Uma análise à Trilogia Denpa Men

Que a Nintendo é uma empresa peculiar já todos sabíamos. E que de alguma forma ter 30 anos ou mais e ainda vibrar com muitos dos seus lançamentos e com a quase totalidade dos seus IPs ou nos remete para um Síndrome de Peter Pan sintomático ou a qualquer outra situação que não conseguimos definir. É claro que o maior exemplo de adultos que tentam a todo o custo deixar uma parte de si com a ingenuidade pueril tem em Miyamoto um dos seus exemplos de maior sucesso. Ainda há pouco ele mesmo defendia que poder-se-á definir a Nintendo enquanto um género só, e sempre que vemos algumas das formas da companhia de abordarem território desconhecido, temos de alguma forma de lhe dar um pouco de razão.

Quando Denpa Men: They Came By Wave foi lançado em 2012 (no início no Japão e na segunda metade do ano no Ocidente) em exclusivo para a 3DS e que trazia em si grande parte das mecânicas e conceitos que fizeram de Find Mii 1 & 2 um grande sucesso. Na sua base, qualquer um destes três não eram mais do que RPG por turnos com uma abordagem tipicamente nipónica mas com um ambiente distante de muitos dos épicos que foram adornando os catálogos da Nintendo. Para quem esperava heróis de capa e espada, feiticeiras de ceptros mágicos e vilões assustadores que nos impelem a derrotá-los. Denpa Men é tudo aquilo que esperaríamos de um RPG original da Nintendo: excêntrico, divertido, surreal e sem se levar excessivamente a sério.

Conceptualmente percebemos rapidamente que os Denpa Men são criaturas andróginas que vivem nas ondas que nos rodeiam e que podem ter todo o tipo de formas, cores, e poderes. Já que a captura destes mesmos homenzinhos (ou mulherzinhas) depende da utilização das capacidades de Realidade Aumentada da nossa 3DS, deixa-nos de certeza uma série de dúvidas na mente. O que me levou a pensar se inadvertidamente não terei inalado alguns quantos Denpa Men, sendo que muitos deles, qual ácaros invisíveis a olho nu, poderão estar ainda presos nos meus pelos nasais. Sem estranheza na minha última afirmação, já que coincide com uma típica divagação do enredo de Denpa Men: a capacidade de não se levar a sério começa no conceito no jogo, no aspecto dos seus personagens (uma série de homens com e sem bigode a vestirem pijamas de corpo inteiro quais Teletubbies) até aos habitantes das ilhas digitais onde o jogo se passa.

Denpa men 01

Os Teletubbies nunca foram tão másculos!

 

Todas as mecânicas do jogo são bastante simples, o que não significa porém que qualquer dos jogos da série sejam fáceis. Muito longe disso aliás, mas em parte atribuo a dificuldade à necessidade constante de grindar níveis para os nossos Denpa Men. É mais do que tudo na diversidade destas criaturas que temos parte do sucesso da nossa campanha, mas se escaparmos demasiados random encounters vamos ter os personagens fracos em comparação com os inimigos que encontramos ao progredir.

Como disse há pouco, nós vamos conseguindo encontrar e capturar estas criaturas nas ondas que nos rodeiam. O que na prática significa que a série encontrou um algoritmo que cria Denpa Men diferentes pelos MAC Addresses dos routers que a placa de WLAN da nossa 3DS encontra, e apresentam-nos figurinhas mais versadas no combate ou nas artes mágicas. É que cada um dos Denpa Men podem vir mais apropriados para o combate físico, com valores altos de vida e de ataque, enquanto outros, com uma antena na testa, podem trazer uma miríade de poderes mágicos, ofensivos e defensivos.

Denpa Men 02

Olá, eu sou o Matt, e sou o primo emo do Mario!

 

Apesar de em muito se assemelhar a um JRPG típico, em que começamos com uma equipa de quatro e que será “expandida” até oito, o combate assume-nos uma dificuldade táctica diferente. Se o habitual no género é assignar para cada membro da nossa party uma tarefa a executar e um alvo para a mesma, nesta série temos de definir acções genéricas para todos, e cujos alvos serão priorizados pelos próprios Denpa Men. Podemos apenas indicar-lhe para atacarem os adversários e para gastarem (ou não) recursos para utilizar habilidades mágicas. É claro que percebemos o algoritmo de prioridade em todos os envolvidos, sejam os nossos Denpa Men, sejam os nossos adversários, de derrotar primeiro os utilizadores de magia. O que nos obriga, como é óbvio, a tentar ter a equipa o mais afinada possível dentro do conjunto de Denpa Men aleatórios que capturámos no ar.

Depois do primeiro Denpa Men, que dispunha de uma média de 10 horas de jogo, em 2013 saía a sequela Denpa Men 2: Beyond the Waves que produziu um salto considerável na complexidade do jogo. A começar pelo tempo médio de jogo apresentado que ronda as 40 horas, e a terminar na extensão de side quests, dungeons que aumentaram exponencialmente em relação ao primeiro jogo e alguns combates multijogador na Arena inaugurada. De base, aquilo que sentimos que a Genius Sonority fez nos três jogos e que culminou (até agora) no jogo lançado este ano também para a 3DS, Denpa Men 3: the Rise of Digitoll, foi complexificar progressivamente de jogo para jogo, trazendo maior conteúdo principal e maiores possibilidade de objectivos secundários, desde pescar a plantar flores.

Denpa Men 03

Alguém andou a brincar com a poeira debaixo do tapete.

 

O argumento algo non-sense é um dos pontos fortes do jogo e que assume uma coesão perfeita com o espírito da série. Desde os diálogos algo crípticos dos habitantes amarelos deste mundo digital que nos vão fazer encetar verdadeiras “Caças aos Gambuzinos” para perceber o verdadeiro significado das suas frases encriptadas até à compreensão da organização social destes personagens que parecem trazer o ambiente natural de um JRPG com a extravagância surrealista da Nintendo.

Em Denpa Men 3: the Rise of Digitoll continuamos com os mesmos poderes elementais em batalha herdados da série Pokémon, e uma série de demandas por roupas e acessórios estranhos mas que tornam os nossos Denpa Men progressivamente mais poderosos. E no bom espírito da série, o equipamento que vamos encontrando não são mais do que pijamas com padrões, desde riscas, xadrez, ou bolinhas, associados a máscaras ou luvas mais apropriadas para uma Festa do Pijama do que para salvar o mundo. Mas hey!, não esqueçamos que este é um JRPG oriundo da Nintendo. Com pijamas. Salvar o mundo em pijama. Nem o Malato na sua narração do saudoso Nunca Digas Banzai (Takeshi’s Castle no original) pensaria em algo mais aleatório. Pijamas. Temos dito.

O melhor: o conteúdo, a longevidade, o preço, a originalidade.

O pior: a repetitividade, a aura non-sense pode afastar demasiada gente, o grinding.

A trilogia de Denpa Men é extremamente compensatória quando avaliamos tempos versus investimento. Em promoção conseguimos adquirir os dois primeiros por cerca de 4,99€ o que significa que por menos de 20€ podemos ter um dos JRPGs mais aleatórios de que há memória. É verdade que pouco foi sendo adicionado entre cada um dos 3 jogos, mas percebe-se perfeitamente que o estúdio quis manter o conceito e as mecânicas base intactas e complexificar tudo o que rodeia a narrativa. A série Denpa Men é sem dúvida uma das grandes surpresas da Nintendo eShop e que acabam por sofrer de um certo anonimato quando postas lado-a-lado com outros gigantes. Não deixa de ser, porém, uma das melhores ideias e execuções num género algo repetitivo, e que assume essa repetição ao auto-parodiá-la. E ainda salva o mundo com o todo o heroísmo vincado e inesperado de um grupo de gente vestida de pijamas coloridos.

A trilogia Denpa Men é exclusiva da 3DS.