Uma análise a Valiant Hearts: the Great War
Não há nada de belo na guerra. Não há nada que enalteça o Homem, que o faça crescer. Mas há muito que traz à tona: o que de mais desprezível temos, que nos envergonha e que nos envergonhará até que deixemos de existir.
Há exactamente cem anos atrás a Europa, e por arrasto o resto do Mundo, mergulhou numa espiral de caos que durou 4 anos e que foi, até vinte anos depois, a época mais sangrenta e barbárica da nossa História. A grande tristeza que nos acomete, passado um século de tal tragédia, é que percebemos que pouco evoluímos humanamente desde aí, e que as lutas geo-políticas continuam a por em risco a paz mundial. O que só prova a nossa incomensurável estupidez e desumanidade.
Esquecer nunca é a forma correcta de se crescer. E se os videojogos têm mais do que tudo um papel didáctico, há também uma grande componente pedagógica que é por si assumida, e que tem neste Valiant Hearts: the Great War um dos seus exemplos mais cabais.
Não é segredo que este Valiant Hearts: the Great War era o jogo que eu mais esperava experimentar de todo o espectáculo de fumo e espelhos que foi a E3 2014. E após terminá-la, acompanhado pelo aperto no peito que ficou, mas que era totalmente esperado por mim, tenho de o definir como um dos melhores lançamentos do ano.
Toda a vertente didáctico-pedagógica do qual falei centra-se na parceria que a Ubisoft (e a sua divisão UbiArt) criaram com a organização Mission Centenaire 14-18 e o filme Apocalypse World War 1, que trazem uma série de informações detalhadas sobre os eventos da Grande Guerra e que podem ser consultados à medida que a narrativa avança. É curioso como os argumentistas conseguiram “desenhar” um ambiente e um peso emocional tão avassalador sem o recurso ao choque visual, mas auxiliados, porém, pela banda-sonora entristecedora que nos rouba o sorriso quase de imediato.
Valiant Hearts: the Great War, tal como esperávamos do pouco que tinha sido divulgado publicamente, não é de todo um jogo para ser jogado de ânimo leve. Apesar da sua maravilhosa estética de Banda-Desenhada franco-belga, que demonstra as qualidades artísticas dos seus ilustradores, assim como as potencialidade do motor UbiArt, a carga emocional que o jogo nos traz chega a ser arrebatadora. Toda a beleza visual e os detalhes que suavizam um pouco o peso sentimental da narrativa, não chegam a proteger-nos do embate emotivo a que o jogo nos expõe. E dessa forma, percebemos também, que a Grande Guerra foi ontem, e que todas aquelas histórias poderiam ser vividas hoje.
Do ponto de vista de argumento há uma construção, ritmo e dinâmica narrativas que criam uma linha de coesão entre a simultaneidade das histórias dos quatro personagens (cinco se contarmos com Walt, o fiel cão que nos auxilia pelo decorrer do jogo).
Valiant Hearts: the Great War acaba por ser uma boa volta ao género das aventuras gráficas e dos puzzles, ao misturar a sua vertente side scrolling com algumas mecânicas de física e de arremesso que nos relembra, de forma exageradamente diferente, Worms. Se o ritmo narrativo está bem-construído, o game design e os puzzles também não lhes ficam atrás. Apesar dos puzzles não serem difíceis, regra geral, existe uma quase constante necessidade de ultrapassar obstáculos e resolver problemas que preenchem de forma fluída e honesta as sete horas em que decorre o jogo.
Com as diversas facções e nacionalidades em jogo, apenas o narrador tem uma expressão oral de comunicação. Tal é a influência da BD em Valiant Hearts: the Great War, que se sente não na inclusão de vinhetas na sequência de acção, o recurso a uma série de linguagens da Nona Arte, mas que têm a sua maior expressão na utilização de emanatas enquanto único recurso de comunicação dos personagens. Recurso este que não só é suficiente para manter a atmosfera e a pressão (e opressão) de um cenário de guerra, como nos é suficientes a nós, espectadores interventivos da belíssima história que se desenrola à frente dos nossos olhos. Não fosse um jogo e Valiant Hearts poderia ser uma das melhores abordagens que o cinema de animação poderia ter sobre a temática, desde que conseguissem uma boa transição da bem-conseguida, ainda que exasperante, carga emocional que o constitui.
As metáforas presentes em todo o jogo são mais que muitas. Acredito que muitas sejam intencionais, e algumas outras sejam extrapolações artistico-conceptuais que fiz na tentativa de atentar a todos as pequenas subtilezas em primeiro, segundo e terceiro planos. A começar pelo facto de que, no meio da Primeira Grande Guerra, nenhum dos quatro protagonistas empunha uma vez que seja uma arma. E a terminar pela decisão artística de não mostrar os olhos a nenhum personagem do jogo à excepção de um: Victor, o filho de Karl, o piloto alemão que controlamos em parte do jogo. O que demonstra a verdadeira abertura humana de uma criança, e que lentamente vamos perdendo como preço pelo nosso crescimento.
O melhor: o visual, a carga emocional, a banda-sonora, a vertente pedagógica, o ritmo narrativo apesar da simultaneidade dos enredos.
O pior: puzzles um pouco fáceis.
Valiant Hearts: the Great War cumpriu as minhas expectativas de melhor jogo da E3, e figura neste momento, para mim, como um dos melhores do ano. Não vai conquistar ninguém pelo seu fogo-de-artíficio, porque não os tem. Mas tem uma direcção artística exímia que se enquadra na perfeição com o alto pendor emocional que o jogo intenta em trazer-nos. E durante a sua narrativa arrebata-nos, faz-nos pensar, segurar lágrimas, e entristece-nos com a história e com a nossa História. Porque como disse, esquecer nunca é o caminho certo. E Valiant Hearts ficará para sempre na minha memória como a experiência emotiva que foi.
Valiant Hearts: the Great War está disponível para PSn, XBLA e PC. Jogada a versão de PC.