A morte saiu à rua.

Encontramo-nos na pele de Ronan O’Connor, um agente policial que reúne do seu passado uma vida menos digna, e que com o passar do tempo preenche o seu corpo com tatuagens que marcam cada episódio da sua existência. Este detective segue a pista de um assassino em série, chamado The Bell Killer, notório e implacável na forma de matar e dificilmente rastreado. Começamos com O’Connor a ser morto por este assassino, lançado de uma janela e com sete tiros no peito, convertendo esta perseguição em algo mais pessoal.

O’Connor vê-se a transmutar da vida dos vivos para a vida dos mortos, olhando para o seu corpo caído no chão sem um mínimo pulso, um momento trágico que revela drama emocional mesmo após ser revelado a morte da sua mulher. Saber da existência de uma vida após a morte cria aqui uma introspectiva e um dilema para O’Connor, que terá de mostrar a sua capacidade em continuar a vaguear como espectro nas ruas de Salem. Durante o século XVII, vinte pessoas foram acusadas de feitiçaria e condenadas à morte em Salem, Massachusetts, o que originou o famoso julgamento das bruxas de Salem. Em Murdered: Soul Suspect temos não tanto a recriação desse acontecimento, mas anda de mãos dadas com as causas e efeitos da situação barbárie de mentalidades prematuras que viviam nesse século. Encontramo-nos agora na era moderna desta cidade envoltos numa história sobre um assassino em série, difícil de desvendar a sua verdadeira natureza e do que o força a matar, numa mistura de fenómenos sobrenaturais e de investigação criminal.

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Murdered inspira-se em larga escala nos filmes de terror e em film noire. Tem uma dosagem de horror psicológico, tem uma grande pitada de ambientes obscuros e enriquecidos por aparências do além envoltos de um fumo ofuscante. Também parece inspirar-se em ambientes de outros videojogos como é o caso de Silent Hill, mas menos propenso a imagens terroríficas de criaturas mórbidas e que demonstram uma aparência doentia. Em Murdered somos confrontados apenas com dois tipos de demónios, que aparecem de tempos em tempos e que teremos de evitar para não nos “roubarem” a alma. Uns e outros só actuam ou só dão pela nossa presença quando estamos na nossa forma não-física. Há os negros demónios de capa que querem sugar a vida de O’Connor, mas que lhes podemos dar o mesmo tratamento, e há os demónios que aparecem no chão numa massa ardente à espera que algum ser imortal pise e o leve para as profundezas.

A morte de O’Connor fê-lo estar consciente das poderosas forças sobrenaturais e fê-lo entrar em contacto com outros mortos que partilham o espaço dos vivos como que numa outra dimensão. A sua aparência não física dá-lhe poderes ocultos, embora limitados, que o fazem interagir com o meio de forma diferente do que se estivesse vivo. Na sua aparência espectral, O’Connor consegue passar por entre portas e paredes onde deixa um ranho de ectoplasma, mas há também aparências fantasmagóricas de paredes e móveis supostamente do passado que não consegue ultrapassar. Estas aparições que o impedem de caminhar constitui parte de puzzles, todos muito simples de resolver. Por outro lado há a capacidade em possuir os vivos, com a função de ler os pensamentos, na maior parte deles desinteressantes, incutir um pensamento para influenciar uma conversa e assim obter provas, ou usar a visão para ler documentos que constituem também provas. Entrar na mente de uma pessoa podia dar azo a infinitas oportunidades para criar situações entre NPCs, mas nada disso foi explorado. Perdeu-se uma rica oportunidade em causar o caos; aproximar um casal com conversas menos apropriadas; fazer um polícia perder as estribeiras; ou simplesmente usar os corpos como peões. Não possuímos um ser vivo para podermos controlá-lo como bem entendermos. O máximo que nos é permitido serve para entrarmos num corpo que faz um determinado percurso e assim ultrapassar determinados obstáculos, como por exemplo passar desapercebido por entre demónios.

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Olha, para ti, colgate, sensodyne e lixívia juntos!

 

A melhor parte desta capacidade em possuir é quando entramos na pele de um gato. Estes felinos são os únicos que podemos controlar o corpo. Não há cães, não há zebras ou macacos. Só dois ou três gatos. Ah, e miam. Podemos roçar as pernas do cozinheiro num miar incessante para que este nos dê comida, mas o cozinheiro é um bastardo que não nos liga nenhuma, representando mais uma oportunidade perdida para sair da linear jogabilidade. E é nesta parte que sentimos maior autonomia pelo facto de aceder a zonas que só um ser mais pequeno e equilibrista consegue, porque mesmo conseguindo ultrapassar paredes, não se entenda que esta aptidão faculte uma grande liberdade ao deambular por Salem. São ruas que nos levam de ponto A ao ponto B, sem grande margem para explorar ou para deparar-nos com missões secundárias ou mesmo situações que nos fazem captar a atenção. Nem o próprio cenário nos faz parar dez segundos para enriquecer a vista.

Existem alguns factores que fazem de Murdered um pouco mais desafiante, e que tornam o mundo mais interessante, dos quais já foram referidos anteriormente: Os demónios e os objectos espectrais. Contudo, nenhum deles representam grande dificuldade. Os demónios não ficam mais fortes e os objectos não são propriamente dispostos de maneira mais complexa à medida que avançamos no jogo. Matar um demónio é tão simples quanto esperar que se vire de costas e escapá-los é tão simples como andar a saltitar entre “falhas temporais”, como assim lhes chamo. E evitar os demónios do chão é tão simples quanto: 1) passar pelo lado. 2) usar uma acção “poltergeist” que chama a atenção de um NPC e o faz desviar o seu usual percurso para o podermos possuir e assim voltar ao ponto onde se encontrava, ultrapassando os demónios numa forma física. A acção “poltergeist” permite interagir com determinados objectos (rádios, vetoínhas, impressoras, etc), mas que na maior parte só estão lá para encher chouriços. Tal como estão os muitos coleccionáveis.

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He just needed a bathroom to make a poop.

 

Durante a resolução de puzzles, não senti a divertir-me como esperaria, porque não há um gradual desafio nos níveis nem a parte da descoberta é interessante. Andar através dos níveis em Murdered é como andar numa gaiola com uma impaciente espera que passe ao próximo cenário. O pior é durante as investigações. A primeira parece captar a atenção por ser novidade, mas as seguintes passam-se sempre numa mesma iteração, isto é, andar num espaço pequeno à procura de pistas (que nos mostra quantas são e quantas nos faltam desvendar) e não mescla as provas encontradas com outras ocasiões, pelo menos na maior parte deste thriller. Após encontrar suficientes provas, é tempo de analisar o que nos mostram as provas disponíveis, mas não há consequências no caso de errar. Caso não seja resolvido à primeira (mas que facilmente se resolve), a única consequência é perder pontuação. E de que serve esta pontuação? De nada em concreto que implique na história. Podemos optar por jogar o pim-pam-pum que não haverá qualquer consequência maior.

O melhor: A relação com o julgamento das bruxas de Salem. A possessão do gato.

O Pior: Investigação demasiado fácil, puzzles pouco desafiantes, história vulgarmente parecida com maus filmes policiais.

Murdered: Soul Suspect não parece estar inclinado para um desafio intelectual, mesmo que esteja em causa a perseguição de um assassino em série. Os puzzles são repetitivos e extremamente pouco desafiantes, o que pode ferir a susceptibilidade de alguns jogadores; a investigação é estupidamente fácil, com questionários preto no branco, e sem quaisquer consequências em caso de erradas suposições. Os ambientes supõem querer assustar o jogador, ou pelo menos amedrontar, mas não há uma ocasião que eleve o batimento cardíaco ao pico. Este jogo é sobre fantasmas, a imortalidade, o julgamento das bruxas de Salem e sobre um assassino em série difícil de apanhar. Não por causa da falta de provas mais que evidentes, mas pela linear jogabilidade que não nos dá margem para explorar outros caminhos.

Versão testada: Xbox 360. Também disponível para PC, PS3, Ps4 e Xbox One.