Banana dura de roer

Há séries que marcam todas as gerações de consolas da Nintendo, e consequentemente as gerações (novas e velhas) de jogadores que vão seguindo cada passo da gigante nipónica com mais ou menos afinco.

Se o Mario foi um personagem que muito evoluiu desde a sua criação (apesar da sua aparente imutabilidade) , também Donkey Kong cresceu (mas não em tamanho). Desde as suas primeiras aparições enquanto vilão no jogo que lhe deu nome (qual King Kong que põe em risco a segurança de Nova Iorque) o segundo macaco mais famoso da história da cultura popular soube imprimir a sua pata pesada nos anais da nossa História colectiva. Resta-me apenas esclarecer que o King Kong é o terceiro macaco mais famoso segundo um estudo que levei a cabo meticulosamente num universo que conta com um participante apenas (eu). O lugar cimeiro pertence a esse ex-libris da cultura portuguesa dos anos 90: o macaco Adriano do saudoso Big Show Sic.

Mas no fundo, o que esta evolução condicionada pela alteração de paradigma do personagem (desde Donkey Kong Country) levou foi a uma transformando do franchise numa série de plataformas com uma solidez muita própria. As expectativas em relação a qualquer Donkey Kong são simples: que a dificuldade que vai pautando cada uma das iterações da série seja mantida, ou quem sabe, superada. Durante anos a expressão “Nintendo hard” indicava uma dificuldade quase doentia (como foram os casos de Silver Surfer e Battletoads para a NES) ou ridiculamente acima da média. Com todas as voltas e alterações impostas pelo mercado, Donkey Kong parece ser o único herdeiro de um tempo em que o medo de frustrar os jogadores era inexistente e que os jogos conseguiam fazer-nos tantas vezes perder e tentar de novo que a nossa vontade de partir os velhinhos CRTs explodia incontrolavelmente.

Se observarmos com algum cuidado os posicionamentos de mercado de alguns dos franchises de jogos de plataformas da Nintendo é pacífico dizer que se Yoshi está para um público mais infantil, e Mario para um público mais lato e abrangente, Donkey Kong é sem dúvida a série apontada para um público mais velho e com uma postura mais exigente em relação aos videojogos e que não se amedronta com a dificuldade  elevada.

Donkey kong tropical freeze 01

Socorro! Polícia! Estou a ser raptado!!!

 

Seguindo a linha usual do franchise, a primeira percepção que há que ter com este Donkey Kong: Tropical Freeze é que vamos morrer muitas, muitas vezes. Vamos desesperar, chorar desalmadamente, recolher-nos a um canto da sala em posição fetal, agitar a cabeça cadenciadamente para a frente e para trás, enquanto pensamos naquela sequência mortal de plataformas que exige o timing e a precisão de um arqueiro de Rivendell sob o efeito de anabolizantes. Só que as formas que os game e level designers encontraram para nos matar são mais do que muitas e facilmente nos vamos ver a braços com porções de níveis que nos parecem impossíveis de ultrapassar.

Já a velha máxima diz que “em que equipa que ganha não se mexe” e a realidade é que a escolha da Retro Studios para o desenvolvimento do seu segundo jogo de Donkey Kong (o antecessor de Tropical Freeze, DK Returns também foi fruto desta subsidiária da Nintendo) parece-nos uma escolha mais do que acertada. Não se pode dizer que o jogo inove grandemente com o que foi feito antes, mas muitas vezes manter uma linha de coerência com a sua própria franquia permite abrir espaço para muitos outros aspectos da criação. A começar pela banda-sonora, que vê o regresso do compositor David Wise à condução das melodias que acompanham o jogo. A envolvência musical remonta-nos à primeira experiência do britânico com Donkey Kong, no já clássico DK Country de 1994 para a SNES. Passando também pelo visual estonteante que o jogo apresenta, em que se percebe que cada pequeno pormenor de primeiro, segundo e terceiro planos foram cuidadosamente pensados e concebidos e a terminar, é claro, na qualidade do level design. Disse na análise de Super Mario 3D World que o jogo era uma clara lição de como conceber um jogo de plataformas em 3D, e que seria uma belíssima inspiração para qualquer criador de videojogos. Donkey Kong: Tropical Freeze é por sua vez uma das melhores inspirações/masterclasses que alguém pode ter em jogos bidimensionais de plataformas, desde a execução, posicionamento, diversidade, criatividade e beleza  de cada nível e de cada mundo enaltecido pelo visual em alta definição, que é mais um exemplo de que em cada geração de consolas Nintendo acaba por ser o grande macaco (o Donkey Kong, não o do João Baião) a obrigar ao máximo esforço gráfico das respectivas plataformas. Uns diriam que tamanho é o peso da musculatura do primata nipónica que obriga a um esforço nunca antes visto às placas gráficas das plataformas domésticas da Nintendo.

Donkey kong tropical freeze 02

Vês Mufasa, este é o teu reino!

 

Apesar de tudo o único ponto em que o jogo acaba por falhar é a inócua vertente de multijogador. Neste modo o primeiro jogador  controla DK, enquanto o segundo controla um dos companheiros. Sim, companheiros no plural, porque ao contrário dos restantes jogos em que Diddy Kong é a nossa única ajuda, desta vez contamos também com Dixie Kong que nos permite propulsar e Cranky Kong cuja habilidade relembra-nos a utilização da bengala do Tio Patinhas em Duck Tales. Ainda assim, pouca coisa o segundo jogador pode fazer por si só, acabando por aborrecer-se visto que o protagonismo recai, como é óbvio, em Donkey Kong, forçando uma componente multijogador a um jogo que é notoriamente melhor experienciado enquanto single player.

Coerente com a dificuldade que acompanha todo o jogo, as batalhas com os bosses de final de mundo sobem um patamar em relação aos seus antecessores. Em Tropical Freeze estes combates são mais longos, mais difíceis, e muito mais diversificados do que o habitual. A criatividade inerente à nova galeria de vilões, desde os inimigos principais, os pinguins, até outros adversários provenientes do gélido árctico, acabam por trazer um novo sabor ao universo de Donkey Kong. Aprimorado, lá está, pelas animações fluídas e consistentes que dão vida a cada personagem: desde o mocho comum até ao grande líder dos vilões, os Snowmad.

Donkey kong tropical freeze 03

Consigo derrotar-te tão facilmente que até faço o pino!

 

O melhor: a dificuldade; a mestria de game e level design; o visual altamente cuidado e banda-sonora bem-ajustada.

O pior: a componente de dois jogadores.

Mais uma vez Donkey Kong traz consigo, por entre lianas e saltos de abismos impossíveis, um grande respeito pelos jogadores. Apresenta-nos um desafio que sabemos a priori ser muito difícil de ultrapassar, mas cujo sucesso representa por si só, uma grande recompensa. Apesar da série não ser das que mais títulos possui ao longo da história da Nintendo, o facto de que os seus lançamentos são ponderados e espaçados confere a DK o espaço para respirar e para brilhar, e para trazer consigo os nervos, os gritos, os suores na testa com o qual crescemos, e com o qual a Nintendo nos fez crescer.

Donkey Kong: Tropical Freeze é um exclusivo Wii U.