Uma análise a Danganronpa 2: Goodbye Despair
O começo do ano lectivo de Hajime Hinata não está a correr da melhor maneira. O estudante recém-chegado à Hope’s Peak Academy – uma escola famosa para os alunos mais brilhantes de todas as áreas e para a qual só se consegue entrar através de convite – encontra-se subitamente aprisionado numa ilha paradisíaca com os seus novos e extraordinários colegas de turma. Aparentemente drogados e trazidos para uma “visita de estudo” no seu primeiro dia de aulas para uma ilha paradisíaca contra a sua vontade.
Desenvolvido pela Spike Chunsoft e lançado na Europa pela Nippon Ichi Software of America para a PS Vita, Danganronpa 2: Goodbye Despair é a sequela de Danganronpa: Trigger Happy Havoc, uma visual novel de aventura focada no mistério e investigação, que segue um grupo de estudantes de topo que são recebidos e encarcerados no primeiro dia de aulas dentro da sua nova escola e são obrigados a participar num jogo de homicídio subreptício cuja única recompensa é a sua própria liberdade. Dejá vu? Isto é porque esta sequela é uma quasi-réplica do seu antecessor, diferindo apenas na sua localização, no grupo de estudantes envolvido e, obviamente, no desenvolvimento narrativo.
Este conceito pode-vos fazer recordar inicialmente o romance Battle Royale de Koushun Takami, ou mesmo do recente Os Jogos da Fome de Suzanne Collins, mas Danganronpa tem um “twist”. Não existe nenhuma hostilidade aberta entre os estudantes, não lhes são dadas armas directamente e a ilha está perfeitamente equipada para os receber e manter relativamente satisfeitos (um hotel com piscina e um bungalow para cada estudante, comida com fartura e entretenimento que chegue). O seu anfitrião e mestre de jogo Monokuma (Mono = monocromático / Kuma = urso), um urso de peluche robótico e remotamente controlado, explica-lhes que para apenas um dos participantes conseguir escapar da ilha terá de matar um dos seus colegas, mas terá de fazê-lo “às escondidas” e conseguir ser declarado inocente no julgamento que terá ocorrência depois. As regras do jogo de Monokuma ditam que, após o cadáver de um estudante ser encontrado dá-se início a um curto tempo de investigação em que os restantes estudantes deverão recolher pistas e testemunhos. De seguida há uma espécie de julgamento policial em que todos os estudantes sobreviventes terão de discutir entre si e associar as provas que recolheram até chegarem a quem acreditam ser o verdadeiro culpado e votar nele(a) – se a maioria acertar na identidade do assassino, este é executado, mas se a maioria errar na sua verdadeira identidade, todos os estudantes são executados à excepção do homicida, que fica livre para sair em liberdade.
Este jogo pode ser visto como uma mistura entre um Battle Royale e um romance de Agatha Christie (a mãe do mistério policial e do Whodunnit) – um Whodunnit Royale – fazendo lembrar um daqueles casos em que, num ostentoso jantar numa mansão da alta sociedade um dos convidados é morto e ninguém sabe à partida quem foi o assassino (se isto fosse o Cluedo, seria obviamente o Coronel Mustard, com o candelabro, na biblioteca) e quando o detective Poirotesco revela assertivamente quem foi o assassino e este é levado pela polícia, o ciclo repete-se e logo a seguir ocorre outro assassinato nessa mesma casa, em que os suspeitos são os restantes convidados. Dentro do mercado, Phoenix Wright: Ace Attorney ou Zero Escape: Virtue’s Last Reward, são dois jogos que podem ser comparados a este, pelo seu conceito e execução.
O jogo em si divide-se em duas fases distintas: a Daily Life e a Deadly Life. A Daily Life decorre em tempo de calma e paz, quando não há assassinatos, e podemos passar os nossos dias ao bom género da Casa dos Segredos ou do Big Brother (sim, há câmaras montadas por todo o lado, inclusivamente nos quartos dos personagens, o que quer dizer que alguém vos está a observar através delas). Neste período podem passear sozinhos para investigar a ilha ou passar tempo com aquela rapariga (ou rapaz) com quem sempre quiseram falar mas nunca tinham tido coragem até se verem metidos num jogo de vida ou morte – o desenvolvimento de relacionamentos com outros personagens tem um papel importante no jogo e, para além de ajudar ao desenrolar da narrativa, dá-nos acesso a habilidades específicas que podem ser usadas durante o julgamento. A Deadly Life decorre em tempo de tensão e tumulto, começando assim que um cadáver é encontrado, englobando a recolha de pistas e o julgamento, até se encontrar quem foi o assassino e este ser executado.
Os momentos mais interessantes e intensos do jogo residem mesmo nos julgamentos que, pelas suas revelações e reviravoltas podem ser comparados aos de Ace Attorney, só que bem mais frenéticos. As discussões entre estudantes decorrem em tempo real e em loop, onde temos um tempo limite para encontrar uma contradição ou um ponto de concordância com um argumento e… disparar uma bala nesse mesmo argumento (os nossos argumentos e provas tomam a forma de balas neste jogo). Isto explica o nome do jogo – dangan ronpa é uma expressão que do japonês pode ser traduzida para algo como “vencer uma discussão com uma bala”. Outros acontecimentos que fazem parte do julgamento são representados através de mini-jogos: enfrentamos um suspeito que se tenta defender com insultos pessoais através de um jogo de ritmo apelidado de Panic Talk Action ou procuramos aquela palavra que está mesmo na ponta da nossa língua através de uma espécie de jogo da forca designado por Hangman’s Gambit.
A qualidade do voice-acting é excelente (este jogo foi jogado com vozes em japonês e legendas em inglês) e as interacções entre personagens são memoráveis, principalmente nos julgamentos onde as reacções exageradas e a gritaria desmedida reinam. A acompanhar isto tudo está uma excelente banda sonora que é particularmente notável também durante os julgamentos, reflectindo a emoção do momento e mantendo o nosso ritmo cardíaco elevado. Todos estes factores ajudam a impulsionar uma narrativa que, apesar de linear, oferece uma experiência variável bastante distinta – as amizades que travamos durante da Daily Life influenciam a experiência que temos da história, revelando pormenores diferentes sobre o passado de cada um dos estudantes, oferecendo o único factor de rejogabilidade para o jogador obsessivo-compulsivo que precisa de ficar a saber o background de cada um dos seus colegas Ultimates. Mas antes de chegarem a esse ponto, será que vão conseguir ajudar Hajime a sobreviver, a desvendar o mistério de quem o colocou naquela situação e sair da ilha vivos?
O melhor:
A narrativa. Embora o enredo no seu núcleo seja um pouco inferior ao do primeiro jogo, a história desenvolve-se de forma mais flúida e só melhora conforme vamos progredindo nela.
A excelente banda sonora, parcialmente reutilizada/regravada do primeiro jogo, e bom voice-acting (jogo foi jogado com vozes em japonês). As interjeições entre personagens nos julgamentos são memoráveis.
Hajime Hinata, funciona melhor como personagem principal quando comparado a Makoto Naegi, protagonista do jogo anterior. Isto é principalmente notório com a sua forte presença nos julgamentos. Sore wa chigau zo!
O visual. Não houve grande evolução quando comparado com o seu antecessor, mas a artwork continua com boa qualidade e o estilo visual de personagens 2D num mundo 3D está mais apurado.
O pior:
Tirando o protagonista, o restante elenco de personagens não é tão forte nem tem um desenvolvimento tão interessante como o do primeiro jogo.
O ocasional erro ortográfico ou de tradução – chateia quando aparece, mas com a qualidade da narrativa depressa se esquece.
Ultimamente, esta é uma sequela digna a Danganronpa: Trigger Happy Havoc. A sua história é indissociável e entrelaça-se bem com a do seu antecessor, seguindo o mesmo padrão narrativo de tensão e alívio cíclicos e é extremamente rica nas voltas e reviravoltas que caracterizam o primeiro. Quem estiver interessado em jogar a este jogo pode e deve jogar ao primeiro, para não perder o fio à meada. Imprescindível para quem gosta de visual novels e de aventuras que envolvam investigação e mistério. Fãs de manga e anime também poderão apreciar.
PS: O Danganronpa Another Episode saiu recentemente no Japão e ainda não há notícias de um lançamento do jogo no ocidente. Fico de dedos cruzados à espera que isso venha a acontecer (sim, estou a olhar para ti, NISA).