Uma análise a Aban Hawkins & 1001 Spikes

Os videojogos, enquanto manifestação cultural, começam a evidenciar linhas de pensamento, tendências, correntes artístico-conceptuais. E das diversas aproximações criativas ou investigativas que podemos ter sobre a área, há um pequeno nicho que começa a demonstrar a sua dimensão: a dos jogos ultra-difíceis.

Aban Hawkins & 1001 Spikes, a mais recente criação do estúdio indie Nicalis apresenta-nos um dos jogos mais desesperantes de todos os tempos. Felizmente que a meio do desespero e da frustração há espaço para reconhecer que apesar do sadismo criativo dos seus level designers, Aban Hawkins & 1001 Spikes é um belíssimo jogo. O ambiente retro 8 bits não se limita a ser o fruto de uma tendência revivalista, mas sim uma verdadeira transposição do feel dos jogos da NES, e acima de tudo a dificuldade inerente aos jogos de plataformas que acompanharam o nosso crescimento mas com uma imprevisibilidade e crueldade exponenciadas à milésima potência.

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Ela está a saltar para trás. Sim, aquilo é um rato.

 

Aban Hawkins, o nosso protagonista, parece um cruzamento 8 bits entre o Indiana Jones (a sua influência espiritual) e o Lemmy Kilmister. Como se o estilo de vida bon vivant de Lemmy fosse tão extremo que lhe permitisse reproduzir-se com personagens ficcionais como o Dr. Henry Jones Jr. e ter como progénie um sprite animado em 8 bits. O número de pixels disponíveis no modelo não nos permite perceber se um dos pequenos quadrados do rosto é a gigantesca verruga de Lemmy, ou se no caso foi essa mesma verruga que desenvolveu uma cara em anexo. Maldita resolução.

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Lemmy Jones, I presume?

 

Ao bom estilo dos jogos de plataformas cujo sadismo e dificuldade nos fizeram atirar comandos à parede, gritar com CRTs a preto e branco e chorar em posição fetal no canto da nossa sala enquanto tínhamos sonhos com hamsters e a Ana Malhoa (não perguntem nada sobre isto por favor), Aban Hawkins & 1001 Spikes apresenta-nos 1001 vidas para tentar passar os seus níveis. Em cada um deles, o número de formas que temos de morrer é tão extrema e diversificada que quase conseguimos ouvir o riso sádico-maníaco dos seus criadores em cada pedra que nos esmaga, espigão que nos empala, ou projéctil que nos esventra. Morremos de diversas formas, a maioria inesperada, o que nos vai obrigar ao estilo old school a memorizar o trajecto necessário e aplicá-lo com a maior precisão e sentido de timing possíveis, em que cada erro significa morte instantânea.

O jogo permite também co-op local de até 4 jogadores que exponenciam a frustração, ao vermos em simultâneo uma série de armadilhas a serem despoletadas e todos os personagens a caírem como tordos. Para além de Hawkins o jogo permite também desbloquear cerca de 20 personagens de outros jogos da editora, e que permitem a criação do caos pelos templos de sadismo-masoquismo de Aban Hawkins & 1001 Spikes.

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A imagem mais frequente do jogo.

 

 O melhor: a dificuldade, o desafio, o verdadeiro feel 8 bits.

O pior: a sua dificuldade circunscreve-o a um pequeno nicho.

Na corrente de jogos hiper-difíceis Aban Hawkins & 1001 Spikes assume a dianteira como um dos jogos mais desesperantes que já joguei. Não fosse a possibilidade de fazermos skip a alguns níveis e voltarmos lá a posteriori, e a nossa gritante frustração far-nos-ia encostar o comando e tomar alguns calmantes. Porém, a Nicalis conseguiu criar uma das maiores homenagens aos antigos jogos de plataformas e que galardoa a destreza e a perícia. 1001 Spikes deve ser tomado com algum cuidado, em pequenas doses, e de forma compassada. A grande qualidade e dificuldade que apresenta não são para ser tomados de ânimo leve. Porque 1001 Spikes é sinónimo de muitas mortes, sádicas, inesperadas, descontroladas, frustrantes. Mortes às centenas e aos milhares. Mas duma argúcia tétrica que nos faz sentir recompensados por ultrapassar.

Aban Hawkins & 1001 Spikes está disponível para PlayStation 4, PS Vita, Wii U, Nintendo 3DS, PC e Atari 2600. Jogada a versão de PC.