A pirataria nunca pareceu tão bem.

Quem nunca quis mascarar-se de pirata, criança ou adulto, que atire a primeira pedra. Existe uma certa magia no ar quando falamos de piratas, uma curiosidade natural por conhecer e experienciar o tipo de vida que estas criaturas marinhas levavam. As viagens por mares nunca antes navegados em navios de madeira com um aspecto tão frágil, mas com arsenais capazes de afundar qualquer edifício; os dias e noites boémios, embriagados daquela bebida doce e alcoólica chamada rum; a busca constante por riquezas e tesouros fora da imaginação de qualquer ser humano comum; as aventuras e desventuras implicadas de um fora da lei tanto adorado como odiado pela pátria; uma ambição desmesurada por alcançar o ideal de liberdade. E desde as primeiras imagens e trailers que Assassin’s Creed IV: Black Flag promete colocar o jogador nesta mesma posição de explorador, aventureiro, rebelde, sacana, patriota, idealista, assassino, ladrão ou qualquer outro termo que esteja associado à imagem de um pirata. Edward Kenway, avô do conflituoso e adorável índio Connor Kenway (Assassin’s Creed III) e personagem principal deste jogo, é tudo isto e muito mais.

Lançado no final de Outubro de 2013, pela Ubisoft, Assassin’s Creed IV: Black Flag é o sexto título deste franchise e traz-nos uma perspectiva relativamente diferente daquilo a que estamos habituados. Isto explica-se facilmente pelo facto de Edward não ser um Assassino, mas sim um pirata movido pelo desejo de enriquecer e elevar o seu estatuto social. Para esse efeito, Edward deixa a sua vida menos favorecida na Grã-Bretanha e viaja para as Caraíbas, onde acaba por tropeçar na eterna luta entre Assassinos e Templários. Como foco principal está a procura por um aparelho antigo, de nome Observatório, que permite ao utilizador encontrar e ver as acções de qualquer pessoa no mundo. Pelo meio, Edward envolve-se nas desavenças entre os piratas e a coroa britânica, encontrando e criando laços, bons ou maus, com personagens conhecidas da história como o notório pirata Blackbeard, o traidor Benjamin Hornigold, a temperamental Anne Bonny e até o criador da famosa bandeira dos piratas (Jolly Roger), Calico Jack.

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Abaixem-se, lindos, que vem aí canhão!

 

Sem rodeios, Assassin’s Creed IV: Black Flag é um Assassin’s Creed III aperfeiçoado. A componente de mundo aberto introduzida no título anterior, que nos fez passar horas a correr desenfreadamente para revelar o mapa, é um elemento chave neste jogo com a facilidade de este aparecer na totalidade à medida que a sincronização é feita nos já familiares viewpoints. Isto permite ao jogador obter uma noção do espaço em que se encontra e, tal como nos anteriores, descobrir missões, tesouros e outros coleccionáveis sem ter que perder tempo valioso em explorações caóticas. Sendo o território composto por mar e terra encontramos diversas ilhas e ilhotas cheias de cidades, povoações, cavernas e outros tantos mistérios para serem desvendados. Nomes sonantes como Havana, Nassau ou Kingston são só alguns dos locais por que Edward se aventura, juntamente com quilómetros e quilómetros de selva e até algumas ruínas maias. E não existe nada mais inspirador que estar ao leme do Jackdaw (o fiél navio de Edward) e enfrentar os mares, por vezes revoltos, das Caraíbas. São cenários de cortar a respiração onde um simples pôr do sol é tão detalhado que conseguimos sentir o dia a desvanecer e a ser substituído pela luz da lua e das estrelas; onde as praias e o mar em volta são tão surpreendentes que a única coisa que apetece é dar um mergulho e nadar na água transparente, quase tocando nos peixes multicores e em outros seres marinhos; onde o verde da vegetação mais densa e o cinzento das ruínas de outros povos antigos nos preenche de tal forma que o nosso lado aventureiro sobressai e só pensamos em descobrir e conhecer cada canto daquele mapa. Mas também a parte urbana se destaca pelos pormenores desenhados em cada casa, edíficio, loja, forte. São pequenas coisas como a pintura já gasta e a escamar, a ferrujem entranhada nas estruturas ou a madeira corroída das docas. Estas características e tantas outras tornam Assassin’s Creed IV: Black Flag numa experiência quase que física em termos gráficos. Entramos nas Caraíbas e de lá não queremos sair.

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Libertem o Willy!

 

Como já referido, Edward não é um Assassino. No entanto, devido à chamada memória genética, tem todos os atributos físicos que os membros deste grupo costumam ter, e ao ter um encontro no ínicio do título com um Assassino, usa também o traje associado ao Credo. Portanto, em termos de combate e movimento do personagem acaba por não se diferenciar muito dos anteriores. O grande foco de atenção está então virado para tudo o que esteja relacionado com o Jackdaw e existiram significativas melhorias em termos de jogabilidade no combate e navegação marítimos. Estando a maior parte do mapa coberto por água, este navio é o nosso principal meio de transporte e de ganhar dinheiro pois percorremos os mares para chegar ao nosso destino, caçando baleias ou tubarões, perseguindo, destruindo ou pilhando embarcações inímigas. Todos os recursos que vamos assim apanhando, que vão desde madeira ou ferro até pessoas naufragadas que acrescentamos à nossa tripulação, servem para ser vendidos ou para efectuar reparações ou upgrades ao Jackdaw. Isto resulta num aumento gradual de dificuldade em termos do próprio combate naval, pois à medida que vamos actualizando o nosso barquinho, os inímigos (espanhóis na maior parte, mas também ingleses e, claro, a grande raça portuguesa) ficam mais desafiantes, resultando em autênticas batalhas onde voam balas de canhão por todos os lados. E é um deleite observar o tempo e esforço investidos em melhorar tudo o que estivesse directamente relacionado com este tema, uma aposta sem dúvida ganha já que a mecânica é fluída e imprime um selo de originalidade neste jogo.

Já no combate em terra nota-se uma despreocupação em transformá-lo em algo desafiante. Edward facilmente se vê livre de um bando de 20 ou 30 inímigos sem largar um pingo de suór, não existindo também muita diferença nas armas que utiliza: temos as lâminas, a espada, o machado, as pistolas, as bombas de fumo e uns dardos que servem para atordoar ou infectar os inímigos com o vírus da raiva. No entanto, apontamos especial destaque para as acções que o nosso pirata preferido realiza escondido. Tudo o que seja stealth foi melhorado, existem mais locais utilizados para esconderijos e mais opções de realizar tarefas sem sermos reconhecidos. Ainda relacionado directamente com esta questão das lutas em espaço firme, está a notoriedade. Tópico que tantas dores de cabeça deu em Assassin’s Creed III, devido à rapidez com que se ganhava e à dificuldade que existia em baixá-la, aqui deixa de ter importância. Em todas as povoações ou grandes cidades podemos matar quantos guardas queiramos, trepar todos os edifícios de uma ponta à outra, saltitar por entre postes, pedras e cabos que nada aumenta a notoriedade. Mais uma prova de que a atenção foi totalmente virada para os navios e o que se passa na água, pois só através de saque ou destruição de outras embarcações é que esta dispara, sendo lançados barcos, denominados caçadores, para apreenderem o Jackdaw. No entanto, depressa aterramos em qualquer porto e compramos a nossa liberdade de volta.

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Estão aqui estão a comê-las!

 

Algo que também surpreende em Assassin’s Creed IV: Black Flag é a variedade de missões secundárias que nos são lançadas para a mesa. Quase como uma jogada para ofuscar o facto da história deste jogo ser menos apelativa que a dos seus antecessores. São horas a fio de exploração que nos vai desvendando missões, como os já conhecidos contractos de assassinos; os novos contractos navais, que nos levam em perseguições ou para naufragar outros navios; aventuras dentro de cavernas para recolher tesouros e alguns coleccionáveis de outros piratas; saques a plantações que nos oferecem materiais para os tão desejados upgrades para o Jackdaw; caça a baleias, tubarões e outros animais marinhos ou terrestres para upgrades da nossa indumentária e energia; ataques e conquistas de fortes localizados em determinados pontos estratégicos do mapa, que nos ajudam a revelar o que os rodeia e a garantir a segurança daquela zona; um outro mundo debaixo de água, onde Edward tem que nadar por entre tubarões e moreias para chegar a navios naufragados, repletos de ouro e jóias; entre outras. Entusiasmados com tanta actividade? Fiquem, porque este jogo não cansa com uma panóplia tão vasta de coisas para fazer. De facto, o que realmente acaba por não estar ao nível do restante é mesmo a substituição das missões dos assassinos por missões da frota naval. São semelhantes, no entanto enviamos embarcações, que vamos adquirindo ao longo das nossas viagens, para outros territórios em busca de riquezas. Pelo meio existe uma espécie de mini-jogo que coloca os nossos barcos contra outros inimigos, resultando em combates turn-based, pouco chamativos e que se repetem constantemente.

Mas não me interpretem mal, a história pode ser menos interessante, mas a personagem de Edward Kenway, pirata, amante da liberdade e daquela coisa brilhante e amarela de nome ouro, sacana, mas com um coração enorme ultrapassa qualquer opinião mais negativa que se possa ter sobre a importância deste capítulo. A verdade é que somos conquistados pela história pessoal de Edward e pela clara evolução na sua personalidade à medida que os anos vão passando. Não só isto como também os relacionamentos e laços que vão sendo criados com as outras personagens, juntamente com o ambiente vivido através do jogo. E é claramente vivido, desde as músicas que a tripulação canta enquanto ouvimos as ondas a baterem no casco do Jackdaw e avançamos mar adentro, às conversas que encontramos em cada taberna, acrescentando um nível de alcóol tão elevado que parece que cheiramos o rum através do ecrã. Tudo isto é completo com um extraordinário voice acting e uma banda sonora não só épica como apropriada a todas as coisas que envolvam pirataria.

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Alguém tem papel? Não? Uso folhas!

 

O melhor: personagem principal; variedade de missões secundárias; combate naval mais fluído e orgânico; melhoria em acções stealth; viewpoints voltam a revelar o mapa na totalidade; banda sonora; cenários e tempo variados; ambiente único e envolvente.

O pior: pouco ênfase na notoriedade; combate em terra pouco desafiante; combate entre a frota naval repetitivo; história menos apelativa que as anteriores.

Assassin’s Creed IV: Black Flag é uma experiência única e que qualquer amante de piratas e do franchise deve jogar. Embora com uma história menos desenvolvida e trabalhada, todo o ambiente e variedade de actividades com que somos confrontados faz-nos esquecer o resto. Desde as significativas melhorias no combate naval que nos prende ao comando até conseguirmos derrubar os navios inimigos e pilhar tudo o que houver para pilhar; aos gráficos alucinantes que nos transmitem a sensação de estar a comer areia, a nadar em águas cristalinas, a correr por entre florestas, a embriagar-nos com rum, a cortar-nos em ferros enferrujados, a procurar baús enterrados e com promessas de riquezas, a explorar o universo subaquático; à incrível banda sonora que nos envolve de tal forma que damos por nós a cantar e a saber de cor cada música cantada pela nossa tripulação; à relação que acabamos por criar com Edward Kenway por observarmos as pequenas mudanças no seu comportamento, tornando-se a pouco e pouco num verdadeiro Assassino. Sim, o sexto título da saga Assassin’s Creed vale a pena, não só pela época que é retratada como pelos pequenos detalhes que lhe estão implícitos e que o tornam num jogo essencial em qualquer prateleira.

Versão testada: PS4. Também para Xbox One, PS3, PC e Wii U.