Mais uma voltinha, mais uma moedinha
Se a Universidade Católica fizesse uma sondagem sobre as razões que levam relações de amizade (de longa-data ou de pouco tempo) a terminarem, decerto que “deu-me com uma carapaça azul” estaria no topo da lista, logo à frente de “envolveu-se com o meu (minha) companheiro(a)”, “ficou a dever-me o dinheiro do lanche” e “diz que gosta de One Direction”. Mario Kart é um dos emblemas da Nintendo, e um jogo que tem firmado o espírito competitivo de milhares de grupos de amigos e que tem, pela força das circunstâncias, conduzido muitos deles à ruína.
Não existe plataforma da Nintendo desde a SNES quer não tenha uma iteração de uma das séries mais aclamadas de condução de sempre. E quando olhamos para trás e percebemos o caminho que já foi percorrido desde Super Mario Kart, que iniciou toda esta jornada, e este Mario Kart 8 que nos faz sentir a evolução de mecânicas, conceitos e da cada vez mais cerrada competitividade que foi crescendo lado-a-lado com o jogo.
Mario Kart 8 e o próximo Smash Bros. são no nosso entender (e na de qualquer pessoa mais atenta) as grandes armas que a Wii U poderá ter para se erguer das fracas vendas alcançadas até hoje. Não é incomum percebermos que muitos jogadores que foram comprando consolas da Nintendo geração após geração estejam à espera de qualquer um destes títulos (ou mesmos ambos) para definitivamente tomar a decisão de a adquirir. A responsabilidade de Mario Kart 8 é notoriamente acrescida por ter às suas costas a incumbência de tentar levar a Wii U a bom porto. Não arriscando fazer previsões oraculares sobre a implicação nas vendas da consola, o que podemos desde já adiantar é que o tão esperado Mario Kart 8 pode-se resumir numa palavra apenas: soberbo.
O primeiro e o maior passo dado neste MarioKart foi o equilíbrio feito entre o factor sorte e a destreza de condução. Não quero com isto dizer que nos anteriores jogos da série a destreza não fosse um factor a ser tomado em conta, mas tenho de afirmar sem qualquer rodeios que a quantidade de itens disponíveis acabava por fazer o jogo depender quase exclusivamente da sua utilização. Em extremo era-nos “permitido” ter constantemente um item para usar, visto que em algumas iterações da série conseguíamos apanhar novos power ups a cada virar da esquina. Neste Mario Kart 8 essa quantidade foi equilibrada de forma a que nos concentremos melhor na condução e menos em tentar ter sempre activo um power up. De uma regra geral, o jogo está balanceado de forma a premiar a boa condução, a capacidade de cada condutor de fazer curvas perfeitas e os seus reflexos e sentido de escolha perante os obstáculos presentes na pista. Acaba também por ser menos simpático para os novos jogadores versus jogadores mais ambientados à série, visto que ao contrário de jogos anteriores em que uma dose de sorte nos power ups e algum dedo certeiro poderiam facilmente atirar o nosso adversário do primeiro para o último lugar. Muito especialmente se a infame carapaça azul entrasse em jogo, esse malfadado objecto que na minha opinião é um penalizador de bons jogadores.
Em relação à destreza, outro factor que sentimos é que actualmente é mais possível (e provável) que nos consigamos isolar dos restantes adversários. Se nos jogos anteriores os itens eram os equalizadores de níveis de precisão dos jogadores e as rampas de aceleração uma forma de compensar o tempo perdido, aqui sentimos que não só não temos de nos desviar do nosso trajecto pré-definido para usufruir das ditas rampas e que elas estão sempre que possível inseridas no decorrer da pista.
A concepção das cerca de 30 pistas demonstra a exímia qualidade de level design. Tão rapidamente estamos a fazer slaloms entre bolas de fogo, como de repente estamos de cabeça para baixo num troço sem gravidade, ou numa parte subaquática da pista após planarmos um pouco com um parapente entre abismos. A parte anti-gravitacional foi um dos elementos de publicidade do próprio jogo e que não só demonstrou a capacidade das pistas de possuírem um dinamismo criativo imenso, pela diversidade de abordagens que tem no decorrer de cada volta, como nos traz à memória esse colosso que me garantiu tantas dezenas de horas de diversão que foi o Wipeout.
A adicionar ao equilíbrio de surgimento dos power ups, foram incluídos 4 que trazem formas distintas dos quais o Boomerang, uma arma que pode ser utilizada até 3 vezes e o Super Horn, que é simultaneamente ofensiva e defensiva (consegue parar qualquer objecto arremessado contra nós, o que inclui a (blah, odiável) carapaça azul.
Mas mais do que tudo, houve 3 pormenores que mais nos surpreenderam (mesmo nas previews que fizemos no Showroom da Nintendo) nesta 8ª iteração de Mario Kart. A primeira é o grande alargamento ao conjunto de personagens disponíveis (que inclui agora todos os Koopalings). O segundo ponto é a grande customização de cada um dos nossos veículos, que podem ir do habitual e costumeiro kart até uma espécie de Monster Truck com asa-delta. Por fim, temos de nos render às evidências que Mario Kart 8 é lindo de se ver. Vermos grande parte das séries que sempre jogámos e que aprendemos a admirar em formato Alta Resolução consegue exaltar da melhor forma a grande direcção artística que a Nintendo (usualmente) imprime aos seus títulos próprios. É claro que os 60 fps do modo single player descem quando temos de partilhar o ecrã com mais 3 jogadores humanos, mas ainda assim toda a estética deliciosamente pormenorizada continua lá a toda a cor.
Do ponto de vista de controlo decidimos utilizar o Wii U Game Pad durante todas as horas que jogámos, sendo que íamos intercalando a utilização de uma característica pensada nos jogadores com mais tiques: podemos utilizá-lo como volante em que cada movimento lateral curva o nosso kart. Não sendo nada de espantoso nem inovador quando pensamos que com um Wii Remote já o podíamos fazer, mas é a questão ergonómica que nos emula mentalmente a utilização de um volante a verdadeira diferença.
Apesar de admitirmos que as expectativas da comunidade e dos media em geral era de que este novo Mario Kart seria um grande jogo, e que apesar de não inovar grandemente tornar-se-ia um grande jogo decerto. Até porque a fórmula da série não só foi começada num altíssima patamar como foi sendo limada jogo-após-jogo, o que obriga a todos a manterem as expectativas elevadas. E é por isso que Mario Kart 8 vem inovar no grande calcanhar de Aquiles da Nintendo: os modos online. As duas componentes mais óbvias e que dentro do que neste período pré-lançamento nos foi possível experimentar augura a que seja esta a verdadeira porta de entrada (real) dos jogos da Nintendo a uma componente online significativa, e não como mero add on. Para além da possibilidade de criarmos, partilharmos e inclusivamente agendarmos campeonatos com os nossos amigos, podemos simplesmente juntar-nos a jogos pré-existentes de jogadores em qualquer parte do mundo. Apesar de características simples, foi notório desde o Nintendo Direct que a grande aposta da empresa era fazer passar a ideia de que o jogo está pensado na componente multijogador através de banda larga e que de alguma forma a companhia se “modernizou”. O que inclui corrermos contra os fantasmas de outros jogadores e criadores do jogo e tentar bater os seus tempos. E numa fase em que todos querem partilhar os seus videos de jogo, ou apenas guardá-los, o jogo traz o Mario Kart TV, que permite não só espalhar pela comunidade os nossos replays, mas também editá-los. E, apesar de estar disponível apenas aquando do lançamento, a possibilidade de fazer upload directo para o Youtube! A Nintendo enlouqueceu de vez e percebeu que estamos no ano de 2014, e que apesar da qualidade dos seus jogos, os jogadores, regra geral, querem algo mais de um produto do que apenas jogá-lo na sua sala. E ao acordar para esta realidade mostrou que apesar de ter alguns anos de atraso que está pronta para abraçar o agradável mundo novo que são os jogos na segunda década do Séc. XXI.
Quase a mostrar-se como mera nota de rodapé aparece o modo Battle que pouco ou nada diferiu das anteriores versões, e que aparece como filho escondido deste novo lançamento. Para que ninguém dissesse que foi um modo obliterado, surge aqui apenas com um face lift.
O melhor: o visual, o dinamismo das corridas, a fluidez e velocidade impressas a este jogo, o equilíbrio perfeito entre sorte e destreza.
O pior: o modo de Battle ficou completamente em terceiro plano.
Mario Kart 8 é um dos 4 melhores títulos originais e exclusivos (e obrigatórios) para a Wii U, e que servirá, muito graças à edição bundled e à promoção de oferta de um jogo que aí vem, uma das possibilidades de aumento de vendas da consola doméstica da Nintendo. É também o melhor jogo da série desde há algum tempo. E isto é dizer muito, visto que os seus antecessores eram jogos excelentes. Mario Kart 8 (assim como Pikmin 3) servem mais do que tudo como estandartes das potencialidades tecnológicas da Wii U. E neste caso a verdadeira abertura da empresa a uma componente online forte. O tempo ditará Mario Kart 8 não só obrigatório, como essencial a todos os fãs da série. E obrigará muita gente a finalmente adquirir a Wii U.
Mario Kart 8 é um exclusivo Wii U.