Uma análise a Hyrule Warriors
Ao longo dos já dezasseis títulos que compõem uma das séries de maior sucesso da curta história dos videojogos e que saiu das mentes de Miyamoto e Tezuka, sempre tivemos um elemento transversal: controlamos Link, um inesperado, porém corajoso herói que sozinho (normalmente) tudo faz para salvar Hyrule da desgraça. O protagonista vive de uma solidão e de um inesperado heroísmo, e para quem conhece minimamente o mundo de The Legend of Zelda sabe que a premissa essencial é esta mesma: um rapaz solitário que tem nas suas mãos o destino do seu mundo.
Perante o tom mais isolacionista que teima em pautar grande parte dos TLoZ – com raras excepções, em que o protagonista é acompanhado de outras figuras – quando foi revelado este crossover entre a série de maior sucesso do catálogo da Tecmo Koei, Dynasty Warriors, e uma das franquias mais queridas e protegidas da Nintendo, uma série de dúvidas levantaram-se na minha mente. A primeira, e mais óbvia é desta solidão que faz parte do pathos típico de Link, independentemente da “linha temporal” e narrativa, ou de qualquer iteração que estejamos a falar. A segunda prendia-se por uma questão de exequibilidade e credibilidade: o cruzamento de duas franquias tão distintas não incorreria no risco de enfraquecer as duas partes que a constituem, e consequentemente, o resultado final?
Dynasty Warriors tem por si só uma série de mecânicas muito específicas que acompanham as dezenas de jogos e spinoffs desde o seu segundo jogo. Para muitos DW oferece muito pouco de jogabilidade para além do constante button-mashing e consequente extermínio de centenas de inimigos por nível. Há quem também o defina como pouco estratégico e repetitivo, vivendo dos efeitos e ataques especiais para trazer algum “sabor” à jogabilidade. E a realidade é que, para mim, estes críticos têm razão. O que não invalida que não seja possível usufruir de algum gozo a jogar alguns dos jogos da série.
Estes cruzamento de DW com outras franquias não é algo novo, e já tivemos no passado recente alguns spinoffs que trazem outros colossos da cultura (especialmente nipónica) para os campos de batalha: desde One Piece, até Gundam, são alguns dos franchises que já se viram transportados para os níveis pejados de soldados tão típico da série da Tecmo Koei.
Estabeleci em Hyrule Warriors um teste de suspensão da descrença que recaía em total nos ombros franzinos de Link. Se fosse coerente a existência do protagonista enquanto general de um exército em pleno campo-de-batalha, então todo o mythos inerente ao jogo estaria assegurado. Hyrule Warriors não só passou rapidamente este teste, como me comprovou que o trabalho de interligação do lore “hyruleano”, das diversas linhas temporais existentes, consegue ser tecido de forma coesa e credível, em que a tensão bélica do campo de batalha é perfeitamente transmissível aos jogadores.
A apropriação de muitos dos ataques e movimentos de assinatura dos personagens de TLoZ, assim como muitos dos itens que fazem parte do imaginário da série ajudam a criar a ambiência certa e a cercar-nos de um conjunto de referências que ajudam a construir a envolvência necessária à nossa inclusão em Hyrule Warriors. E dessa forma esfuma-se rapidamente a estranheza de comandar alguns dos personagens emblemáticos da franquia da Nintendo, desde Link, a Zelda e Midna, em frente de exércitos de centenas de unidades (descartáveis, lá está) mas que dão a veracidade necessária ao cenário.
Sendo verdade que o button-mashing é grande parte da jogabilidade, a utilização de combos, e de desvios aos ataques dos inimigos ajudam a criar uma certa dinâmica que ultrapassa as ideias pré-concebidas mais simplistas do jogo. E é claro que a utilização de contadores de vulnerabilidade, ao bom estilo de TloZ, onde conseguimos explorar as fraquezas dos nossos adversários e desferir ataques especiais, ajudam a quebrar a aparente monotonia que Hyrule Warriors poderia sofrer.
Apesar de ser frequente terminarmos cada nível com perto de 2000 KOs, o verdadeiro desafio deste Hyrule Warriors, a par do que acontece com Dynasty Warriors em geral, é a nossa movimentação pelo campo de batalha, e a forma como conquistamos pontos estratégicos inimigos e os defendemos da reconquista. Encimado, porém, pelas lutas de boss que são a verdadeira dificuldade do jogo e que põem à prova a nossa perícia e o controlo que temos das combinações do personagem que estamos a controlar. E é aqui também que a ambiência de cruzamento perfeito entre as duas séries acontece: os bosses são inimigos clássicos de Zelda, que surgem no campo de batalha como generais ou como criaturas invocadas e que dizimam com facilidade os nossos exércitos.
O melhor: o cruzamento das duas séries de forma eficaz, o ambiente de Zelda num tom mais “bélico”, as animações e diversidade de ataque e jogabilidade dos diversos personagens à nossa disposição.
O pior: a repetição a que o jogo obriga: entre os níveis que se assemelham em excesso uns aos outros, passando pelos objectivos que soam monótonos.
Hyrule Warriors ainda não é o título que criará um hype tal na consola doméstica da Nintendo e que se traduza num aumento exponencial de vendas. E é também um jogo de nicho dos fãs das duas séries, que não só compreenderão a sua existência como ficarão entusiasmados com a abordagem. Para quem está distante de The Legend of Zelda e Dynasty Warriors pouco existe em Hyrule Warriors que seja verdadeiramente cativante. E a prova de que o mythos de TLoZ tem substância suficiente para se enquadrar na dinâmica habitual do jogo da Tecmo Koei. Um bom jogo mas apenas para alguns. Para os restantes é apenas o aborrecimento de Dynasty Warriors transvestido de Zelda.
Hyrule Warriors é um exclusivo Wii U.