Um Chicken Nugget de Detective Grimoire

Recordo com saudade os meus tempos de pré-adolescência em que joguei aventuras gráficas de point-and-click da Sierra ou da LucasArts. Jogos como King’s Quest e as aventuras de Indiana Jones (sim, tem que ter ™ no fim, senão ainda sou processado pelo tio George) traduzidas para videojogo são dos tempos que mais nostalgia me despertam. Em particular Indiana Jones and the Last Crusade , que quando joguei pela primeira vez me fez arreganhar do quão espectacular era poder jogar com o Indy™, resolver puzzles e poder escolher entre fantásticos one-liners nas conversações. Na altura pensava o quão bom seria o jogo ter voice-over e poder ouvir os personagens a vocalizar as minhas escolhas nas falas – seria estar como estar a jogar um filme!

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Indiana Jones and the Last Crusade™ saiu em 1989, e ainda hoje os visuais me deixam boquiaberto.

 

Circa 1993, é lançada a sua sequela, Indiana Jones and the Fate of Atlantis™ na sua versão de CD (apelidada de “talkie”) em que os personagens tinham finalmente voz e mais uma vez arreganhei. O voice-over era excelente e delirava ao ouvir cada fala ou pensamento traduzido em voz. Nos tempos que correm, este é um detalhe que é dado como garantido para todos os jogos editados por grandes companhias, mas nos tempos que corriam (e para mim) era equiparável a ver pela primeira vez um filme no cinema com vozes, quando tudo que se havia experienciado antes era o filme mudo, e isso trouxe naquela altura uma felicidade, simplista mas inestimável, ao meu “eu” pré-adolescente.

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Porquê esta conversa sobre voice-over em aventuras gráficas? Porque é sem dúvida aí que reside o ponto forte de Detective Grimoire, jogo criado pela SFB Games (estúdio indie que nos trouxe Haunt The House) e lançado pela Armor Games, que começou por ser um projecto de Kickstarter com vista a lançar uma sequela ao jogo flash lançado em 2007 com o mesmo nome. Aqui jogamos um detective, de seu nome Grimoire – e que até tem alguma parecença com o famoso Dr. Jones™ -, que investiga o homicídio do proprietário de uma atracção turística construída num pântano remoto. Para descobrir a identidade do assassino, Grimoire terá de encontrar pistas, interrogar testemunhas e suspeitos, resolver puzzles e descobrir o segredo que existe por detrás daquela peculiar atracção turística no meio de nenhures.

Com um excelente elenco de vozes presentes como a de Edwyn Tiong (que dá vozes a personagens de Dust: An Elysian Tale e de The Journey Down) ou de Faye Mata (que dá a voz a Lulu de League of Legends), com uma fantástica banda sonora produzida por Raphael Meyer (disponível à parte para quem a quiser adquirir) e com uma animação de qualidade, Detective Grimoire é um festim audiovisual que não desaponta. A vivacidade e humor dos diálogos, a qualidade da produção musical que os acompanha e a singularidade dos personagens que encontramos são tão únicos e interessantes que todas as conversações e interrogatórios que temos com os suspeitos se tornam no ponto mais divertido do jogo.

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Se o seu audiovisual e o storytelling são os seus pontos mais fortes, a investigação em si, embora traga consigo mecânicas interessantes, é subdesenvolvida e simplista – talvez até demasiado facilitadora. Os puzzles principalmente não são particularmente desafiantes e apenas nos entretêm por curtos momentos – se bem que este ponto é uma questão de perspectiva, considerando que será mais amigável para um público mais próximo do pré-juvenil ou mesmo infantil (que fale inglês, obviamente). Os puzzles em si consistem na sua maioria em jogos de lógica, em que temos de associar palavras ou termos para chegar a uma conclusão (por vezes roubando-nos uma gargalhada quando Grimoire pensa numa associação mais ridícula), contendo também alguns puzzles mecânicos, como encontrar onde encaixar uma série rodas dentadas de forma a interagirem correctamente umas com as outras para fazer um aparelho funcionar ou até descobrir a chave correcta de uma série de chaves para encaixar numa fechadura que tem uma forma particular.

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És um autêntico Sherlock Holmes, Grimoire.

 

O jogo é culpado por ter alguns bugs nos puzzles – por duas vezes deparamo-nos com um desses bugs: uma vez num puzzle que foi completo e nada aconteceu (que se resolveu saindo do ecrã de puzzle e reiniciando-o, voltando a resolvê-lo novamente); a outra num puzzle que se resolveu sozinho assim que foi iniciado (ou seja, recebemos uma mensagem equivalente a “puzzle completo” quando tal não fazia sentido que surgisse). A aventura em si é também bastante curta e é possível terminá-la em menos de 3 horas, podendo ser comparada à duração de um episódio de uma aventura da Telltale como o Walking Dead ou o Wolf Among Us.

Mesmo com a sua curta duração, facilidade dos puzzles e bugs esporádicos, Detective Grimoire é uma experiência extremamente agradável graças ao seu storytelling cheio de bom humor e pela sua qualidade visual e sonora. A galinha aconselha o leitor a arriscar sujar as botas no pântano, principalmente se forem fãs de aventuras gráficas ou mesmo de visual novels (se conseguirem adquiri-lo num promoção, melhor ainda). Se forem apreciadores ou colecionadores de bandas sonoras, considerem também adquirir a banda sonora que está disponível à parte.

Detective Grimoire está disponível para PC através do Steam ou DRM-free, iOS, Android, Mac e Linux. Foi analisada a versão Steam para PC.