Motoqueiros do asfalto molhado 

É certo e sabido que aqui no Rubber temos a isenção para jogar a qualquer jogo, ignorando de base questões de género, plataforma ou cor dos olhos. No meu caso, ao pegar neste MotoGP 2013, senti-me a entrar em contacto pela primeira vez com uma abordagem que me tem estado perfeitamente distante desde os tempos do Super Hang On, ou, uma década depois, o Manx TT, apesar de estes estarem assentes em formatos clássicos de jogabilidade de arcada, muito longe da abordagem simulador/realista desta série. Sendo também um total desconhecedor de desportos motorizados, acabei por perceber que MotoGP não só é o franchise desta série de videojogos, mas também o nome do principal campeonato de motas do mundo. Vivendo e aprendendo, já diziam. É portanto, com a postura de um novo jogador da série, desconhecedor do desporto, dos seus competidores, das suas pistas, e em extremo, de qualquer coisa relacionada com motas, que encaro esta análise: uma total tabula rasa, permeável a um admirável Mundo Novo.

Importa saber, por alguma considerações sobre o próprio jogo, que o meu conhecimento sobre motas se remete, unica e exclusivamente, em saber distingui-las de carros. A única vez em que andei de mota, foi numa motorizada Yamaha a uns loucos 40 Km/h, em que o pânico de me sentir completamente desprotegido (mau-hábito de apenas contactar com o habitáculo fechado dos automóveis) quase que potenciou um despiste ao condutor que me levava.

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Dançar o Limbo em cima de mota. Nível de dificuldade: Inferno.

 

E possivelmente perguntam vocês, os leitores, o porquê de ser importante a minha experiência com motas para aproveitar o jogo? Pela simples razão que este é o primeiro jogo da série que a Milestone publica em anos, e que era imperativo, a captação de novos jogadores e eu, sou um. Após ter abandonado a produção da série em 2008 (passando neste período de interregno a criação para a Capcom, que abandonou o franchise em 2011) era vital que o jogo se demonstrasse de fácil acesso a jogadores totalmente desconhecedores da série (ou em extremo, do próprio desporto motorizado), mantendo em simultâneo o desafio e a dificuldade para jogadores experientes. Mas a realidade é que desde a adaptação às mecânicas de condução, passando pela compreensão do desporto (entre aquisições e sponsorships de equipas), até às definições das próprias motas, são tudo factores que rapidamente afastam o mais recente jogador a adentrar o próprio jogo. E não quero soar hipócrita com as minhas afirmações, porque quem lê as minhas análises sabe que um dos pontos ao qual eu dou mais importância é o desafio que cada jogo oferece. E a forma como as empresas lutam contra o receio de frustrar os jogadores, emburrecendo a jogabilidade e a experiência de jogo em detrimento do medo da desistência. Mas MotoGP atinge um patamar diferente: o de ser uma total barreira intransponível a novos jogadores. Se me agrada o desafio (quanto maior, melhor, e maior o entusiasmo que disponho para a própria experiência), também me desagrada de igual forma o desafio mascarado de complexidade de mecânica. A realidade é que a dificuldade inerente a MotoGP prende-se com a sua própria incapacidade de apresentar o jogo, sem qualquer tutorial, suave introdução ao jogo ou um mero olá: qualquer um de nós se tem de ambientar com o que o jogo é pela experimentação empírica.

Não sendo eu na vida real, nem nos videojogos, um às do volante, mas sim um condutor ordeiro e muito cumpridor (com aqueles acessos cívicos de tentar cumprir as regras de trânsito quando jogo GTA) tenho de admitir que nas primeiras 24 horas de contacto com MotoGP 2013 nunca consegui terminar num lugar acima do último. Não fosse a responsabilidade de analisar o jogo e muito provavelmente cederia à tentação de abandonar o jogo após 3 ou 4 horas de pura frustração. Mesmo com os indicadores na pista para nos ajudar a curvar (com demarcações de onde desacelerar e onde travar) muito rapidamente caía ao chão o que me colocava em desvantagem aos outros pilotos. E isto repetia-se em todas as curvas. Aconteceu, numa fase inicial, em que eu não terminava a primeira volta antes de todos os outros terminarem a corrida. Era assim a triste vida de um iniciante das motas.

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Segundo o Código da Estrada as motas devem circular: a) no asfalto b) na relva c) em Azeroth

 

É algo estranho o desnível que existe em termos de customização. Se nos é possível editar imenso pormenores técnicos sobre a mota, antes de cada corrida, para nos adaptarmos ao piso/condições climatéricas, desde amortecedores a pneus (não tendo qualquer informação que não a trazida do conhecimento da vida real para o fazer), a personalização do nosso piloto é quase nula. De que me interessa poder mudar o guiador e os travões, sem ter sequer o conhecimento técnico, se a minha única hipótese de customização do meu piloto remete-se às cores do fato e capacete e ter de utilizar o avatar de um piloto (para mim des) conhecido? O mais provável, é que os jogadores que como eu, pouco percebem de motas, coloquem todas as alterações estruturais da mota antes das corridas na predefinição da sua equipa técnica.

Após alguns dias de jogar incessantemente ao jogo acabei por chegar ao lugar cimeiro, sendo até campeão de Moto 3 (a “3ª divisão” do campeonato) e nas temporadas seguintes fui conseguindo sempre ser campeão e ascendendo nas subsequentes divisões. A partir do momento em que começamos a dominar a mota, sem nunca cair durante as corridas, o desafio acaba por trazer alguma diversão. Os pilotos que dividem o pódio connosco são um desafio constante até ao último segundo da corrida o que incute o espírito competitivo obrigatório neste tipo de jogos.

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Que temporal que aí vem e eu que deixei roupa estendida!

 

Grande problema de todo o modo carreira? A monotonia. E não me refiro a eventuais expectativas de grandes mudanças dentro das corridas, pois isso seria ilógico. Mas sim a gigantesca monotonia entre corridas, a parte mais “social” do nosso piloto. Quando acabamos uma corrida, ou quando começamos uma, temos sempre 2 e-mails no nosso computador: um do RP da equipa que representamos e outro do nosso manager pessoal. Só que após centenas de corridas percebemos que o jogo foi programado com 2 tipologias únicas de e-mail para estas 2 figuras: o caso em que cumprimos o objectivo e o caso em que não cumprimos. O texto é igual, sempre igual, e repete-se à exaustão. Mesmo a luta pessoal de tentar representar outras equipas parece algo vão: sempre que recebemos convites para mudar, acabamos por não ter grandes indicadores do porquê de o fazer. Não esquecer que para um desconhecedor do meio, é difícil identificar quais as equipas de “topo”, ou seja, quem é o Real Madrid ou o Barcelona lá da rua. E facilmente deixamos os e-mails não lidos empilharem, defraudadas que ficaram as expectativas de receber contactos não padronizados.

E já agora, ressalvar, que MotoGP 2013 é dos primeiros jogos que me obrigou a colocar a TV no silêncio e ligar a aparelhagem: durante as corridas o único som que nos acomoanha é o ensurdecedor e infernal VRUUUUUM dos motores. É com alguma tristeza que os meus ouvidos não possam apreciar a melodia orquestral de 18 motas de alta cilindrada a acelararem pelo asfalto.

O melhor: a experiência de simulação bem-afinada; as corridas podem ser bastante desafiantes quando ultrapassada a frustração inicial.

O pior: a monotonia entre corridas; a falta de customização do nosso personagem; a falta de banda-sonora; a dificuldade em penetrar no género/desporto/meio através do jogo.

Para alguém que não conhece o futebol americano, a introdução que qualquer Madden da EA Sports faz é mais que suficiente para servir de cartão de visita de um desporto, de um campeonato e das suas estrelas. MotoGP 2013 circunscreve-se no elitismo que cria barreiras à entrada de novos jogadores ou recém-interessados no género. Apenas um grande conhecedor do desporto motorizado pode usufruir da experiência na totalidade, o que acaba por excluir novos jogadores. O que se demonstra ser uma péssima estratégia de marketing da parte da Milestone, que assume de volta um franchise estagnado há uns anos, e que o tenta revitalizar. E que sendo um simulador acaba por não ter a mesma capacidade de penetração de mercado de um jogo de arcadas. 

Versão analisada: PS3. Também para a  Xbox 360, PlayStation®Vita, PC e OnLive.