-fly (trocadilho não intencional) uma série de informações básicas sobre pilotagem, e que mantêm esse ânimo de ensino para pessoas com um nível tão rudimentar quanto o meu: com facilidade identifico as asas, motores e o nariz de um avião, tudo o resto poder-se-ia denominar “rim”, “cartola”, “esfumaçado” e/ou “cadafilizadorportimonal” que eu não saberia se é verdade ou não.

O stand da AirSim/Tireflight foi sem dúvida uma daquelas experiências que vou guardar para sempre e que permite, num evento com a dimensão da Meo XL Party, de mostrar ao público a grande abrangência dos videojogos. E claro, por alguns minutos fazer-nos sentir um Ás da Pilotagem, ainda que num mundo virtual. Toda a extrapolação é da sincera responsabilidade da imaginação.