A estranheza de uma má trip

Nunca experimentei drogas, nem leves nem pesadas. Ao contrário do que muitas pessoas pré-conceptualizam, o facto de ter estudado em Belas-Artes e de ter pertencido a diversas bandas de metal e rock progressivo nunca me suscitou qualquer curiosidade em ter outras experiências. Este Sayonara Unihara Kawase é neste momento o que imagino ser o efeito de estupefacientes na mente humana.

Admito que ler William Burroughs e ver toda a filmografia do meu realizador favorito, o David Cronenberg, não me prepararam para a estranheza que é jogar este jogo, que muito amavelmente recebeu o nome de  Yumi’s Odd Oddyssey nos EUA para que o público americano não hostilizasse um nome tão complicado vindo dos Japs. Dizem as más-línguas (nota: eu) que os personagens de Johnny Depp e Benicio del Toro em “Fear and Loathing in Las Vegas”  jogavam a Umihara Kawase como forma de perpetuar o estado psicotrópico em que se encontravam.

Umihara Kawase faz parte de uma série que não tem muitas iterações: desde o seu original para a SNES, apenas um jogo de Playstation e 2 colectâneas para a PSP e DS foram feitas, e todas, apenas dentro do território japonês. O que quer dizer que a menos que tenham encontrado um daqueles cartuchos antigos que muitas vezes se vendem por trocos e que não se sabe muito bem o que vai lá dentro, a probabilidade de se terem cruzado com a série é próxima do zero.

Sayonara 01

O meu isco vai de certeza apanhar patinhos…de borracha!

 

Para perceberem o conceito simples (mas estranho) deste jogo, podemos resumi-lo em poucas palavras: Sayonara Umihara Kawase é um jogo sobre uma jovem rapariga de liceu e os seus amigos  que terminam níveis ao chegar a portas e que vão utilizando um isco e uma linha de pesca como forma de ultrapassar plataformas e para capturar criaturas marinhas que andam na terra com duas pernas. Não sendo textualmente uma ideia de estranha (se pensarmos que o Mario não é mais do que um canalizador italiano com bigode farfalhudo que come cogumelos e salta) a realidade é que a execução visual desta última entrada da série peca pela bizarria. O facto de que o jogo é todo construído numa espécie de 2,5D e que os objectos que compõem as plataformas são alusões a material escolar e do quotidiano, mesclado com os nossos inimigos: peixes e enguias com pernas que descrevem trajectos pré-definidos, conferem ao jogo um dos aspectos mais artificialmente diferentes que encontrámos nos últimos tempos.

Muitos dos puzzles e desafios de plataformas deste jogo acabam por ser relativamente limitados, e apenas dificultados por um mau sistema de física. O comportamento da corda/elástico é excessivamente rígido e aleatório para que exista um desenvolvimento de perícia apurado no ultrapassar de muitas das plataformas. O desespero que vamos encontrar neste jogo cerca-se mais sobre a frustração que o comportamento da corda tem, e que demonstra, sem qualquer dúvida, que não está programada como seria a intenção.

Sayonara 02

Esqueçam o Cthulhu. As enguias com pernas são um inimigo muito mais perigoso.

 

Vários factores levaram-nos a tentar ver o jogo original, e lá conseguimos experimentar alguns níveis do jogo da SNES. O primeiro factor que salta à vista é que a abordagem estética quase-surrealista funciona na perfeição na versão 16 bits com animação de sprites, mas que este tom empalidecido e a modelação tridimensional que fica a meio caminho entre um visual inovador e uma modelação que intenciona ser realista conferem a Sayonara Umihara Kawase um ambiente tão arrepiante que pouco da magia e alegria surreais do jogo original permanecem. Torna-se assim mais uma prova de um jogo que nunca deveria ter deixado o ambiente dos sprites para abraçar o 3D. A segunda questão que rapidamente notamos é que a física no jogo original está apuradíssima, em que os movimentos de elástico e de pêndulo respondem na perfeição aos controlos e que estão muitos patamares acima deste jogo da 3DS. É curioso como exactamente 20 anos desde o lançamento do original, tenha ocorrido uma degradação tão profunda nos controlos, quando o apresentado no original poderia salvar a jogabilidade medíocre que aqui é apresentado.

O melhor: alguns puzzles de plataformas;

O pior: os controlos, a física da corda e o visual que falha em trazer o tom certo ao jogo.

Sayonara Umihara Kawase é um daqueles casos em que percebemos que facilmente se perde o tom ajustado ao objecto apresentado. A tentativa de actualizar a série para os dias de hoje tornou-a bem menos funcional e apelativa que o seu original, que se encontra a milhas deste jogo de 3DS. Mais um caso em que tamanha é a vontade de inovar que se perde o essencial.

Sayonara Umihara Kawase é um exclusivo 3DS