Quem és tu que te moves nas sombras?
Tantos foram os pedidos de milhares de jogadores ao longo dos últimos anos para que Elder Scrolls passasse a ter uma componente online, que a Bethesda, qual auscultação de mercado, anuiu. Desde o espanto tecnológico que foi a dimensão do mundo de Oblivion, em que conseguíamos passar literalmente meses a conhecer todos os cantos de Cyrodil sem sequer começar as quests principais. O fim-do-mundo podia esperar, que tínhamos muito mais para conhecer do que a morte iminente das raças unidas.
A complexidade do mundo, o entrelaçar das tramas e as diversidades culturais e raciais de muitas das facções que habitam Tamriel adivinhavam que pouco faltaria para o tornar num universo simultaneamente partilhável por diversos jogadores. Não esqueçamos também que Oblivion, enquanto grande catalisador dos desejos de um MMORPG de Elder Scrolls pelos mais enrubescidos fãs, foi lançado em pleno auge do género, e numa fase em que muitos tentaram (de forma inglória) suplantar World of Warcraft. Mas desde esse tempo – o longínquo ano de 2006 – já se passaram 8 anos. E nestes anos o mercado dos videojogos foi evoluindo, mutando, crescendo, quase de mês a mês, e é seguro dizer que para grande parte dos entusiastas dos videojogos os MMORPGs fazem hoje parte do passado. De todas as centenas de MMORPGs que surgiram com intenções de cobrar subscrição pelo serviço, quase todos tiveram de se render a um modelo freemium ou a simplesmente fechas as portas dos seus servidores. Antes sequer de falar da grande experiência que foi jogar este TESO (excluímos desde já qualquer trocadilho à abreviatura que será usado até ao final do artigo) cabe-nos perceber se o jogo será o único caso que conseguirá, a par de WoW, manter um sistema de subscrição a suportar o jogo. Sem quaisquer fatalismos oraculares, parece-nos pacífico dizer que não. O argumento que muitos defensores de que é este (finalmente) o grande adversário de mercado do colosso da Blizzard, e que se manterá com subscritores, parece a frio, conversa infundada. Porque por muito sólida que seja a comunidade que segue The Elder Scrolls em todas as viagens que a Bethesda possa fazer, será decerto insuficiente para manter o jogo com mensalidades pagas durante muito tempo. Basta que vejamos: existem muitas comunidades de fãs que possam rivalizar, em dimensão, com a de Star Wars? E o que é que aconteceu a SWToR poucos meses após o seu lançamento? Passou a um sistema freemium, e não foi nem por falta de qualidade do jogo nem pela falta de fãs da série. E perante a grande qualidade deste TESO também nos parece que não será esse o factor que o levará a um sistema free-to-play em 6 meses.
TESO é sem qualquer dúvida a melhor tradução possível para um modelo global e MMO da série Elder Scrolls. As suas semelhanças com todas as mecânicas de Skyrim são tão grandes que nos questionamos se este MMORPG não estará com uns anos de atraso. Primeiro, tal como já dissemos, porque é lançado num género que teve o seu apogeu há uns anos atrás, e tendo sido dos mais “pedidos” pelos jogadores, poderia ter tido a sua verdadeira relevância numa fase em que os MOBAs não dominavam uma grande franja dos jogos online. Em segundo porque existe um fenómeno curioso em TESO que pelo que conversei com outros jogadores, acaba por ser transversal à experiência que é jogá-lo. E esse fenómeno é o total esquecimento de que estamos a jogar um jogo multijogador e não um single player.
Uma das dúvidas que mais me assolaram enquanto joguei TESO era a destrinça entre jogador ou NPC, visto que ao contrário de outros MMORPGs em que os PCs estão devidamente distinguidos, aqui, e muito graças à habitual movimentação quase realista dos personagens, vamos dar por nós a tentar falar com jogadores pensando serem meros mercadores ou ferreiros. A frase “bolas, isto é um NPC” foi tantas vezes proferida que esteve a um passinho de se tornar o subtítulo desta análise. E em jogo percebemos esta dificuldade quando vemos jogadores que nos confundem com inimigos e nos tentam atacar, e vice-versa.
Há que admitir que TESO deverá ser um dos primeiros MMORPGs que joguei que parece declaradamente assumir que eu não preciso dos outros jogadores, e que me impele a jogar sozinho. Aliás, o próprio jogo indicou-me que eu era o Escolhido e que só eu poderia mudar o mundo. (Espero honestamente que ele não diga isso a todos, senão deita por terra o nosso vínculo especial). Este esquecimento de que o jogo não se trata de um single player é tão constante porque a aura de herói solitário que coabita em todos os jogos de Elder Scrolls não nos insta à cooperação. Tirando algum conteúdo mais complexo, e que necessita de ser ultrapassado em conjunto, o que TESO nos traz é um mundo gigantesco em que ocasionalmente temos de cooperar com outros, mas que à troca de um valor pecuniário mensal nos põe a jogar um single player MMORPG. E sendo este o espírito, deixo a pergunta: para isso não seria preferível poupar o dinheiro da mensalidade e limitar-me a jogar Oblivion ou Skyrim?
Outro problema que poderá ocorrer com o lançamento deste jogo online, e que dependerá grandemente do sucesso do jogo, é o atraso em lançamentos da série principal. Todos sabemos o que aconteceu com Warcraft, que devido ao sucesso de WoW nunca mais teve (nem terá tão cedo) um sucessor no horizonte. TESO pode levar a um atraso de alguns anos no lançamento de uma sequela a Skyrim, por questões de produção, investimento e mesmo de evitar o desgaste da franquia.

Isto pode ser perigoso. Todos os sabemos as estatísticas de 2013 sobre “mortes a atravessar pontes”.
Sendo um MMORPG de 2014 esperava-se que a Zenimax Online, a criadora do jogo, tivesse aprendido um pouco na forma de apresentar missões aos jogadores e que a ideia das fetch quests (vai aqui, apanha isto e entrega ao NPC x) fossem um assunto do passado, mas TESO ainda é daqueles exemplos em que ficamos com logs de quests por terminar durante meses.
Mas se há um aspecto em que o jogo realmente brilha é no visual. O mundo de Tamriel é soberbo na forma como foi representado em TESO. E há sempre pormenores que acabam por fazer-nos esboçar um sorriso, nomeadamente o facto de que quando um jogador à nossa frente consulta um mapa, o seu personagem desenrola um pergaminho e quando vasculha o inventário podemos vê-lo a remexer na sua bolsa a tiracolo. Isso e o interface perfeitamente clean que é tão diferente dos habituais HUDs de MMOs que preenchem os nossos ecrãs quase por completo.
Apesar de a componente PVP ter sido um elemento que não foi muito explorado nas nossas horas dentro de Tamriel, aquilo que facilmente percebemos é que é muito semelhante ao World versus World apresentado no Guild Wars 2, e que possivelmente uma apropriação do combate entre jogadores mais ao estilo do setting de Elder Scrolls poderia ter sido mais proveitoso para a franquia do que uma inspiração quase litoral no jogo da Arenanet.
Não tendo directamente a ver com o jogo, mas com a súbita mudança de funcionamento da Zenimax, achei um golpe baixo a necessidade de introduzirmos uma conta de Paypal ou um cartão de crédito para usufruir dos 30 dias que vêm incluídos na versão original de retalho. O que significa que todos os jogadores que pagaram 50 e alguns euros para jogar o jogo, o que incluía de base 30 dias de jogo gratuitos, tiveram obrigatoriamente de apresentar uma garantia de pagamento após esse período para sequer, poderem utilizar esse mesmo período. Soou em excesso a um método quase coercivo de tentar captar umas subscrições extra, e acabou por mostrar-se uma postura muito pouco aceitável. Acredito que do ponto de vista de resposta do público esta manobra denegriu a aceitação que tinham em relação a TESO. Isto não se faz Zenimax!
O melhor: o visual, o voice acting, a fidelidade com a série original.
O pior: excessivamente single player para um MMORPG; pouco diferente da experiência de Skyrim; dificilmente justifica o pagamento de uma subscrição.
Ao jogarmos umas boas centenas de jogos acaba por ser normal estabelecermos padrões do que deveria ser dado género e as expectativas para jogos vindouros. E por muito que evitemos estabelecer pontos de comparação, isso torna-se uma tarefa dificílima. Para mim, Guild Wars 2 estabeleceu a meta do que um MMORPG deveria ser e de que forma é possível mascarar o grind indissociável do género e por outro, mostrar como é possível com uma mudança de paradigma criar forças invisíveis que impelem os jogadores a colaborarem uns com os outros. The Elder Scrolls Online é um excelente jogo para ser jogado sozinho, tal como manda a tradição da franquia, em que a suspensão da descrença existe apenas porque a nossa existência fará diferença no mundo. TESO é no fundo um MMORPG que apenas o é por imposições do mercado, porque de maneira alguma o jogo nos mostra que necessitamos dos outros milhões de jogadores. Tamriel era um mundo bem melhor se apenas nós existíssemos.
The Elder Scrolls Online é um exclusivo PC que será lançado na PS4 e na Xbox One ainda este ano.