Um olho no abismo

Sob risco de ver todos os críticos de videojogos a utilizarem a célebre frase de Friederich Nietzche “se olhares muito tempo para o abismo, o abismo olhar-te-á de volta” para falar deste jogo, decido arriscar e faço-o sem qualquer receio. Trocadilho fácil, eu sei, especialmente porque o protagonista é uma criatura que possui um grande olho, e para o próprio título que é literalmente “Abismo”.

Abyss é um jogo simples, e por vezes até simplista, desde o visual até às suas mecânicas e objectivos. Este remake para Wii U de um jogo de DSi apresenta-se na eShop com um preço quase de saldos, de 1,99€. Este preço reduzido demonstra o realismo que a empresa espanhola EnjoyUp Games tem da sua produção: não sendo um jogo complexo ou de longevidade considerável, acabou por trazer à loja digital da Wii U algo que lhe está em falta: exclusivos indies com preços muito reduzidos e que vão colmatando esta lacuna.

Abyss 01

Espera! Eu acho que tinha medo do escuro!

 

Se à primeira vista o jogo remete-nos para os controlos do jogo de NES Balloon Fight (ao qual dediquei muitas horas na minha infância), do ponto de vista de dificuldade Abyss leva-me de volta a um dos segmentos de nível mais difíceis que alguma vez joguei. Não sei ainda toldado pelo “olhar de criança” que tinha na altura, mas lembro-me de ter passado pelo menos 1 semana a conseguir ultrapassar a sequência subaquática (em que estamos dentro de um escafandro) do genial Earthworm Jim para Mega-Drive. A necessidade de masterizar a propulsão circular do objecto enquanto vamos aperfeiçoando a intensidade necessária para flutuar debaixo de água aplica-se quase a decalque do nível “Down the Tubes” de Earthworm Jim para este Abyss. O facto de que a grande dificuldade se prende com a mortalidade trazido pelo contacto com as paredes do nível transporta-me quase 20 anos no tempo. Este nível era sem dúvida o mais difícil de todo o jogo, e penso que dos mais difíceis que alguma vez joguei. É claro que terei de o rejogar para perceber a minha “sensibilidade” à dificuldade com a minha experiência actual.

Abyss é um jogo difícil, e com o seu visual soturno de quase negrume não é decerto um jogo para todos os gostos. A narrativa é totalmente ausente do jogo, e só percebemos o conceito se lermos informações no sumário do jogo da eShop ou no site da EnjoyUp Games. Controlamos portanto um submarino bio-mecânico chamado Nept2no que procura nas profundezas (do oceano?) uma forma de energia chamada Gaia, que tem a sua tradução em jogo como uma série de esferas de luz que necessitamos de encontrar para terminar cada uma das 12 missões. Abyss resume-se a isto mesmo: conduzir uma criatura ciclópica por corredores escuros, negros, e em que o tempo é uma constante que nos persegue e que nos pressiona a agir, visto que Nept2no vai perdendo a capacidade de iluminar o espaço circundante à medida que o tempo passa, e apenas os globos de Gaia recarregam a sua “lanterna”.

Abyss 02

I’m a cyclops-creature who floats alone! And when I’m floating a dar road…

 

Mais do que tudo Abyss é um jogo que não perde tempo e que se reduz ao essencial sem grande comprometimentos: não tem tutorial, não tem explicação dos níveis, controlos ou objectivos. É um jogo de construção empírica ao bom e velho estilo old school, em que a descoberta era feita por nós mesmos!

O melhor: o desafio, o preço, o ambiente apresentado.

O pior: o reduzido conteúdo para oferecer, a dificuldade que afastará muitos jogadores.

Abyss tenta disponibilizar o máximo de conteúdo possível para um preço tão reduzido, e ainda que apenas alguns jogadores procurem uma abordagem mais desafiante, é possível que a grande maioria não se sinta atraída por um jogo essencialmente negro, e com uma dificuldade tão grande. Não deixa por isso de ser um bom jogo para o seu valor pecuniário, e que demonstra um grande realismo e honestidade da parte dos seus criadores. Quantas dezenas de jogos com conteúdo mais supérfluo não vimos já a preços bem mais elevados?

Abyss é um exclusivo Wii U (de um remake da DSi)