Uma viagem por Lego City Undercover
Ainda pertenço a uma geração que foi criança nos anos 80, e cuja lenta abertura comercial do País ao resto do mundo embatia de frente com a crise económica e os recursos ao auxílio do FMI. O que significa que para uma família de classe média dos anos 80, comprar conjuntos de Lego era um total disparate, o que me (e nos) levou a aceitar(mos) o que tínhamos e a dar-lhe o valor merecido. E é essa uma das razões pelas quais todos os meus brinquedos estão intactos apesar de terem sido manuseados diariamente durante a minha infância. Perder, estragar, ou partir um brinquedo significava que não existiria um igual para o substituir.
É claro que todos ficámos felizes com os conjuntos de Lego que íamos recebendo da família. Mas a nossa imaginação ia sempre mais longe, e era alimentada pelos sádicos anúncios que passavam no Canal 1, e que mostravam uma série de peças e construções de Lego que nos deixavam os olhos a brilhar. E construíamos edíficios multi-coloridos e extrapolávamos para cidades agitadas, cheias de vida, onde aqueles seres geometrizados e amarelos conviviam na azáfama quotidiana. E éramos felizes enquanto deuses pueris com uma civilização para gerir, e para construir tijolo colorido a tijolo colorido, com uma integridade estrutural que nos parecia inabalável.
O sucesso das utilizações da companhia dinamarquesa Lego em mistura com franquias de sucesso tem resultado nos videojogos mais divertidos dos últimos tempos. E foi acima por isso que a união entre a Nintendo e a TT Games para produzir Lego City Undercover e Lego City Undercover: Chase Begins acarretava uma gigantesca dose de risco. Porque até então, associávamos o sucesso dos jogos de Lego à junção equilibrada dos famosos brinquedos a personagens e séries emblemáticas. Mas City Undercover, os exclusivos da Wii U e 3DS vieram provar-nos o contrário.
Apesar de, segundo a avaliação completionist do Miguel nos advertir para o facto de que estes não são de todo os melhores jogos a utilizarem as peças Lego como base criativa, mas serviu como um belíssimo embrião para a exploração do mundo aberto e para o sucesso infinitamente mais afinado alcançado com Lego Marvel Super Heroes..
A opção de desenvolver este jogo em mundo aberto veio alimentar os nossos sonhos de criança. Mesmo ali, à nossa frente, ganha vida um exemplo de cidade que construímos parcialmente com as nossas peças Lego e na íntegra com a nossa imaginação. Carros de bombeiros e de polícia, transeuntes que andam pelos passeios, prédios, helicópteros, árvores, arbustos, estações de serviços, correios, polícia e bombeiros, e tudo funcional. Uma outra vida paralela à nossa, que parece saída da nossa imaginação infantil e transportada para o ecrã das nossas consolas.
Mas viajar nestas cidades traz-nos algo inimaginável e que ultrapassa as nossas expectativas guardadas na memória: entrar em cada edifício é uma verdadeira delícia, em que todos os acessórios, mobiliário e personagens são Lego, e que nos fazem sentir que estamos a observar um gigantesco terrário de figuras amarelas com vida que desenvolvem as suas vidas sem terem a percepção de serem observadas. Lego City Undercover deverá ser experienciado pela criança que ainda guardamos no nosso peito, e deixá-la livremente passear pela cidade como se de uma construção física se tratasse. E que este turismo mnemónico seja razão suficiente para irmos à arrecadação buscar as nossas peças Lego e espalhá-las no chão da sala, e construir cidades imaginários como Arquitectos de Sonhos que nunca deixaram de ter o poder mais simples que nos é entregue à nascença: sonhar.