3 dias, 3 reflexões sobre a Nintendo
O mundo ocidental vive uma febre da necessidade do pânico semanal. De semana para semana temos de ter um caso mediático que nos entretenha (nós: media, e público) que faça correr quilómetros de caracteres em blogues, sites, jornais, caixas de comentários, tweets, telegramas, faxes , pombos correio e sinais de fumo. Portugal não escapa a essa febre, apesar da nossa conhecida cusquice e maledicência (que tanto nos ajudaram historicamente) permite-nos alimentar 2 ou mais assuntos mediáticos em simultâneo, em que as redes sociais se transformam em trincheiras onde o utilizador mais (des)ocupado vai esgrimindo os seus argumentos ao vento.
Na semana passada foram as praxes que nos encheram os olhos e ouvidos e aumentaram as partilhas de textos de blogues pró e contra a tradição académico. Mas os jornalistas de videojogos (e restante comunidade) tinham mais com que se entreter: “a Nintendo vai deixar de produzir consolas”!
Assim apregoaram os mensageiros do caos e os arautos da desgraça, empolando as hostes em troco de cliques nos seus sites, enquanto o Armagedão acontecia nas sequências de comentários em resposta a estes artigos, e os grupos especializados no Facebook e Twitter faziam esquecer a Guerra dos Cem Anos entre a Xbox One e a PS4, e olhavam agora para a Wii U. Esta sim, qual Judas Iscariotes apresentava-se como a grande fraqueza e traição comercial da gigante nipónica. Começando é claro, por relembrar o caso da Sega e do grande prego no seu caixão, denominado de Dreamcast. A diferença entre o caso da Nintendo e o da Sega não poderia ser historicamente (e financeiramente) mais díspar. Por um lado relembremos que a Dreamcast foi a sucessora de um consola que foi um tremendo rombo e uma desilusão de vendas para a companhia (a Sega Saturn), que por sua vez, foi a sucessora da consola de maior sucesso da Sega (a Mega-Drive). Passámos portanto em 1993, onde o lucro da empresa rondou os 28,017M¥, descendo a pique até 1997, último ano em que deu lucro, até 2001, onde teve um rombo de cerca de -51,750M¥. A Wii U por seu lado sucede à consola doméstica de maior sucesso de sempre da companhia nipónica e também à portátil mais vendida da história das consolas, a Nintendo DS, e que é a segunda consola mais vendida de sempre, ultrapassada apenas em 1M de vendas pela Playstation 2. Consolidando as vendas da Nintendo nesta corrente geração temos também a 3DS, que está a ser um sucesso de vendas (cerca de 43M de unidades vendidas até hoje, quase 11 vezes mais que a sua opositora).
A base de solidez dos IPs de uma e outra companhia são também incomparáveis. Mario é o franchise mais rentável da história dos videojogos com quase 500M de jogos vendidos (excluindo Mario Kart, Mario Sports e Mario Party que constam isoladamente do top de frachises de maior sucesso). No top de franchises com maior número de unidades vendidas contamos com diversos IPs da Nintendo, que incluem The Legend of Zelda, Pokémon, Kirby e Super Smash Bros. Neste top, à data da decisão da Sega de terminar a construção de consolas apenas constava o Sonic, isoladamente a representar a nossa velha amiga de infância japonesa, de forma tímida, num pódio de multimilionários.
Outra consideração curiosa de observarmos na lista de jogos mais vendidos de sempre é que do top 10, os 4 lugares cimeiros são exclusivos Nintendo, e desses 10, 8 são IPs da mesma companhia. Da mesma forma, no ano transacto, se observarmos o top 10 de vendas de videojogos encontramos 3 exclusivos da Nintendo: Pokémon X & Y, Animal Crossing: New Leaf e Monster Hunter IV (lançado apenas no Japão).
Qualquer um de nós com alguma atenção duvidaria das palavras dos fatalistas e populistas da comunicação. Sendo óbvio que a Wii U não atingiu as expectativas de vendas, seria uma perfeita imbecilidade considerar que o ano económico da Nintendo foi um total flop, e que a Hecatombe se abateria sobre a direcção da companhia, com accionistas a desejar a cabeça de Iwata e respectivo séquito, e a anunciação repentina que o destino da Nintendo era semelhante ao da Sega, ou pior: ser renegada a construções exclusivas para o mercado mobile. Pokémon X & Y vendeu nas primeiras horas de lançamento 4M de exemplares, o que só por si iguala o número de vendas da PS Vita (lançada em 2011), sendo que até hoje dia 29, o jogo já vendeu quase 12M de exemplares.
Quase como análise sociológica, a observação dos argumentos de alguns dos defensores de teses apocalípticas sobre a Nintendo esclareceu-me na perfeição a grande falácia que parte da comunidade incorre quando reflecte sobre o posicionamento da companhia. O maior de todos é o da desactualização, argumento que partilho em parte. Concordo na íntegra que a Nintendo não se actualizou para os tempos actuais no que diz respeito a serviços online. Quase todos os aspectos que envolvem serviços de internet na 3DS e na Wii U são perfeitas viagens na TARDIS que nos transportam para 2005 no advento de serviços semelhantes. Mas argumentar que esta desactualização se centra na falta de poder tecnológico e/ou gráfico é um perfeito fait divers. As companhias têm posicionamentos diferentes, e quer se queira, quer não, o público-alvo da Nintendo NÃO É o mesmo da Sony e Microsoft. Por alguma tentativa (falhada por sinal, e errada conceptualmente na minha opinião) de tentar conquistar esse segmento de mercado pela parte da Wii U, a realidade é que quem adquire consolas da empresa nipónica não é o tipo de jogadores que joga GT, PES, FIFA, CoD ou Battlefield. Quem compra consolas da Nintendo é porque quer jogar os seus IPs exclusivos, quer conhecer inovações (às quais historicamente a companhia nos foi habituando) e novas ideias em torno de personagens que conhecemos como amigos de escola de velha data. Como dizia um jornalista sobre este assunto, e de forma clarividente, considero eu, quem compra consolas da Nintendo quer mais do que tudo divertir-se, da forma mais pura e simples que existe. Os gráficos são secundários, e nunca se sobrepõem à experiência de jogabilidade. Mas ainda nesse ponto gostaria de ver a primeira pessoa que é capaz de dizer que o Super Mario 3D World para a Wii U não é perfeitamente estonteante?
Também eu, com o poder concedido pela taróloga Maya e pelo Oráculo de Bellini farei uma previsão para o futuro. A Wii U não vai vender mais de 20M de unidades em toda a sua vida, e terá os seus picos de vendas com o lançamento do sucessor de Super Mario Galaxy e com o novo Zelda. Não venderá mais por várias razões: por um lado, grande parte do público alvo da Wii U ainda acredita que esta não é mais do que um add on à sua Wii lá de casa; porque potencialmente reservará alguns dos seus IPs para uma futura geração e finalmente, porque acredito que em 3-4 anos passará as atenções para uma nova consola doméstica. A 3DS atingirá pelo menos 100M de vendas em toda a sua vida e será a grande rede de segurança da Nintendo para suportar o impacto (potencialmente negativo) do rácio da Wii U em investimento versus retorno, tal como o foi a NDS em relação ao buraco criado pela Gamecube.
É caso para dizer, tal qual Mark Twain para o New York Journal “The report of my death was an exaggeration”. É claro que a postura publicada hoje por Iwata de cortar o seu salário para metade demonstra o desconforto que o painel de accionistas deve ter sobre o incumprimento das expectativas em relação às vendas da Wii U. O mundo dos negócios é mesmo assim, nem sempre as previsões são acertadas (a menos que consultado o Professor Karamba), mas penso que se todas as empresas tivessem o pé-de-meia da Nintendo que isto era uma espécie de utopia mercantil. Pela análise de receitas de 2013 parece-me que há empresas muito mais na corda-bamba que a casa do Mario e do Luigi.
É caso para recusar o Euromilhões e receber se possível o equivalente ao “grande buraco financeiro” que aparentemente constitui a Nintendo. Era um homem feliz com uma conta bancária equivalente. Ora façam-me lá esse favor!