Uma antevisão a Typoman
Para muitos Garamond, Caslon, Bodoni, Baskerville e Didot são apenas os nomes de tipos de letra, ignorando que a sua nomenclatura advém dos apelidos dos tipógrafos que as criaram. Para muitos serifa, não-serifado, script, slab, kerning, tracking e humanista são palavras que aparentemente foram colocadas na mesma frase sem qualquer conexão entre si. Mas para uma parte da Humanidade, cuja formação e/ou a vida profissional (ou simples paixão) os condicionou a anos de observação, estudo, e sensibilidade pela tipografia, um R Bodoni em corpo 18 centrado numa página branca pode ser tão ou mais bonito que o Le Déjeuner sur l’herbe de Manet. É o meu caso, e o da minha mulher, ambos Designers de Comunicação com cinco anos de licenciatura em Belas-Artes exaustivamente debruçada sobre a tipografia. O que significa que a nossa reacção ao ver o protótipo de Typoman no Indie MegaBooth foi o de um olhar de curiosidade disparado de imediato um para o outro.
Typoman é um curioso jogo indie que constrói um puzzle platformer com trocadilhos literais criados com tipografia. O nosso protagonista é também a súmula de uma série de caracteres que após compostos criam uma figura antropomórfica tipográfica, que se enquadra na perfeição numa série de elementos em primeiro e segundo plano construídos, também eles, à base de fontes tipográficas. Typoman é todo ele uma série de jogos com redundâncias: desde cercas construídas com a palavra FENCE, passando por plataformas que são a palavra PLATFORM num tipo quadrangular, até aos célebres picos que cobrem o chão dos abismos dos jogos de plataformas, e que são constituídos por uma série de As serifados a branco, recriando uma espécie de estalagmites mortíferas.
Este jogo da Brainseed Factory deixa antever a criatividade e o conceito por trás dos puzzles, todos eles feitos com o entendimento literal das palavras e dos elementos que surgem no ecrã. É claro que numa fase inicial (acreditamos nós) que os puzzles sejam bem simples e que requeiram pouco raciocínio, mas cuja complexidade vá aumentando exponencialmente. Dos vários puzzles que pudemos jogar no protótipo que recebemos temos de salientar o primeiro de todos que tem uma nuvem que derrama chuva para um pequeno lago, e que tem no seu interior a palavra RAIN. Quando aproximamos um D dependurado até à nuvem criamos a palavra DRAIN, o lago é drenado e podemos atravessar sem o risco de morrermos afogados. Um segundo joga com a escrita constrangida e com a existência de semordnilap (palíndromas invertidos, cuja leitra de trás para a frente muda a leitura para outra palavra. Quando nos aproximamos da palavra PART, ela retrai para trás e mata-nos, formando a palavra TRAP. Para conseguirmos passar temos de trazer a letra S para que somada crie STRAP, para que a perigosa palavra fique amarrada e nos permita a passagem.
Typoman apresenta-se como uma ideia genial que não só agradará a fãs de tipografia mas também a todos os seguidores de puzzle platformers. Parece-nos, porém, existir ainda um longo caminho a percorrer desde este protótipo, e sem dúvida que o grande desafio não se prende tanto com a jogabilidade e a estética (que essas pelo que vos mostramos no vídeo abaixo já apresentam um grande nível de desenvolvimento) mas sim a diversidade e criatividade dos trocadilhos, puzzles, e redundâncias tipográficas para impedir que este Typoman seja um one-trick-pony. É que o interesse dos jogadores vai centrar-se somente na capacidade do jogo de manter esta descoberta de puzzles inovadores. Se conseguirem responder a esta diversificação do jogo, então teremos aqui um dos mais inventivos puzzles platformers dos últimos tempos. E à base de tipografia. E a tipografia é bela e essencial à vida. Quase tanto como o oxigénio. Quase, quase.