Um Chicken Nugget sobre Residue

Não necessitamos de ser o Al Gore, ou qualquer reputado ambientalista para percebermos que a acção humana está a transformar o nosso planeta, e raramente para melhor. Observarmos as profundas alterações que fizemos, em especial desde os anos 1950, é não só assustador como é quase inacreditável. O Mar de Aral, e a paisagem que ele hoje representa, é um dos (infelizes) exemplos vivos (?) dessa triste realidade.

Qualquer pesquisa online por imagens sobre o Mar de Aral mostrar-nos-á uma realidade que mais parece ficção: um longo deserto onde sabemos ter existido outrora água, não fossem os barcos gigantescos que jazem sem vida na terra, num ambiente árido e seco, e que fazem a nossa memória viajar até algumas películas pós-apocalípticas. O grande problema é que nada disto ficcionado, mas sim fruto de desvios de irrigação da ex-URSS após a 2ª Grande Guerra e que levaram ao quarto maior lago do Mundo a possuir apenas 10% da sua água nos dias de hoje.

Residue, o mais recente título do estúdio The Working Parts teima em não querer ser rotulado  por mim como um videojogo. Chamar-lhe-ia mais facilmente uma narrativa interactiva, um quase filme jogável, e que nos remete, desde o tom, ao ambiente que quer passar, para a produção da Nona Arte no Próximo Oriente, que nos vão chegando graças aos festivais de cinema independente.

Residue

O futuro será assim?

 

Em Residue jogamos com três personagens masculinos distintos, em diferentes momentos do jogo. Os três levam-nos a compreendê-los com uma certa metáfora à vida humana. Emilio, o rapaz que procura a sua mãe, Elena Ostrotska, que consegue correr, mergulhar e nadar, representando a inocência e a jovialidade da primeira fase da nossa vida; Nikolai, que consegue escalar graças à  sua corda e arpéu, demonstrando a veemência da idade adulta e Jumagul, o avô de Emilio, que consegue abrir portas e que demonstra a sagacidade e a ponderação que as décadas carregam. Os três personagens vão-se cruzando na sua busca por Elena, que estava envolvida num projecto que visava fazer regressar a água ao Mar do Aral, através de uma organização encabeçada por Nikolai.

O desenvolvimento narrativo é bastante interessante, literário até, e acaba por trazer uma camada explicativa da história recente (e real) daquela zona do Cazaquistão, através de documentos que vamos encontrando e desbloquando pelo cenário. Sendo que as sequências de plataformas e aventura não só são poucos desafiantes como servem apenas enquanto enquadramento da história que estamos a viver.

Se à primeira vista o visual mais áspero, menos depurado acabava por trazer um certo charme indie ao jogo, e que se enquadrava bem com o cenário repleto de barcos sepultados no deserto. O grande problema desta estética é que percebemos rapidamente – por culpa das animações – que o visual adoptado e a fraca qualidade da representação dos movimentos não passam tanto por uma decisão gráfica, mas por incapacidade artísticas de atingir algo mais “definido” e fluído.

Residue 2

Está aí alguém?

 

A história (leia-se jogo) acaba por ser algo curto, mas tem algo que não só permite dar-lhe alguma dimensão e enquadramento, como acaba por ser, possivelmente, um dos melhores elementos de Residue: a sua banda-sonora. Com um misto de desesperante, com experimentalismo típico e com uma sonoridade a trazer-nos reminiscências do Leste, a banda-sonora impede Residue de se afundar no deserto do Mar do Aral.

O melhor: um bom conceito, narrativa envolvente e uma excelente banda-sonora.

O pior: as animações e as mecânicas um pouco bugged.

Residue é um jogo mediano que vive da sua narrativa e da seu excelente banda-sonora. A componente jogável não é mais do que uma desculpa para o enredo que se vai desenrolando, parcelarmente, à medida que avançamos na história. Apesar da execução não estar aos pés do conceito e da intenção base de Residue, que fique pelo menos uma história interactiva que ele nos traz, e que nos marque a nossa acção demolidora no nosso planeta.

Residue é um exclusivo PC.