Quem me conhece, sabe do meu fraco para tudo o que sejam distopias, quer em gramática fantástica, quer em ficção científica. Há qualquer coisa de visceralmente aditivo nas imagens de uma humanidade desencontrada e que revela as suas verdadeiras cores quando puxada ao limite. No entanto, num género tão vasto e versado, por vezes, não conseguimos deixar de sofrer de um sentimento de déjà vu crónico – em nada relacionado com o tema, mas um pouco como aquilo que sentimos quando chegamos à segunda comédia romântica do Hugh Grant ou à última experiência FIFA. Olhamos para uma determinada obra (livro, filme ou jogo) e damos por nós a pensar “eu já vi isto em qualquer lado”… Há quem diga até que o que havia para ser inventado, já o foi de facto.
Não chegando a extremos, creio que o valor da produção cultural, como narrativa interactiva, no caso dos jogos de vídeo, não se mede apenas pela sua capacidade de produzir material novo, mas também pela genialidade de reutilizar categorias/conteúdos pré-existentes e, com elas, construir uma nova obra coerente e capaz de embevecer o público. Por outras palavras, valorizo muito mais uma história/mecânica bem contada/calibrada que até se serve de imagens/mecanismos que já se tornaram lugares comuns, do que uma narrativa pobre com os mais inovadores e inauditos plot devices. O novo “2D, side-scrolling, open-world, cyberpunk RPG” (ufa) da Dreadlocks, actualmente em early access, Dex tem, parece-me, alguns dos ingredientes necessários para se tornar um óptimo exemplo de um jogo que, recorrendo a conceitos e mecanismos familiares, é capaz de gerar atenção e manter o interesse dos jogadores.
Dex, apresenta-se como se de uma máquina do tempo virtual se tratasse. O visual 2D, a ambiência escurecida, quebrada e degradada dos cenários, a banda sonora, o sistema de combate directo que requer alguma perícia, precisão e a memorização dos combos (mantenham o bloco de notas por perto para não terem, como eu, de estar constantemente a pôr em pause para ver como se fazem), o bem integrado sistema de plataformas, assim como a temática e a narrativa cyberpunk/biopunk trazem-nos à memória outros títulos e, sobretudo outros tempos. Todo o jogo transpira uma aura de ficção científica dos anos oitenta-noventa em que a preocupação pela degradação dos sistemas políticos e do tecido social se expressava em obras como Blade Runner (já lá vão trinta e dois anos), Nineteen Eighty-Four, Robocop (o original), Judge Dredd (idem). Estes temas, nunca abandonando completamente o imaginário da cultura ocidental, em virtude das vicissitudes históricas, conhecem tempos de maior ou menor relevância. Creio que a história é bastante directa e linear, recortada por variadas side quests, contudo, até isso se integra no esquema retro da aventura.
No entanto, nem tudo é revivalismo, uma particularidade que me parece deveras interessante é a componente RPG do jogo que promete permitir aos jogadores uma abordagem personalizada e a gestão da economia da acção de uma forma peculiar. A capacidade e construirmos, em jogo, uma personagem vocacionada para o combate corpo a corpo, à distância, ou um assassino preciso e silencioso possibilita, não só que se jogue de acordo com as nossas preferências, mas também que se jogue várias vezes, em estilos completamente distintos. Independentemente da abordagem escolhida, Dex será sempre um desafio mecânico de precisão, como só as aventuras em 2D conseguem ser.
No geral, penso que Dex tem potencial para desafiar e agradar a um público variado, a uns possibilitando o regresso à experiência gaming de tempos idos e a outros uma porta de entrada num sistema de jogo que marcou uma geração de jogadores.O cyberpunk, de facto, não morreu e ainda é capaz de nos surpreender.