Uma análise a Fantasy Life

Quem não tem saudades dos tempos da Super Nintendo e de títulos como Secret of Mana 2, Chrono Trigger e Final Fantasy 6? Bem, provavelmente apenas responderá não quem não os viveu, mas divago.

Para aqueles de nós que sentimos sempre aquela nostalgia quando a Square anuncia o seu novo RPG, e se vê defraudado com as abominações como Final Fantasy XIII e amigos, a Level 5 assume cada vez mais o papel de salvadora, e a velha Nintendo sabe do que nós gostamos.

Para o leitor menos paciente vou ser brusco: levante-se, e vá comprar Fantasy Life para a 3DS, porque o jogo é numa simples palavra “excelente”.

Mas como os habituais frequentadores da capoeira são um pouco mais exigentes, vamos por partes:

O que é Fantasy Life? É um híbrido de um action-JRPG clássico com a dinâmica de profissões que se tornaram populares com os MMORPGs. Friso a palavra “clássico”. Personagens ao estilo manga/anime, com cabeças e olhos desproporcionados, um ambiente muito kawaii com criaturas fofinhas a conviverem com a sociedade humana (neste caso são literalmente peluches vivos), num mundo reminiscente da visão nipónica do que seria a Europa medieval/renascentista com o acréscimo da magia como uma realidade prática (ao invés de superstição folclórica/religiosa). Clássico RPG? Confere. Jovem novato da aldeia, acabado de chegar à cidade para iniciar uma épica viagem em que irá descobrir mais sobre a natureza humana e do mundo, assumindo rapidamente proporções épicas? Confere. Mecânicas de jogo e combate baseados em sistemas numéricos de níveis e atributos que melhoram linearmente com base numa barra de experiência? Confere.

Mas então é um jogo muito baunilha!? Talvez até fosse, e poderia ser um excelente jogo mesmo assim (afinal, todos gostamos de baunilha) não fosse a segunda palavra do título. No mundo de Reveria (onde se passa o jogo), todos os “adultos” escolhem uma Life que será a vocação que vão seguir na vida. É quase como se fosse o seu emprego, mas algo mais. O desemprego não é um dos problemas de Reveria, mas a expressão “get a Life” também é muito mais significativa.

Muito cedo no jogo somos convocados perante o Rei de Castele, de onde somos residentes, com o intuito de escolhermos aquela que será a nossa Vida e assim nos ser dada a Licença que nos permitirá tornarmo-nos aprendizes da nossa vocação. As escolhas recaem sobre alguns dos típicos papéis de RPG’s normalmente referidos como Classes. Podemos tornar-nos Paladinos, Mercenários, Caçadores ou Magos. Fixe! Um sistema de classes. Boa customização. Mas esperem…

Também podemos escolher ser Pescadores, Lenhadores, Mineiros, Cozinheiros, Alquimistas, Ferreiros, Alfaiates ou Carpinteiros. Como? Podemos jogar um JRPG em que somos um “mero” cozinheiro? Yup. Podemos. E quando digo que somos cozinheiros, somos mesmo cozinheiros. Podemos empunhar uma faca para nos defendermos de monstros, mas não sabemos usar mais nenhum tipo de arma, e nem pensem em ir para a cozinha de armadura completa. És um cozinheiro. Cozinhas. É nisso que és bom. É certo que o jogo nos permite (enquanto personagem central) escolher várias Vidas e somos mesmo encorajados a fazê-lo pela nossa tendência natural de querer explorar os ambientes RPG na sua íntegra. Esta multitude de opções “profissionais” cria uma variedade em Fantasy Life que de certa forma não estamos habituados num JRPG, em que regra geral o nosso personagem está bastante definido pelas restrições da estória. Num primeiro momento, é uma lufada de ar fresco que torna o jogo muito mais divertido e empolgante. Mas como não há bela sem senão, gradualmente torna-se claro que esta possibilidade de customização vem com um preço: o fio condutor da estória tem necessariamente de ser mais “genérico” para que todas as Vidas possam completar o jogo sem recurso a “Multi-classe”.

Quando for Grande

Hmmmm… o que quero ser quando for grande?

 

Dito isto, o verdadeiro “sumo” de Fantasy Life está nas várias Vidas que vamos assumindo e na exploração do mundo para que possamos tornar-nos Mestres ou Lendas das nossas Vidas. Os tradicionais drops de equipamento dos RPG são muito raros e ineficientes, e é certo que podemos comprar equipamento nas lojas, mas se for feito por nós podemos obter peças de maior qualidade. Lembro-me de um momento em que estava a começar a ter algumas dificuldades em lidar com as criaturas de uma dada região, por já não trocar de equipamento há demasiado tempo. Pensei: vou subir a minha Vida de Ferreiro e Alfaiate e forjar novas peças de equipamento. O que aconteceu a seguir foi um borrão de (várias) horas em que freneticamente reuni os materiais que ia precisar (subindo as profissões colectoras passivamente), treinei as profissões criadoras, construí os itens novos (de melhor qualidade) e quando dei por mim tinha anoitecido, e a minha pobre 3DS tinha consumido integralmente a sua bateria 2 vezes.

Como já vem sendo hábito nas consolas portáteis da Nintendo, existe um sistema de trocas online, em que podemos trocar itens com outros jogadores (reduzindo a necessidade de termos mais do que uma Vida), e convidá-los para fazerem parte do nosso grupo (até um máximo de 3 membros) e partilhar a experiência de Reveria em grupo. Para os mais ermitas, podemos também convidar alguns NPCs para o efeito.

A economia é sem dúvida um dos focos de Fantasy Life em que temos três tipos de “recursos” (quatro se contarmos a experiência). Dinheiro (Dosh) usamos para comprar e vender os itens e matérias-primas que precisamos. Estrelas são usadas como recompensa dos nossos esforços “profissionais” e são muito semelhantes à experiência (acumulamos para representar a nossa progressão em determinada carreira) e são usadas para destrancar novas receitas e habilidades na nossa profissão, e um terceiro recurso é a Felicidade, que vai subindo à medida que completamos marcos na vida do nosso herói e usamos para adquirir alguns benefícios (como mais espaço de inventário ou a possibilidade de visitar a cabeleireira… em Reveria só podes cortar o cabelo se fores feliz… japoneses!).

Bravo Mundo

Um Bravo Novo Mundo!

 

Fantasy Life é extraordinariamente divertido e sem dúvida que vale a pena pegar no jogo, mas achámos o final da estória decepcionante, e algo anti climático. O modo de estória levado ao seu extremo (sem fazermos side-quests e passando um mínimo de tempo indispensável a subir níveis da nossa profissão) é excessivamente curto, provavelmente será possível acabar o jogo em menos de 10 horas, e apesar da estória nos manter intrigados e na dúvida até à sua conclusão, a mesma é como já dito decepcionante, em última análise.

Mas honestamente: levámos cerca de 40 horas até nos apercebermos disto e mesmo após a conclusão do modo estória, numa vertente open-ended, voltamos a Reveria para continuar alegremente a viver as nossas Vidas. No momento de publicação desta análise continuamos a somar horas em Reveria como se nada fosse. Mesmo com todos os defeitos do mundo que possamos atribuir ao jogo, se continuamos a querer jogá-lo após a sua conclusão, só pode ser um bom jogo!

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A Feira da Ladra de Reveria.

 

Os verdadeiros desafios do jogo (leiam-se Bosses) fazem parte da progressão (opcional) das Vidas, e nesse aspecto estamos muito bem servidos. Não podemos ser Lendas da Cozinha sem os melhores ingredientes, e à boa moda RPGiana os melhores ingredientes são largados pelos monstros mais difíceis. Repetir para as restantes onze Vidas.

O Melhor: a variabilidade e longevidade dos desafios das doze Vidas que garantem um elevado tempo de vida ao jogo. A nostalgia dos visuais e jogabilidade remetendo-nos a alguns dos melhores JRPGs de sempre.

O Pior: desprovido do conteúdo opcional, a jogo torna-se curto e demasiado fácil. A banda sonora torna-se repetitiva ao fim de pouco tempo. A estória é demasiado anti climática.

Fantasy Life é um jogo direccionado aos mais jovens, mas que pode e deve ser apreciado pelos mais velhos. É sobre uma vida comum e a eterna busca pela felicidade. Se quisermos arriscar interpretar o jogo como interpretamos poemas no liceu e secundário, podemos dizer que Fantasy Life nos ensina que a verdadeira felicidade está nas nossas paixões e no produto do nosso trabalho, e nas amizades que vamos forjando ao longo do percurso. E por vezes, as coisas que parecem mais importantes e fulcrais são apenas o planeta a dar mais uma voltinha ao Sol. Na verdade, simplesmente é um excelente híbrido de action-JRPG e crafting game que promete entreter-nos por muitas e largas horas.

Fantasy Life é um exclusivo 3DS.