Toma um comprimido que isso passa!
Há figuras que existem para alterar o andamento do mundo onde pisam. O António* foi um deles, marcando para sempre a música portuguesa ao estar a anos-luz do seu tempo, e o Mario, com a sua irreverência de redefinir géneros. Sejam os seus jogos de plataformas que estabeleceram os padrões, os jogos de corridas com o Mario Kart e mesmo os jogos de puzzles, onde o Tetris marcava o padrão de criação, e que teve apenas em Dr. Mario o grande concorrente no início dos anos 90.
Por grande ironia, o cartucho de Dr. Mario está dentro do meu Game Boy (que faz em Junho 23 anos, e recebeu recentemente uma cirurgia para o recuperar) há mais de uma década. Não que me tenha esquecido do jogo dentro da consola, mas porque foi o jogo que conseguiu suplantar a transversalidade do Tetris lá em casa. Se o jogo de Alexey Pajitnov conseguiu abrir as portas dos videojogos à minha família, foi o Dr. Mario que os conseguiu manter agarrados à Nintendo todos estes anos. Dr., Mario, que apenas notoriamente apenas contém o canalizador por razões de franchise, acaba por ser dos jogos de puzzle de queda de blocos mais memoráveis e que melhor resistiram ao grande juiz equalizador da criação: o tempo.
Não é de admirar que este Dr. Luigi surja como corolário de 2013, aquele que foi apelidado pela Nintendo como “o Ano do Luigi”. E claro, um aproveitamento de um título fortíssimo da Nintendo, que conseguiu ser vendido sem alterações ao longo destes 24 anos, sem nunca perder o seu aspecto viciante. Talvez o grande aspecto que o torna tão cativante após tantos anos seja a sua simplicidade. Claro, simplicidade essa que é facilmente aliável a um forte pendor estratégico e o desafio que o próprio jogo vai impondo, à medida que a dificuldade aumenta.
Há situações claras em que um produto atingiu um nível de equílibrio e afinação que qualquer intervenção acaba por desmistificá-lo. É um pouco o que aconteceu a este Dr. Luigi. Com os seus 4 modos, a única verdadeira inovação é o “Operation L” em que ao contrário do clássico de Dr. Mario, em que possuímos cápsulas com 2 cores, passamos a possuir cápsulas com 4 “quadrados” em forma de L, o que acaba por obrigar a uma redefinição da estratégia que sempre adoptámos no jogo original. Cada peça tem que ser meticulosamente estudada para tentarmos prever algumas jogadas à frente, o que se vai sendo exponencialmente mais complicado à medida que a dificuldade do jogo aumenta. O grande problema desta inovação (a única, deste Dr. Luigi) é que o modo soa artificial, martelado em cima de uma fórmula quase perfeita, e que apesar de complexificar a jogabilidade, não traz por si só uma reinvenção do jogo como o conhecemos, mas apenas uma ilusão de novidade. O que se vai traduzindo num rápido abandono deste novo modo e o regresso ao modo “Retro Remedy” em que jogamos o clássico Dr. Mario.
Ambos os modos têm a possibilidade de multijogador, seja em modo clássico de batalha ou num sub-modo denominado “Flash” em que o objectivo é eliminar os vírus que brilham da nossa “placa de Petri”. É claro que os modos competitivos são sempre uma adição obrigatória para este tipo de jogos, em especial com jogadores que se orgulham de serem os melhores Alexander Fleming da sua rua há um par de décadas e que têm de se defrontar cara-a-cara pelo extermínio viral. À semelhança do jogo de Wii, Dr. Luigi comporta também batalhas pela Internet com o modo “Online Battle” nos dois modos supra-referidos.
Um dos modos que resta é o “Virus Buster” herdado do Dr. Mario Online Rx, em que jogamos com o Wii U Game Pad na vertical e arrastamos as cápsulas para exterminarmos os vírus, o que, não sendo novidade para quem jogou o modo no Wiiware original, acaba por complementar este Dr. Luigi. O desafio deste modo é possivelmente o mais avançado de todo o jogo e a grande pérola para os jogadores mais experientes de Dr. Mario. À medida que a dificuldade avança também múltiplas peças vão caindo em simultâneo, obrigando-nos a reflexos e reacções instantâneas, para não enchermos o ecrã de cápsulas.
O melhor: a nova roupagem de um jogo clássico; a reaproximação de um jogo com mais de duas décadas às novas gerações de jogadores; o novo modo de cápsulas em forma de L podem trazer algum desafio nos níveis de dificuldade avançados.
O pior: excessivamente apoiado num jogo afinado à exaustão; o novo modo perde em comparação com o clássico; preço um pouco excessivo para o que é apresentado.
Dr. Luigi é uma boa compilação dos modos criados até à data em torno do clássico Dr. Mario, com a roupagem trazida pelo novo “Operation L”. Infelizmente, prevê-se que grande parte dos jogadores mais experientes vá sempre abandonar esta nova roupagem em detrimento do modo clássico e que o Dr. Luigi não passe de uma forma de jogar um dos melhores puzzle games de sempre com um visual actual. É também uma boa aquisição para quem jogou há muitos anos atrás e acabou por perder-lhe o rasto. Acabando por funcionar mais como um refrescar da memória do que um produto novo, a única certeza que fica é que é impossível fazer algo mau com o franchise. O grande problema é que tentar criar algo dentro do género e ultrapassar o modo original não só é uma tarefa hercúlea como é quase impossível. Mas sempre apresenta um novo desafio para todos: desde os novos jogadores aos maiores experts em atirar cápsulas bi-coloridas a vírus. Porque há doutores que nos vamos lembrar para sempre, e na fotografia sempre vamos ver o Luigi, de bata branca, a tentar chegar em bicos de pés, à grandiosidade do seu irmão.
Dr. Luigi é um exclusivo Wii U.
* Nota: António Variações, criador da música “Toma o Comprimido” que dá o subtítulo a esta análise.