Crise de Identidade
Poderia resumir todas as próximas centenas de palavras que vão ler com apenas isto: Sonic Lost World é um dos piores jogos de Sonic de sempre, rivalizando quase lado-a-lado com “Sonic the Hedgehog” de 2006, “Sonic Unleashed” e “Sonic and the Black Knight”. E com isto desligávamos as luzes do bar, fechávamos a caixa registadora e íamos para casa a pensar no acidente ferroviário que têm sido grande parte dos jogos do Sonic em 3D. Parece que o rácio de qualidade das iterações tridimensionais de Sonic vive numa lógica de erro-erro-sucesso, erro-erro-sucesso.
Um dos primeiros erros deste Lost World foi assumir a sua intenção de se tornar uma espécie de sucessor de Super Mario Galaxy 2. Esquecendo porém, que o que fez de ambos os jogos da Wii U verdadeiros exemplos de genialidade foi a qualidade quase incomparável ao nível de level design que fez o panorama dos jogos de plataformas, indubitavelmente, dar um salto sideral. Como a velha máxima diz “à mulher de César não basta sê-lo, tem de parecê-lo!” e neste Lost World o problema é exactamente o inverso: para seguir as pisadas de Mario Galaxy não basta apenas a construção de asteróides e brincadeiras com física, há-que manter a fasquia de game e level design no ponto quase inalcançável que (qualquer uma d)as magnum opus de Miyamoto têm.
Por outro lado, a seguinte sequência de palavras é o que menos desejamos para um jogo, e muito menos para um jogo de Sonic: lentidão, incontrolabilidade, sensação de inadequação e frustração. Há tanto neste Lost World que nos faz esquecer do próprio Sonic, como se os próprios criadores e a Sega sofressem de uma amnésia total do passado do personagem. A crise de identidade a que nos referimos centra-se no facto de que pouco ou nada existe neste jogo que nos remeta para a nossa memória colectiva do Sonic, e o seu comportamento remeter mais para outros personagens, de outras séries, do que para si mesmo. Desde a sua movimentação, que tenta recriar o ambiente dos jogos 3D do SuperMario com a limitação de que as rotações nos eixos oblíquos são demasiado rígidas, passando pelo péssimo hábito do personagem de tentar escalar todas as paredes que embate, como quem se sofre a influência de umas férias de Verão com o Peter Parker.
É rapidamente perceptível que os criadores deste Sonic Lost World (no plural, visto que as versões de 3DS e Wii U tiveram directores distintos) jogaram ad nauseam a Super Mario Galaxy 1 e 2, mas cuja aura de influência se limitou à visão limitadora da construção de níveis, faltando para a sua afinação o elemento que separa uma obra medíocre de uma obra genial: a criatividade e talento humanos. Apesar de manterem o mesmo enredo, e os mesmos interlúdios animados, as versões de 3DS e Wii U são dois jogos completamente diferentes: têm níveis distintos, mecânicas semelhantes, lutas com bosses diferentes e tentam aproveitar os potenciais de cada uma das plataformas. Em especial na 3DS que muita sequências de níveis são feitas utilizando o giroscópio interno da consola. O único elemento comum é o level design mediano, que fica longe dos jogos de Super Mario em 3D, assim como das boas iterações tridimensionais do próprio Sonic.
Há algo de contra-natura ao controlarmos este Sonic: carregar para a frente faz-nos apenas andar. Sim é verdade, este Sonic não é um maratonista, mas sim um jogger. É incompreensível que um jovem ouriço de 23 anos já demonstre estas artrites e esta preguiça quase geriátrica. O Sonic preferir andar em vez de correr é tão estranho quanto a possibilidade de ser criado um jogo em que o Mario prefere andar a saltar. Correr neste Sonic Lost World não é um movimento de controlo natural, mas sim, um ponto adicional que podemos utilizar durante os níveis. Se largarmos o botão de corrida o Sonic não continuará a correr através da inércia, mas atrasará o passo até ao ponto da marcha. E se existe uma alternância entre níveis em 3D e 2D (sendo estes pouquíssimos em comparação), é na bidimensionalidade que se percebe o desajuste da inércia neste Sonic, estando a anos-luz dos primeiros jogos de Sega Mega-Drive.
As diferenças entre as duas versões percebem-se em especial no game e level design, por estes reflectirem as visões dos respectivos directores. No caso de Morio Kishimoto, responsável pela versão de Wii U, percebe-se uma tentativa de colar a jogabilidade de Sonic a outros típicos jogos de plataforma tridimensionais (em que os protagonistas andam (literalmente) pelos mapas). Para Toshihiro Nagoshi, director da versão 3DS, a tentativa de criar sequências on rails é mais evidente, em que muitos dos momentos dependem de reflexos para evitar abismos ou inimigos, lembrando até, numa versão muito redutora, os jogos do Hugo (sim, o videojogo/programa de TV que (admitam!) deixou muita gente colada ao ecrã nos anos 90). Outro gigantesco problema que a versão de 3DS possui e que nem no indie de mais baixo-orçamento encontramos é a qualidade de codificação das cutscenes. Visto que foram utilizados os vídeos do jogo de Wii U, em HD, houve necessidade de efectuar uma compressão para a versão portátil. Mas uma versão tão comprimida que mais se assemelham a uma versão pirateada e filmada com um Nokia antigo do que uma animação inserida dentro do jogo. Exagero? Ora vejam:
Ainda que as duas versões sejam um quase total desastre, há 3 pontos positivos a retirar do jogo. O primeiro diz respeito ao visual do jogo. Em especial na versão de Wii U percebemos o quão bonito e vibrante é a direcção de arte de Sonic Lost World, auxiliado em muito pela alta-resolução da consola, é verdade, mas igualmente bem-conseguido na versão portátil. Em segundo a criatividade nos novos vilões, os Deadly Six, que conseguem trazer algo de novo ao habitual elenco de heróis e vilões da série. Cada um dos seis com poderes e habilidades distintos, servem como bosses de final de mundo. E por último as duas mecânicas que diferem ligeiramente do habitual jogo de Sonic (apesar de não serem novidade): a capacidade do personagem fazer Homing Attacks, ou seja, ao invés de apontarmos o salto para o inimigo podemos esperar que a câmara crie um alvo em cima de si, bastando-nos carregar num botão para que o Sonic seja para lá tele-guiado (conduzindo-nos nos já esperados combos); e os poderes de Cores do Sonic, que o transformam em asteróides, relâmpagos ou em uma bola de ferro, entre outras, e que trazem alguma diversidade a um jogo que regra geral, está mal-construído.
O melhor: o visual; os vilões e a banda-sonora.
O pior: a lentidão; a lentidão; a lentidão; o péssimo controlo e o level design muitas vezes medíocre.
Sonic Lost World pode tornar-se um exemplo para o futuro do quão perigoso é criar hype excessivo em volta de um jogo. A necessidade dos seus criadores em o quererem colar ao sucesso (comercial e cultural) que Super Mario Galaxy teve, definindo Lost World como uma espécie de Super Sonic Galaxy falhou redondamente quando os jogadores e os media perceberam o quanto esta declaração estava longe da verdade. O que faz de Sonic Lost World um daqueles jogos que serão empurrados para as prateleiras de jogos em 2ª mão sem que ninguém lhes pegue é pelo facto de que este poderia ser um jogo de plataformas tridimensionais mediano e genérico, ao qual atribuíram uma skin do Sonic. Deixa-nos a questão no ar: mas alguma das pessoas envolvidas na criação de qualquer uma das versões, jogou alguma vez a um jogo do Sonic? É que Sonic Lost World de um jogo de Sonic só tem mesmo uma pequena coisa: o próprio Sonic.
Sonic Lost World é um exclusivo 3DS e WiiU. Jogadas ambas as versões.