No dia 12 de Janeiro de 1971 estreava no canal americano CBS uma série que faria história na ficção televisiva. Baseado-se na série da BBC “Till Death do Us Part” a comédia “All in the Family” colocou a América (e depois o resto do mundo) a rir, ao mesmo tempo que lidava com assuntos difíceis que até então não tinham tempo de antena no horário nobre televisivo. Racismo, homossexualidade, a Guerra do Vietnam, aborto, cancro e até a violação eram abordados numa mistura perfeita de comédia e de drama.

AllInTheFamily

 

All in the Family é por muitos considerada uma das melhores séries americanas de sempre e uma das maiores responsável pelo amadurecimento de uma escrita cuidada que passaria a ser a tradição até aos dias de hoje, sempre em crescendo. É também uma das melhores séries de comédia de todos os tempos.

Os videojogos têm um momento “All in the Family” na sua história: as aventuras gráficas da Lucas Arts. Nas criações de Ron Gilbert, Dave Grossman, Steve Purcell ou de Tim Schafer, nasceu uma nova escrita de humor nos videojogos, mais inteligente, mais perspicaz, com uma piada mais amadurecida e certeira sem ser gratuita ou fácil. Se as aventuras da Sierra até então tinham sido as sitcoms humorísticas mais básicas e mais simples na forma previsível de abordar a piada, a Lucas Arts deu o passo seguinte na procura de uma nova complexidade humorística que chegaria ao seu melhor momento com Grim Fandango.

Grim Fandango Club

 

Nos últimos anos o género da aventura gráfica renasceu, com muitos dos títulos a apostarem no humor enquanto outros apostam num amadurecimento das temáticas e em personagens mais adultos e mais densos. Nos jogos que abordam o género humorístico está em todos o mesmo DNA das aventuras como Monkey Island, Day of Tentacle ou Full Throttle. Não existiu um salto qualitativo na escrita recente que seja comparável ao salto evolutivo que a Lucas Arts conseguiu nos anos 90.

No entanto, algo aconteceu o ano passado que representa não uma evolução, mas sim um novo momento único na história. Algo parecido com o que nos anos setenta se passou. Se “All in the Family” está para a ficção de humor como o momento mais perfeito estrutural e tematicamente, outra série está para a ficção de humor como sendo o nirvana do género, diferente de todas as restantes e difícil de comparar com as criações passadas ou futuras: “Monty Python’s Flying Circus”.  Se muitas das séries actuais conseguiram seguir o legado de Archie Bunker e evoluir o género, os seguidores dos criadores britânicos não conseguem igualar a genialidade da consistência de todo o conjunto de sketches dos Python. Desde Ministry of Silly Walks, Dead Parrot, Mrs Premise and Mrs. Conclusion, Fish-slapping Dance, até ao irrepetível jogo de filósofos Germany vs Greece, Flying Circus é uma série que parece um momento único no universo da ficção e que ao mesmo tempo que levou o humor televisivo a um patamar totalmente novo, parece que ao mesmo tempo colocou esse limiar tão alto que se tornou irrepetível.

 

The Stanley Parable é o momento Monty Python da história dos videojogos. Um jogo que não é uma evolução de outros mas sim um momento criativo único, e um que será agora certamente seguido por muitos outros. O famoso mod criado em 2011 a partir do Source Engine da Valve já era a melhor criação de humor nonsense alguma vez conseguida num videojogo. No entanto, a nova versão standalone lançada no ano passado e com muito mais conteúdo é o melhor jogo humorístico alguma vez lançado numa plataforma interactiva.

The Stanley Parable

 

Stanley Parable testa-nos ao longo de todos os momentos levando-nos a testar todos os limites da interactividade. Nunca sabemos o que esperar, mas sabemos que a nossa aventura será sempre diferente. Somos convidados a fazer o contrário do que o jogo nos pede, e o resultado desse convite é fazer-nos pensar sobre o que é o acto de jogar e sobre a forma como temos sido tão formatados pelos Game Designers ao longo destes anos. “Stanley está parado sem fazer nada” – afirma o inesquecível narrador – “Assim não deve morrer. Vamos parar um momento e observar o génio”, ou “Stanley tentou abrir todas as portas que encontrava, pois não era muito bom a tirar conclusões a partir do seu ambiente”, são algumas das muitas pérolas narrativas que nos provocam gargalhadas.

Esta é a maior conquista de Stanley Parable: a gargalhada. A gargalhada é normalmente resultado do absurdo inqualificável. O sorriso e o riso são resultado do bom humor. All in the Family e a Lucas Arts são o riso e o sorriso. The Stanley Parable é a gargalhada.

The Stanley Parable Fetus