Vivemos num mundo predominantemente visual. Embora o ambiente que nos rodeia seja povoado de muitas outras sensações como os sons que nos chegam ao ouvido, o vento que nos despenteia ou calor que nos provoca o suor, a experiência que mais retemos na memória e à qual mais nos agarramos é a experiência visual. Tentem lembrar-se de um cheiro sem o cheirar por exemplo.
Nos videojogos, assim como no cinema, replicamos na cadeira o mesmo comportamento que temos na rua. Concentramo-nos naquilo que as imagens nos mostram e é normalmente sobre elas que nos manifestamos nas conversas de café. O som esteve lá, tão importante como a imagem na criação da experiência, mas a maior percentagem do mesmo passou-nos despercebido. Esteve lá, mas ao mesmo tempo não esteve. Viveu na actividade subconsciente, tão ou mais importante que outras, mas aparentemente escondida.
Em 2011, Richard E Flanagan, estudante de design de jogos na universidade de Montreal, submeteu um jogo seu ao conceituado Independent Games Festival. Para sua grande surpresa, o jogo não só foi seleccionado para a competição de estudantes como acabou mesmo por vencer o grande prémio. A partir daí Richard concentrou-se em continuar o desenvolvimento do jogo, agora como um projecto comercial. Esse jogo lembra-nos que o som existe, ao apresentar um mundo verdadeiramente mágico que outrora tinha sido construído a partir de sons.
“Eu sempre tive um esboço de ideia para o FRACT, por vários anos, mas nunca algo concreto” contou Richard numa entrevista ao Rubber Chicken. “Cheguei a pensar fazer até uma aventura gráfica point-and-click. A única coisa que eu sabia é que queria fazer um jogo sobre música”.
FRACT define-se como um jogo de exploração musical. O mundo de jogo é apresentado na primeira pessoa, e é de uma singularidade e beleza gráfica únicas. O jogo não nos indica constantemente para onde ir e o que fazer. Essa descoberta é parte da experiência de FRACT. “O mundo é enorme.” afirma Flanagan. “E não sei se aquilo que pretendíamos era ser logo tão grande ao início, só que não parou de crescer”.
Este “descontrolo” criativo acabou por definir o universo jogável. O jogo acabou por ser muito maior do que aquilo que o criador imaginou e aos poucos surgiu este enorme conjunto de cenários desfragmentados que nos convidam a serem arranjados para configurar novamente as peças visuais e sonoras que outrora foram.
“Este jogo tem sido uma loucura para desenvolver” desabafa Richard. “Tem sido uma experiência de aprendizagem e acho que nos tornámos tão ambiciosos porque não percebemos bem a dificuldade que tínhamos pela frente. Como resultado tem sido extremamente desafiante, pois tudo é tão vasto; estamos a experimentar muitas coisas novas com o som; e tudo está interligado no mundo de jogo. Para ser sincero, tem levado a equipa um pouco à loucura, por isso é bom que esteja tão perto do fim (risos).”
A dimensão do projecto é ainda mais surpreendente quando percebemos que FRACT é resultado de uma equipa de 3 pessoas. Richard no design e na arte, a sua mulher Quynh como produtora, e Henk Boom na programação. Apenas Richard está a trabalhar a full-time no jogo.
Uma das componentes principais do jogo envolve maquinaria avariada que foi deixada para trás neste universo agora vazio, por quem quer que seja que tenha antes habitado ou criado este mundo. A resolução do arranjo das máquinas é na realidade a resolução de puzzles no jogo, que ao serem resolvidos vão voltando a criar a banda sonora que é o mundo e a dar acesso a novas ferramentas de criação musical, ou seja, de reconfiguração do universo de jogo. Foram estas ideias de mecânicas que entregaram o prémio de estudantes do IGF a FRACT, e Richard assume que este prémio é uma grande ajuda para qualquer jogo.
“Ganhar o IGF trouxe definitivamente algumas oportunidades e uma enorme cobertura por parte da imprensa, algo que é essencial para um jogo indie. Existiu obviamente um pico na popularidade e depois foi perdendo novidade, mas a parte positiva destes prémios é que ainda hoje está sempre alguém a descobrir o jogo porque leu ou viu em algum lado. Ser finalista ou ganhar o IGF é uma grande oportunidade para ter visibilidade. É sempre necessário? Claro que não, mas de certeza que ajuda”.
Richard quer lançar o jogo nos próximos meses e é por essa razão que lançou agora um novo trailer. O jogo está finalizado e estão agora a optimizar o motor para que a experiência seja o mais fluída possível.
E para quem se destina este jogo? “Pode não resultar para toda a gente, mas eu ficaria contente se FRACT fosse para alguém uma estreia ou introdução à exploração musical” confessa Richard. “Gostava que alguém pegasse na experiência que atravessa em FRACT e continuasse a explorar o mundo da música de uma forma diferente, seja a fazerem a sua própria música, a brincarem com novas ferramentas ou apenas a apreciar a música de uma forma diferente.”
Três anos depois, o sonho de Richard está praticamente pronto para ser uma realidade e no final tudo se resume a uma tentativa de não fazer o habitual. “É difícil dizer como as pessoas vão reagir, mas espero que reconheçam que tentámos fazer algo diferente, e apreciem o jogo também por causa disso.”