Um Chicken Nugget sobre Claire
O horror faz parte da nossa vontade transcendental de sentirmos o medo palpável, o coração a disparar, a injecção de adrenalina descontrolada pelo nosso organismo e de termos de nos contorcer involuntariamente na cadeira onde estamos sentados. É por isso que o cinema, e mais recentemente (leia-se: nos últimos 20 anos) os video jogos, enquanto meios privilegiados de contar histórias e de criar ambientes têm tido um papel fulcral em manter o medo e o horror como uma matéria contemporânea, vendável, não apenas a um pequeno nicho de mercado.
Admito que nunca fui o maior seguidor de survival horrors, mas o primeiro Resident Evil, o primeiro Silent Hill e o primeiro Project Zero habitam a minha melhor memória do género. O medo e os sustos que estes jogos imprimiram na minha mente não se deve à fidelidade realista da sua imagem e dos seus gráficos, ou da cobertura de uma série de clichés cinematográficas e fórmulas testadas de aterrorizar o espectador (e jogador). Mas sim porque souberam criar ambientes verdadeiramente memoráveis com os recursos à sua disposição, fazendo o nosso coração saltar desenfreadamente de forma espontânea e criaram, por sua vez, as bases para um género que vendeu (e muito) no final da década de 1990.
Poderia desenvolver uma longa discussão do porquê de achar que desde a viragem do milénio grande parte das séries e jogos que se auto-intitularam survival horrors não serem mais do que glorificados e mal-compartimentados third person shooters, mas isso seriam outras centenas de palavras que escapam de longe ao tema central: o facto de que nos últimos anos têm sido alguns jogos indie, muitos deles com visuais retro, a conseguirem reinventar o género no horror nos videojogos.
Claire é um survival horror 2D lançado dia 7 de Julho para PC pelo estúdio Hailstorm Games. As comparações que todos têm feito com Lone Survivor e com Silent Hill não afectam em nada a receptividade ao jogo, e aliás, pela justa comparação, até acredito que seja um bom argumento de venda. É que o ambiente hiper-misterioso da criação de Keiichiro Toyama está perfeitamente captado no ambiente desconhecido e bidimensional de Claire.
Neste pequeno (mas tenebroso) indie controlamos uma jovem de seu nome Claire, por corredores abandonados de uma série de edifícios, mal-iluminados, e sempre sem sabermos o porquê do nosso périplo. É claro que para um jogo deste género existem sempre uma série de criaturas que se escondem nas sombras e as quais temos de evitar a todo o custo. Claire não é de todo um action game, e como tal temos de conseguir fugir destas criaturas sob pena de morrermos.
A força de Claire reside na sua narrativa, na investigação que vamos fazendo do sentido de tudo o que se está a passar, assim como a interacção com os poucos personagens com quem nos cruzamos. Ocasionalmente vamos encontrando fragmentos da infância da protagonista e ter a possibilidade de viajar até esse tempo. Os bons puzzles que vamos resolvendo enquanto escapamos às forças enigmáticas que nos perseguem permitem-nos avançar na narrativa como nos jogos típicos do género.
Perante a lenta transformação de grande parte dos survival horrors AAA em jogos de acção, temos tido provas de que a capacidade de criação de um bom enredo, ambiente eficaz e um bom dinamismo narrativo conseguem apresentar-nos um verdadeiro jogo de horror. Se Lone Survivor já nos tinha provado que através de pixel art é possível trazer um dos ambientes mais genuinamente aterrorizantes, Claire traz-nos o medo que paira num bom thriller, com um visual pixelizado altamente detalhado e fluído que eleva o género ao estatuto que ele já teve. Esperemos porém que com Silent Hills exista um novo fôlego ao género no mercado mainstream. Senão teremos sempre os indies para nos responder a essa necessidade.
Claire é um exclusivo PC.