Em 2013 a Microsoft decidiu fazer na Gamescom um pequeno evento “à porta fechada” para 100 jornalistas. A presença portuguesa coube-nos a nós num evento que nem sequer tinha streaming para a web. Compreendia-se o porquê. Depois de uma apresentação ao mundo desastrosa, de um evento na E3 2013 que acabou eclipsado pelo da Sony e da ausência de lançamento na maior parte dos países Europeus, a Microsoft preferia investir menos e guardar as suas armas para um momento melhor. Esse momento é claramente 2014, quando a PS4 já está na Europa mas ainda sem catálogo considerável, quando a WiiU não se afirma neste mercado em números consideráveis e quando a Xbox One (mesmo com pouco catálogo) vai ser uma novidade em muitos países a partir de Setembro. As novidades, mesmo as que não precisamos, são sempre apetecíveis. Por isso, desta vez, a conferência não só recebeu mais pessoas como se abriu em streaming aos milhões pela Europa e mundo fora.

Ao contrário da Sony, A Microsoft chamou o seu homem forte principal ao palco. Phil Spencer (aquele que está sempre tão rígido e direito que parece estar eternamente a recuperar de um escaldão nas costas) liderou uma apresentação concentrada em jogos e felizmente a deixar de lado o habitual momento em que falam dos serviços de televisão e de como vão revolucionar a nossa sala de estar. Esses momentos que parecem as músicas durante a cerimónia dos Óscares estiveram afastados para dar lugar àquilo que nós queremos de uma Xbox One. Diversão jogável. E nesse campo, está muito a caminho da nova máquina da Microsoft.

 

Acreditamos piamente que Phil Spencer leva sempre com um taco de Cricket nos rins antes de entrar em palco.

Acreditamos piamente que Phil Spencer leva sempre com um taco de Cricket nos rins antes de entrar em palco.

 

Na Europa, dá-lhes bola

Tal como no ano passado, a Microsoft usou FIFA e resolveu trazer uma lenda do futebol ao palco. Se no ano passado fomos brindados com Rudd Gullit, este ano foi ao ex-sportinguista e guardião mítico do Manchester e da selecção alemã Peter Schmeichel que coube apresentar novidades ao rooster de FIFA Ultimate Legends. Isto para muitos pode parecer apenas um extra adicional que não vende consolas mas estão todos muito enganados. Falem com qualquer lojista de um espaço comercial que venda videojogos na Europa e vão perceber que a maior parte dos jogadores compra apenas dois jogos por ano. Call of Duty e FIFA. Se forem analisar então o caso português vão encontrar entre as vossas amigas, os vossos familiares, primos, tias e conhecidos, uma quantidade surprendente que só compra o FIFA todos os anos, e é para esse jogo que têm uma consola em casa. Daí que um exclusivo que incluí na Ultimate Team um modo com lendas do futebol internacional (onde também se encontram Figo, Rui Costa, Pauleta ou Futre) é razão de escolha para uma consola. Este ano juntam-se às lendas nomes como Roberto Carlos, Valderrama (o cromo que era o maior cromo nas nossas cadernetas), Baresi ou Alan Shearer entre muitos outros. Mas temos que destacar, ou não fossemos nós os cotas dos videojogos, o regresso de Butrageno às nossas consolas, desaparecido desde o mítico Emílio Butrageno Futbol nos primeiros Amstrad e Euroschneider PC’s.

 

Mas não foi com FIFA 15 que a Microsoft arrancou a apresetação, mas sim com um novo trailer para Assassin’s Creed Unity que serviu para mostrar que o motor de jogo está simplesmente surpreendente nos interiores. Mas como era apenas só isso, um trailer, serve-nos aqui apenas de nota de rodapé.

 

Nós (também) amamos os indies, mesmo os que cheiram a mofo.

Não escapou obviamente à Microsoft a tendência para os gritos da audiência de cada vez que um indie é anunciado numa consola, e a marca Americana quer capitalizar também nesse mercado. Não deixa no entanto de ser curioso que embora seja a Sony que na última década tem feito um enorme esforço na procura e apoio aos criadores independentes (leiam esta nossa entrevista a Alex Lee) foi na Xbox 360 que vimos aparecerem os primeiros êxitos milionários comerciais indies nas consolas com Braid ou com Super Meat Boy. No entanto, a Microsoft nunca soube bem acompanhar este comboio e parece que actualmente está a esforçar-se muito mais, mas ainda com um rumo um pouco confuso.

O que acontece é que a Microsoft colocou em marcha o programa ID@Xbox que foi colocar DevKits nas mãos dos criadores independentes. No entanto, como seria previsível, esses criadores resolveram exportar os seus jogos para a Xbox One em vez de novas criações exclusivas. É certo que muitos destes títulos têm estreia na Xbox One primeiro (falando de versões de consola) mas também é verdade que alguns deles já têm mais de 3 anos de existência. Não deixa de ser uma lista muito grande e fantástica de bons jogos, mas fica a preocupação que a One se torne uma “app store” de milhares de ports (o que pode não ser necessariamente mau, apenas confuso e limitativo às novidades)

A lista é liderada obviamente por Goat Simulator, o merecedor de prémio de melhor jogo de 2014 e ao mesmo tempo de pior jogo de 2014. A Xbox One vai-nos dar um enorme poder de processamento para o caos caprino e resta-nos desejar arduamente que possamos ordenar ao Kinect: “Anda cá minha grande cabra”.

No entanto na lista de mais de 20 indies a caminho queremos destacar Blues and Bullets (um detective game muito noir e que será lançado por episódios); o belíssimo Cuphead que parece saído dos primórdios da animação; Inside da Playhead, aquele que será o sucessor espiritual de Limbo; Lovers in a Dangerous Spacetime, um multi-premiado nos festivais independentes que se estreará na One; The Escapists da Team 17 que felizmente largou as dezenas de adaptações de Worms e está a criar um indie que nos lembra o velhinho The Great Escape no Spectrum; e ainda o genial Superhot, o jogo que só anda quando andamos (para quem não está a perceber, nada como experimentar aqui).

 

No entanto, ports ou novidades, não deixa de ser saudável que a One vá receber tamanha originalidade criativa nos próximos tempos. Esperemos apenas que a Microsoft se dedique mais a apoiar de raiz e não apenas a proporcionar ferramentas. É que os únicos exclusivos que são Below e Ori and the Blind Forest, agora que os vimos a mexer, não parecem assim tão especiais como isso.

 

Os jogos da casa

Master Chief Collection é inevitável um futuro campeão de vendas. Eu comprei a minha primeira Xbox para poder jogar Halo. E confesso-vos que compraria uma Xbox One só para jogar Master Chief Collection. Isso será inteligente? Razoável? Racional? Não, de todo. Mas não jogamos jogos fruto de uma análise racional. Jogamos pelas emoções que nos provocam, porque são a nossa paixão. Halo reinventou o genéro num expoente evolutivo que talvez só Titanfall se tenha aproximado da mesma evolução na história recente. Com todas as criticas que se possam apontar a este ou àquele momento da série Halo, algo se mantém: são extremamente divertidos de jogar. Jogá-los remasterizados, mantendo intactas as mecânicas? Sim. Cash-in por cosmética? Sim. No entanto, who cares?

Forza Horizon 2 veio cumprir calendário com um trailer e as promessas do social e das ligações. Vai existir uma batalha interessante para assistir nos próximos tempos entre Horizon 2, Driveclub e The Crew, jogos com algumas particularidades de mecânicas que os distinguem mas basicamente jogos de condução que apostam na componente social e nas “guerras clubísticas” como característica principal. Assim como nos outros, a assincronia estará presente, o que nos deixa competir com os nossos amigos (ou com os seus fantasmas) mesmo quando não estão presentes, ou então conduzir lado a lado com um amigo nosso apenas a passear pelas estradas do mapa e a conversar, num quase driving-MMO.

 

Fable Legends também marcou uma breve presença e depois do que vimos na E3 2014 não havia nada de novo para anunciar excepto que a Beta para o modo multiplayer em que 4 jogadores controlam os heróis e um quinto controla o vilão arranca a 16 de Outubro.

Ted Price da Insomniac veio ao palco também apenas fazer corpo presente com um trailer de Sunset Overdrive. Ou muito me engano ou a Microsoft tem aqui mais um tiro ao lado. Chamem-lhe instinto, mas Price nos últimos anos tem perdido várias vezes o rumo criativo (como se viu em Fuse/ ex-Overstrike; ou na série Resistance que nunca acertou no ponto certo). Esperemos que não e que a One tenha um grande shooter multiplayer nas mãos. O facto de estar a criar um bundle da consola com o jogo é bom sinal, é indício que acredita no potencial do mesmo.

 

Finalmente Overstrike (direita) ou Fuse 2 (esquerda)?

Finalmente Overstrike (direita) ou Fuse 2 (esquerda)?

 

Phil Harrison (o chefe que ninguém percebe se ainda é chefe) proporcionou o momento WTF do dia ao anunciar Rise of the Tomb Raider como um exclusivo Xbox One. Faltou-lhe uma palavra muito importante: temporário. E essa omissão não é um esquecimento. Acabou por no entanto fazer má figura quando duas horas depois já se via obrigado a confirmar aos media que era um exclusivo temporário até ao final do ano. Os fanboys da PlayStation e do PC gritaram horrores e chamaram vendidos à Square Enix, mas deviam parar um pouco de morder e babar a colcha e parar para pensar. Tomb Raider foi um desastre em termos financeiros para a Square Enix. O investimento feito no reboot não teve o mesmo retorno. Um exclusivo temporário significa vários milhões que a Microsoft coloca nas mãos da Square, e isso torna o desenvolvimento de Tomb Raider 2 (2) menos arriscado. Neste caso, quem está a arriscar mais é a Microsoft, mas palmas para isso.

 

A grande desilusão e a grande surpresa

A desilusão do dia estava reservada para Quantum Break, aquele que todos esperavam vir a ser o primeiro grande êxito que marcava o arranque de uma verdadeira nova geração na One. A nova criação da Remedy de Alan Wake prometeu muito no trailer do ano passado, mas acima de tudo prometeu-nos algo diferente baseado na disrupção do tempo. Agora que o vimos a mexer pela primeira vez pareceu-nos um filho bastardo de Alan Wake, Uncharted e Max Payne. Um shooter na terceira pessoa que durante a demonstração roçou a banalidade frequentemente e que nem os maravilhosos ambientes gráficos conseguiram disfarçar uma jogabilidade banal e desinteressante. É certo que o facto de parar o tempo dar origem a loops temporais e timelines que se cruzam é interessante, mas isso é uma promessa de quem está a falar em palco. Aquilo que vimos foi tudo menos isso. Esperemos que isto tenha feito as campainhas apitarem e que a Remedy consiga inverter algumas ideias de jogabilidade e caminhar para um verdadeiro jogo original.

Mas é nas coisas mais pequenas que por vezes reside a maior beleza, e foi com enorme surpresa que assistimos ao regresso da inglesa Frontier Developments à construção de montanhas russas. A licença Tycoon não pode ser usada? Whatever! Criamos uma nova. Screamride promete ser o Roller Coaster Tycoon 4 que todos estávamos eternamente em espera, desta vez com montanhas ainda mais alucinantes, situadas num futuro próximo em que mais divertido do que construir é destruir. É que se o grito é alto quando a descida é longa, é muito mais alto quando a descida desaparece.

 

Abrir ou fechar com Call of Duty, eis a questão

Neste caso foi fechar. E lá tivemos uma nova demonstração de jogabilidade onde este ano a palavra é exo. Não confundir com Ezio. Aqui temos exo-soldiers, exo-habilities, exo-skeletons, exo-helicópteros (perdão) exo-pontes a cair, entre muitos outros exo. Provalvelmente no dia em que nada cair em Call of Duty vamos todos para a rua andar aos círculos sem saber o que fazer, no meio de pilhagens, caixotes a arder e o célebre idoso a anunciar o fim do mundo. Desta vez é uma ponte, para a próxima cheira-me que se vai afundar um continente. Mas bater no ceguinho não é bonito, e se é certo que Call of Duty também se põe sempre a jeito, também é verdade que pela primeira vez desde o primeiro Modern Warfare apetece-me jogar um COD. Mesmo colocando de parte os on-rails habituais que desta vez são on-highway, a utilização das habilidades especiais parece realmente dar algum gozo. É como se fosse assim um Titanfall ou um Destiny, mas em muito menos bom. Para aqueles que só compram este jogo por ano e que ainda não têm uma Xbox One, a Microsoft tem uma edição especial para vocês com uma skin personalizada no VHS, perdão, na consola.

A conferência da One poderia ter tido mais impacto (a da Sony acabou por ter) num momento em que a consola se vai estrear em Setembro no nosso pais e em grande parte do mercado Europeu, mas foi focada nos jogos (o que é bom) e percebemos que existe uma tentativa de apostar nos produtos certos, incluindo os independentes, nos quais a marca ainda está a tentar perceber bem o rumo, mas onde está presente.

 

O elefante na sala (não, Steve Ballmer já não está na Microsoft) foi o Kinect 2.0. Nem uma palavra, nem um jogo. Mas umas horas depois a marca azul concorrente também teria o seu próprio elefante.

Sony: Nein Kinect???!!!

Microsoft: Nein…

Sony: Ah ah ah!!!

Microsoft: Nein Vita???!!!

Sony: …