O fim de uma era
A série Professor Layton é uma improbabilidade estatística. Numa fase em que os FPSs e os jogos de acção representavam grande parte da tranche de mercado das consolas, surge em 2007 (em 2008 no ocidente) Professor Layton and the Curious Village, que não só foi um enorme sucesso de vendas como pareceu reinstaurar a curiosidade e a atenção sobre os jogos de aventura e de puzzles. Este foi também o primeiro contacto que tive com a série e que de forma surpreendente, me disponibilizou a possibilidade de me sentar depois de um almoço de família, com a minha mulher e os meus sogros, a tentar resolver alguns problemas matemáticos e outros enigmas que tais. Ou, numa viagem de Intercidades até Coimbra com a minha mulher e dois dos nossos amigos, de resolvermos puzzles do Curious Village até que a malfadada luz vermelha de sinal de falta de bateria da Nintendo DS Lite apareceu. Há algo de quebra-cabeças do jornal semanário com o qual crescemos em Professor Layton. Por entre os mistérios já conhecidos, ou desafios de raciocínio com os quais já nos tínhamos cruzados durante a nossa vida, mas apresentado de uma forma única, como talvez só a Level 5 sabe fazer na actualidade.
Muito antes da qualidade dos puzzles ou da envolvência da narrativa, aquilo que mais me fascinou foi o visual que compõe toda a série. Apesar de ser nipónico, Professor Layton transpira a animação do realizador Sylvain Chomet e a cultura franco-belga, tentando simultaneamente representar uma sociedade e um elenco britânicos. Deste choque cultural nasceu uma das séries de maior sucesso e que tem também em Portugal, dos mais novos aos mais velhos, uma verdadeira legião de apoio.
Professor Layton and the Azran Legacy é o sexto jogo da série, o segundo para a 3DS, o último da segunda trilogia e, segundo Akihiro Hino, o último a ter o amado Professor como protagonista. Esta segunda trilogia (cronologicamente anterior à primeira) acaba por revelar grande parte da história de Layton, Emmy e Luke, e é neste Azran Legacy que quase todas as pontas soltas e mistérios sobre alguns personagens (o próprio Hershel Layton, inclusivamente) são revelados. Ao contrário do feeling que os restantes jogos me trouxeram, que evidenciaram claramente a sua componente puzzle game, ser-me-á fácil admitir que senti este culminar da história mais como uma visual novel do que um puzzle game. Talvez porque o próprio enredo se tenha adensado de tal forma que o meu enfoque enquanto jogador foi girando desde o primeiro ao sexto jogo da série: se de início eu estive a jogar um puzzle game e a considerar que a narrativa, apesar de muito boa, preenchia os espaços intermédios dos enigmas, em Azran Legacy os desafios são embebidos de forma mais fluída dentro da própria narrativa, o que nos permite entendê-los como parte integrante da história e não como pequenos interlúdios que cortam o ritmo da acção.
A Level 5 continua a brindar-nos com sequências de animação exímias que em nada ficam a dever à longa-metragem Professor Layton and the Eternal Diva de 2009, que se enquadra narrativamente dentro da trilogia encerrada por este Azran Legacy.
A magnífica utilização do ecrã estereoscópico da consola faz-nos ficar parados por momentos quando mudamos de cenário, e perceber os pequenos pormenores que vão compondo as cenas, desde momentos improváveis (tão típicos da série) a pequenos apontamentos de verdadeira beleza conceptual, e que vão abrilhantando um jogo que dispõe de uma miríade de paisagens distintas umas das outras. Porque ao contrário de outros jogos da série, em Azran Legacy passamos 75% do jogo em que temos diversas localizações para viajar, e podemos fazê-lo livremente e pela ordem que melhor nos aprouver. É esta sensação de total liberdade que quebra a rotina dos restantes Professor Layton: somos nós que definimos a cadência do jogo na obtenção do bem-maior narrativo, e que construímos assim, uma experiência sequencial mais pessoal.
O ambiente que se vai vivendo ao longo da história está emotivamente carregado. Há sempre algo que nos dá o indício de que se trata de um adeus de alguma forma, de uma despedida, do encerrar de um ciclo. A imersão emocional que as relações com os restantes personagens, as revelações sobre os seus passados e os twists que vai desenrolando a história acabam por fazer-nos mergulhar como poucos jogos da série o fizeram: em que de alguma forma relegamos o grande mistério que define o diâmetro total do jogo em prol do desenvolvimento relacional entre os personagens.
Os puzzles continuam a existir, mas grande parte dos 150 que compõem o jogo têm um teor diferente dos primeiros jogos da série. Muitos dos puzzles são pequenos mini-jogos semelhante às experiências de Mario and Donkey Kong: Minis on the Move, até puzzles de interacções de abordagens diversas. O que me pareceu, porém, é que a dificuldade média dos 150 puzzles estava abaixo de alguns jogos da série, que apesar de não serem fáceis por si mesmos, revelam uma exigência inferior a que estamos habituados.
Como é já habitual, para além do jogo principal temos também três minijogos que vamos desbloqueando à medida que avançamos no jogo, dos quais Nut Roller (em que conduzimos um esquilo a empurrar a sua noz) e Blooms & Shrooms (nos quais temos de resolver puzzles de colocação de plantas em grelha) e Dress Up (um Quem-é-Quem prêt-a-porter, menos interessante que os outros 2 minijogos).
Ainda que a história de Azran Legacy cresça em nós à medida que as horas de jogo vão passando, a realidade é que ainda dei por mim, de 3DS na mão, a rodear-me da minha mulher os meus sogros para resolvermos em conjunto os enigmas mais clássicos. Não o fiz porque os puzzles fossem especialmente difíceis, mas porque Layton, mesmo na sua derradeira aventura, tem este condão aglutinador que não se coaduna com um jogo single player de puzzles, mas que só existe devido ao carácter sui generis da série.
O melhor: a história; a beleza dos cenários e das animações; a qualidade dos cenários e o atar das pontas-soltas dos jogos passados.
O pior: poderá ser um enorme spoiler se não for jogado sequencialmente com os outros jogos; o enredo mais denso pode assustar alguns novos jogadores.
Professor Layton and the Azran Legacy repete a fórmula que norteou toda a série, não querendo, como já era de esperar, de desviar-se de um caminho simples e tão bem-trilhado até agora. É acima de tudo uma belíssima forma do Professor Hershel Layton se despedir do protagonismo dos videojogos. Num momento em que já existem pequenas revelações sobre o projecto intitulado apenas de Layton 7, e que poderá enfileirar a série para um caminho de mistura entre o RPG isométrico e os puzzles do mestre Akira Tago. Temos portanto um belíssimo capítulo de encerramento, ficando, no final da história e depois de 6 jogos e um filme, com um enorme nó na garganta que custa a desaparecer. E como um cavalheiro sabe sempre quando se retirar, nota-se que Layton o soube fazer, com toda a elegância britânica que o compõe e sair pela porta grande. Não sai sem deixar-nos o enorme peso das saudades.
Até sempre Professor!
Sobre as análises e sistema de classificação
Nota: A não referência a qualquer elemento do próprio enredo é propositado: convenhamos que qualquer pequena revelação ou aprofundamento de pequenos pormenores da história, arruínariam o que de melhor há para experienciar no jogo.
Professor Layton and the Azran Legacy é um exclusivo 3DS
Comments (1)
[…] Professor Layton and the Azran Legacy […]