A área cinzenta entre o Bem e o Mal

Existem algumas obras que por si só definem novos géneros, novos movimentos, ou novas linhas de pensamento. Os videojogos, assim como qualquer produção cultural não são excepção. Quando Diablo I surgiu tornou-se comum que grande parte das companhias de então quisessem lançar para o mercado o seu próprio Diablo-de-estimação como forma de segurar a corrente de sucesso que se gerava sobre os Action RPG. No final dos anos 90 era comum que nos referíssemos a certo jogo como “é um tipo-Diablo”. E este selo de qualidade/género eram afirmação suficiente para elucidar qualquer jogador, criando-lhe ou não curiosidade em experimentar o jogo que tínhamos em mãos. A diferença de longevidade entre o seu sucessor, Diablo II e o jogo original permitiram que até aos dias de hoje ainda haja quem passe noites incontáveis a grindar incessantemente o jogo para obter o melhor equipamento possível.

Reaper of Souls 01

E agora quem arruma a casa?

 

Apesar de adorar a série e ter soltado gritos semelhantes aos de uma adolescente num concerto do Justin Biber quando percebi que 12 anos após o lançamento do meu mui-amado Diablo II, veria a luz do dia o seu sucessor, o Diablo III. O primeiro contacto que tive com o jogo, 2 dias depois do lançamento deixou-me extasiado: o jogo era brilhante do ponto de vista de ambiência, da narrativa e das mecânicas afinadíssimas de combate. Só tinha dois problemas para mim: senti-o curtíssimo e dispunha de uma das manobras mais abjectas que vi no mundo dos videojogos: a Auction House. Era certo e sabido que a Blizzard lutava de forma veemente os vendedores de itens no WoW (e mesmo no Diablo II) por dinheiro real, mas acabaram por demonstrar as suas verdadeiras cores: se não os podes vencer, nem exterminá-los, aproveita para fazer lucro com eles. Pessoalmente a mudança gradual de paradigma da companhia até à sua aquisição pela Activion sempre me revolveu um pouco o estômago. Mais do que tudo porque sou, de forma algo pueril, um romântico da criação. Apesar de perceber que os videojogos são mais do que tudo um negócio, sempre me agradou que essa faceta fosse facilmente disfarçada pela paixão de criar, que tão impressa estava em Diablo II, Starcraft e Warcraft III. Após o sucesso monumental e inigualável de WoW, comecei a sentir que o o paradigma da Blizzard deixou de ser o objecto enquanto negócio, mas sim, o negócio enquanto objecto. A paixão parece ter sido suplantada pelos números que tão facilmente entravam pelas janelas da companhia, ao mesmo tempo que os seus criadores saíam porta-fora para as suas próprias aventuras pessoais. O Auction House foi o corolário destas manobras económicas extremas da parte da Blizzard, e que eu nunca questionaria se não tivesse observado a sua campanha anti-venda-de-itens-por-dinheiro-real durante anos, e provou que a Blizzard, apesar de quase tudo o que faz, fá-lo com extrema qualidade, mas que vendeu a paixão e o coração de Pigmalião por um pequeno motor que derrete moedas de euro, dólar e iéne.

Reaper of Souls 03

O ecrã mais visto pelos jogadores de Diablo III.

 

Ainda assim, este Reaper of Souls, a primeira expansão (de várias?) de Diablo III segue o modelo habitual da série: adicionando um Acto V à história, um novo modo, uma nova classe (o Crusader) e alguma alterações às habilidades passivas e activas das diversas classes já existentes.  E claro, coincidindo com o lançamento da expansão o encerramento definitivo do infame Auction House.

Nesta continuação da narrativa temos  Malthael, o Anjo da Morte, que tenta por cobro à luta entre o Bem e o Mal, através do extermínio da Humanidade. Apesar de extremo, acaba por representar um tipo de personagem já antes visto noutros meios culturais (e até nos videojogos) que visam alcançar a paz através da aniquilação total.

Não sendo um Acto muito comprido em longevidade, grande parte do peso de inovação do jogo recai sobre o novo modo, o de Adventure, que imprime uma espécie de mundo aberto a Diablo III, onde temos de responder a missões que envolvem desde matar dada criatura, ou x número de monstros num certo mapa. Este sistema acaba por trazer uma nova abordagem ao jogo e às interacções entre jogadores, criando novas possibilidades de recompensas e de grinding de itens cada vez mais poderosos.

Reaper of Souls 02

Há algum médico na sala? E um Cruzado?

 

A nova classe, o Crusader, traz-nos uma vertente aberta à construção do personagem: desde a possibilidade de optarmos por desenvolvê-lo enquanto tanque ou como fonte de dano, esta inovação de Reaper of Souls responde à habitual (suave) inovação que as classes novas das expansões de Diablo usualmente trazem.

Todas as alterações que foram sendo feitos nos últimos tempos, como objectivo de uniformizar o jogo base para a preparação da chegada de Reaper of Souls acabaram por mostrar-se mais do que profícuas: desde as alterações dos níveis de dificuldade, até ao novo sistema de looting (e a possibilidade de partilharmos itens apenas com os jogadores com quem estamos a jogar) traz uma frescura ao jogo que foi inquinado, quase desde a sua génese, pelo Auction House.

Um outro ponto positivo deste Reaper of Souls (apesar do preço relativamente proibitivo para algumas carteiras (39,99€)) é percebermos que todos os pequenos pormenores que compõem esta expansão foram tido em consideração: desde a criação de novos monstros e novos bosses, até aos cenários que diferem do jogo base, dá-nos a perfeita sensação de estarmos a jogar algo novo e não apenas a continuação reciclada de algo que já jogámos.

O melhor: o modo de Aventura; a nova classe; todas as alterações feitas ao jogo base para acomodar esta expansão.

O pior: o preço (para o novo conteúdo) e a longevidade do Acto V.

Diablo III – Reaper of Souls não vai conquistar novos jogadores nem convencer os críticos da série que desta vez a aposta em mergulhar no hack and slash mais famoso de sempre é uma boa escolha. Mas de muitas formas a expansão soube não-lograr as expectativas da sua base de fãs e todos os milhões que já dispunham de Diablo III. Criou (e entregou) neste pacote de expansão o conteúdo a que todos estamos habituados sem querer correr o risco de inovar excessivamente. Veio sim, através do Modo de Aventura, trazer uma longevidade que teimava em faltar a todo o jogo, mas que ganha aqui um novo fôlego e uma nova aproximação.  E abriu, como se espera, as portas para futuras expansões. Mas isso não surpreende ninguém pois não?

 

Diablo III – Reaper of Souls é um exclusivo PC.