Já muita mitologia foi usada como fonte de inspiração para videojogos… Desde nórdica a japonesa.

Confesso que foi a primeira vez que vi um jogo baseado em folclore chileno do século XIX, mas desta vez a produtora chilena (duh!) Ace Team decidiu lançar este título como contribuição para a minha bucket list, ou seja, já posso dizer que conheço folclore chileno do século XIX antes de morrer. Já me imagino no meu leito de morte, numa chamada de skype ou o equivalente tecnológico da altura, com os meus netos e dizer: “Hoje morro, mas ao menos fiquei a conhecer folclore chileno do século XIX… adeus mundo cruel!”.

Abyss Odyssey é um brawler de plataformas, com alguns (muito poucos) elementos de beat’em up com níveis gerados processualmente, querendo dizer que os níveis serão sempre diferentes em cada playthrough do jogo.

História à parte, o traço mais impressionante deste título é o que nos assalta logo da primeira vez que abrimos o diário do bruxo, ou seja, os visuals. Posso desde já afirmar que em termos de espectacularidade e beleza, este jogo tem dos melhores estilos gráficos que alguma vez vi num jogo de plataformas deste género, pois mistura arquitecturas antigas com um estilo art nouveau que são um verdadeiro festim para os olhos, com backgrounds até perder de vista e com um nível de pormenor impressionante.

Varrer

Pelos vistos o bruxo tirou uns cursos de arquitectura nas horas vagas

 

O jogo desenrola-se em torno de um bruxo muito poderoso que, ao adormecer para uma siesta de final de tarde, começou a ter pesadelos que se transportaram para a realidade. Isto foi extremamente chato para os habitantes da aldeia chilena directamente acima do abismo para onde o tal bruxo decidiu ir dormir… Recorda-me o meu vizinho de baixo, mas no caso dele não são pesadelos, são gases. De qualquer forma, não sei o que será pior.

Os inimigos são, portanto, manifestações corpóreas dos pesadelos do bruxo tais como golems de madeira, demónios, criaturas da mitologia chilena (um estranho híbrido entre um pássaro e uma mulher chamado voladoras), e o próprio Satã… Diabo, Lúcifer, Estrela da Manhã ou, para os amigos, Zé.

Este é, pessoalmente, o inimigo mais interessante do jogo. Pois segundo uma das muitas peças do diário do bruxo que vamos recolhendo ao longo do abismo (a história descrita nas mesmas é verdadeiramente fascinante), este é uma representação de uma história que o bruxo leu sobre o violinista italiano Paganini, que segundo relatos devia o seu talento em tão másculo instrumento a um pacto que fizera com o Diabo. Uma espécie de Robert Johnson da música clássica. De qualquer forma, este inimigo apresenta-se a tocar um violino de uma forma muito extravagante.

Diabo

Devia ter usado um factor 50… o sol no Chile não brinca

 

Nota muito especial também para a banda sonora e para o voice-acting, que são quase sempre irreprensíveis. Contribuindo e de que maneira para que o ambiente onírico do jogo seja transmitido muito bem.

No inevitável tópico das mecânicas, este revela-se um pouco como o calcanhar de Aquiles deste jogo, pois tenta seguir uma espécie de sistema metroidvania, mas que em resultado se torna num título com um map system muito confuso por vezes, havendo picos de dificuldade que quase me levam a pensar que o jogo está a fazer batota tal é a frustração.

No reverso da medalha o sistema de combate é relativamente simples, com a possibilidade de desbloquear combos e golpes especiais à medida que vamos ganhando experiência, bem como novas armas com um sistema simplista de estatísticas, que nos informa do mínimo dos mínimos, como por exemplo, o dano que a arma dá e se tem algum tipo de propriedade especial tal como fogo, gelo, etc.

Em termos de personagens jogáveis, também aqui há uma “novidade” peculiar, pois se morrermos com algum dos personagens principais, iremos tomar controlo de um soldado que através de um sistema de checkpoints, poderá ser usado até um determinado ponto no mapa que nos permitirá ressuscitar o nosso personagem, sendo o meu preferido o “lenhador” que é um soldado que ostenta uma farfalhuda barba e manuseia um machado. Gostei desta mecânica.

Lenhador

Ehhh, touro lindo!

 

Uma particularidade interessante deste jogo é que o conteúdo se vai expandido de cada vez que o último boss (spoiler, é o bruxo) é derrotado, marcado visualmente pelo estado da máscara veneziana na capa do livro que é o menu principal, ou seja, o que a produtora gosta de chamar de community driven progression. Isto levanta a questão de que utilizadores que adquiram o jogo mais tarde, terão inevitavelmente acesso a mais conteúdo de jogo… Não deixa de ser um conceito interessante, mas que a mim pessoalmente me deixa algumas reticencias.

O melhor: Os visuais extremamente bem conseguidos, belíssimos e cheios de estilo, o voice-acting e a história escrita no diário do bruxo é deveras fascinante. O facto de tentar inserir mecânicas de jogo de luta, num jogo de plataformas. O “Lenhador”.

O pior: O sistema de mapas que resulta numa navegação um tanto ou quanto confusa. Os picos e declives de dificuldade que se aliam ao facto das mecânicas de combate serem um pouco difíceis de dominar. O sistema de desbloqueio de conteúdo é, no mínimo, discutível.

Em conclusão, Abyss Odyssey merece sem dúvida, um grande louvor pela tentativa de inovação e de mescla de um 2,5D platformer com mecânica de jogo de luta, por tentar uma abordagem a uma mitologia que pura e simplesmente ninguém conhece, e pelos visuais e voice-acting belíssimos. Talvez com o passar do tempo e com o desbloquear de mais conteúdo, este título venha a ser obrigatório para qualquer fã do género, mas receio que no seu estado actual, um jogador mais casual se vá aborrecer com alguma facilidade, pois uma playthrough normal demora cerca de 3/4 horas.

Abyss Odyssey estará disponível para PC, XBLA e PSN. Analisada a versão de PC.